Presidente do Conselho de Administração da TAP – Air Portugal
R-4818/98
N.º 63/A/99
1999.08.26
Área: A6

Assunto:TRABALHO. EMPRESA PÚBLICA – TAP – AUSÊNCIA DE FUNCIONÁRIO – EXERCÍCIO DE FUNÇÕES AUTÁRQUICAS – CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO DA ASSIDUIDADE – CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO – VIOLAÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL – REVISÃO DE CLASSIFICAÇÃO.

Sequência:Acatada.

Foi dirigida ao Provedor de Justiça uma queixa através da qual um funcionário da TAP contestava os critérios de avaliação da assiduidade utilizados pela empresa na avaliação anual do desempenho do trabalhador por força dos quais as ausências ao trabalho originadas pelo exercício de funções autárquicas e pela participação nas respectivas campanhas eleitorais são valoradas negativamente.

De facto, segundo a tabela do Sistema Integrado de Informação de Pessoal, aplicável ao Sistema de Avaliação do Desempenho e Potencial (SADP), instrumento utilizado por essa Companhia para a avaliação anual dos funcionários, as ausências daquela natureza relevam para efeitos de absentismo dos funcionários e, como tal, são objecto de uma penalização em função do número de dias de ausência. De acordo com aquele sistema de avaliação, “a informação final contempla a assiduidade (últimos doze meses), dados atribuídos automaticamente pelo sistema informático associado ao sistema de avaliação, tendo em atenção penalizações em função dos dias de ausência”, exemplificando, que 5 dias correspondem a uma penalização de 0.10 pontos, 6 dias a 0.12 e 7 dias a 0.14.
Instado a pronunciar-se sobre a questão em apreço veio V. Exª alegar que o sistema de avaliação instituído releva exclusivamente as ausências de trabalho que, “independentemente do regime legal que as prevê e regulamenta, ou representam indisponibilidade absoluta para qualquer actividade (doença) ou são controláveis pelos trabalhadores, em termos de corresponderem a opção, por vezes legítima, entre as soluções alternativas possíveis, uma das quais é a presença na empresa”, o que, por outro lado, também é legitimado por razões de equidade porquanto no universo de trabalhadores avaliados “uns fazem a opção pela presença na empresa (…) e outros, sem prejuízo de o fazerem no uso de um direito, optam por faltar/estar ausentes” facto que não pode deixar de relevar na avaliação feita pela empresa em favor dos primeiros.

Terminada a instrução do processo aberto com base naquela queixa concluo pela procedência da reclamação que me foi dirigida, nos termos e pelas razões que seguem.
Entre o elenco dos direitos, liberdades e garantias de participação política a Constituição consagra, no seu art.º 50º, o direito de acesso a cargos públicos que, para os efeitos que ora relevam, se configura como a possibilidade conferida a todos os cidadãos de acederem aos cargos de representação ou direcção do poder local em condições de igualdade e liberdade (n.º 1). Conexo com este direito, o n.º 2 do preceito em análise contém a garantia de que “ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos.”

Este último normativo, cujo âmbito abrange todos os direitos políticos, estatui, desta forma, o direito a não ser prejudicado pelo exercício de cargos ou de outro direito público assegurando aos cidadãos que do livre exercício daqueles não advêm prejuízos ou discriminações profissionais que o tornem arriscado ou de alguma forma o coarctem.
Por força da sua inserção sistemática estes direitos beneficiam do regime plasmado no art.º 18º, n.º 1, da Constituição, nos termos do qual os preceitos consagradores de direitos, liberdades e garantias estão dotados de eficácia imediata, ou seja, regulam directamente as relações jurídico-materiais. Segundo os ensinamentos de Gomes Canotilho e Vital Moreira(1) esta aplicabilidade directa traduz-se na invalidade das normas que infrinjam os preceitos relativos a direitos, liberdades e garantias, sendo estes aplicáveis contra e em vez dos preceitos que os contrariem.

Em termos de eficácia, o mesmo regime estabelece que os direitos fundamentais vinculam todas as entidades públicas e privadas, pelo que são expressa e imediatamente aplicáveis às relações entre entidades privadas.
Por outro lado, de harmonia com o disposto nos n.º 2 e 3 daquele preceito, as restrições ao seu exercício estão submetidas a diversos pressupostos de natureza material e de natureza formal.
Não obstante esta aplicabilidade directa, o exercício direito fundamental de acesso aos de cargos públicos encontra-se desenvolvido em diversos diplomas legislativos, nomeadamente, quanto aos aspectos que se relacionam com as obrigações decorrentes da relação jurídica de emprego.

Assim, o Estatuto dos Eleitos Locais, contido na Lei 29/87, de 30 de Junho, para além de submeter, no seu art.º 2º, todas as entidades públicas e privadas ao dever geral de cooperação para com os eleitos locais no exercício das suas funções (n.º 6), impõe às entidades empregadoras o dever de dispensar os seus funcionários dentro de limites mensais, variáveis de acordo com as funções autárquicas concretamente desenvolvidas e em função do tipo e dimensão da autarquia em apreço (n.º 3).

Por seu lado, o art.º 5º, n.º 5, do Decreto-Lei 701-B/76, de 29 de Setembro, na versão que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 757/76, de 21 de Outubro, concede aos candidatos aos órgãos autárquicos o direito à dispensa do exercício das respectivas funções, “sejam públicas ou privadas”, durante o período de campanha eleitoral. Para além deste direito de dispensa laboral, e como afloramento do direito de não prejudicialidade pelo exercício do direito de acesso a cargos públicos, o mesmo preceito estabelece que o tempo despendido pelos candidatos em campanha conta para todos os efeitos como tempo de serviço efectivo.

Em face deste enquadramento jurídico-constitucional liquidamente se conclui que a valoração negativa atribuída aos dias de ausência do trabalhador motivado pelo exercício de funções autárquicas ou pela participação nas respectivas campanhas eleitorais constitui um procedimento ilegítimo, violador da proibição de prejuízos no emprego e na carreira profissional devido ao exercício de direitos políticos contida no art.º 50, n.º 2, da Constituição.

De facto a penalização de faltas desta natureza para efeitos de avaliação de desempenho laboral resulta num prejuízo para os trabalhadores em causa, consubstanciada numa classificação final inferior àquela que lhes seria atribuída caso se abstivessem de exercer o direito de aceder ou desempenhar cargos públicos. Do exposto decorre que de entre os trabalhadores equivalentemente valorados nas diversas áreas que compõem o modelo de avaliação, aqueles que exerceram os supra referidos direitos políticos vão obter uma classificação final inferior aos que se abstiveram de tal exercício, sendo certo que, como não pode deixar de ser, a classificação anual dos funcionários é o elemento preponderante na evolução profissional dos trabalhadores.

Por força da já mencionada eficácia “erga omnes” dos direitos fundamentais, os particulares estão entre os destinatários directos do direito consagrado pelo art.º 50º, n.º 2, da Constituição, que, aliás, constitui um caso de efeitos externos constitucionalmente individualizado .
Desta forma, essa empresa encontra-se vinculada ao cumprimento daquele princípio de não prejudicialidade razão pela qual não pode penalizar os trabalhadores pelo exercício do direito fundamental de acesso e desempenho de cargos públicos, reconduzindo este exercício à mera valoração do binómio presença/ausência na empresa, dentro de uma óptica de estrita racionalidade empresarial.

Tão-pouco a questão poderá ser abordada em termos de equidade entre os funcionários absentistas (e que como tal merecem ser sancionados) e funcionários cumpridores, porquanto a salvaguarda da equidade impõe a manutenção da garantia de que todos, a todo o tempo, possam optar pelo exercício ou pelo não exercício fáctico dos direitos fundamentais. Como V…. Exª menciona, o exercício do direito em causa corresponde a uma opção legitima do trabalhador mas, acrescente-se, tal opção tem que ser o resultado de uma escolha pessoal livre sem ser condicionada pela aplicação de sanções ou prémios da entidade patronal em função de tal escolha.

Assim, atento a tudo o que acima fica exposto, ao abrigo do art.º 20º, n.º 1, al. a) da Lei 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO

à TAP que as faltas ao serviço dadas em virtude do exercício funções autárquicas ou da participação de candidatos em campanhas eleitorais autárquicas não sejam, por qualquer forma, objecto de penalização em qualquer processo de classificação ou avaliação de funcionários, de harmonia com o direito fundamental de não ser prejudicado pelo exercício de cargos públicos, contido no art.º 50º, n.º 2, da Constituição.

Mais recomendo que sejam revistas as classificações atribuídas em anos anteriores aos trabalhadores prejudicados através da aplicação deste critério inconstitucional, como forma a reparar a lesão do seu direito fundamental.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

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(1)Cf.Constituição Anotada.1993,pg.146