Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo

Rec. n.º 88/A/99

Proc.:R-2102/97
Data:1999.12.10
Área: A2

Assunto: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL – MUNICÍPIO – QUEDA DE ÁRVORE – DANOS PATRIMONIAIS – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Sem resposta.

I- Dos Factos

1. Apresentou o Senhor… neste órgão de Estado queixa contra a Câmara Municipal de Viana do Castelo, em virtude de danos resultantes da queda de ramos de uma árvore, na noite de 4 para 5 de Julho de 1996, sobre a sua viatura marca FORD ESCORT, matrícula …, estacionada na Av. Luís de Camões, dessa cidade.

2. Os danos sofridos na viatura acidentada terão sido avaliados em Esc. 58.851$00 (cinquenta e oito mil oitocentos e cinquenta e um escudos), resultantes da reparação do tejadilho do referido veículo automóvel, alegando o reclamante que o acidente supra descrito se deveu a culpa exclusiva da Câmara Municipal, por omissão do dever de fiscalização da condição sanitária da referida árvore.

3. Comunicada a pretensão do reclamante a essa Câmara, foi reafirmada a posição anteriormente exposta, alegando-se que:
a)a queda de ramos da árvore não resultou de deficiente conservação sanitária, e tão pouco se deveu a causas de natureza climatérica;
b)”eventualmente, a situação em apreço ter-se-á devido a factos de terceiro”;
c)”não se verifica, por parte da Câmara, a omissão de um dever de diligência, que se traduza na omissão de um dever de previsão ou de um dever de prevenção, que é um pressuposto indispensável da responsabilização.”

II- Do Direito

4. Perante a pretensão do reclamante, de responsabilização da Câmara Municipal por danos resultantes de actividade de gestão pública (art. 90.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março – LAL -, então em vigor, art.º l.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, e arts.º 483.º e segs. do Código Civil – CC), cumpre averiguar da verificação cumulativa dos pressupostos dessa responsabilidade: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade.

5. Inexiste controvérsia sobre a verificação do evento danoso, sobre o montante dos prejuízos alegados ou sobre a relação de causalidade adequada entre o facto e os danos, cumprindo aquilatar apenas de matéria de Direito – existência de facto ilícito culposo.

6. A recusa da Câmara Municipal na reparação dos danos ao reclamante baseia-se na seguinte informação da sua Divisão de Serviços Urbanos, prestada após reclamação do interessado:
“Verifiquei o ramo em questão e pude constatar que se encontrava em bom estado sanitário. Apesar de se tratar de uma árvore frágil, não encontro causas naturais para o sucedido (…) Contudo, pelos vestígios encontrados nas sebes, há indícios de indivíduos subirem às árvores durante a noite. Será esta uma possível causa?”
Daqui conclui essa edilidade que “eventualmente, a situação em apreço ter-se-á devido a factos de terceiros.”

7. No âmbito das atribuições cometidas por Lei às autarquias locais (v. art. 51.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março – LAL), devem os seus serviços manter em adequado estado de conservação o seu património, nomeadamente o património arbóreo, procedendo à sua vigilância e manutenção, de forma a evitar a produção de prejuízos para outrem (Ac. STA de 20 de Fevereiro de 1990, AD, 374, p. 125).
Sendo certo que os factos ilícitos se podem traduzir numa abstenção ou omissão, quando exista a obrigação de praticar o acto (art. 486.º do Código Civil), existe ilícito (abstenção de agir) quando se infrinjam regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser observadas (art. 6.º do Decreto-Lei n.º 48051).
Encontrando-se a árvore causadora dos danos à guarda da Câmara Municipal, sobre quem impendem deveres de guarda e zelo, não alega e prova a autarquia a prática dos cuidados de conservação e vigilância que se lhe impunham, susceptíveis de evitar a produção de danos, como não prova a existência de caso fortuito ou de força maior – isto é, que os danos se produziriam independentemente do cumprimento pela Câmara dos seus deveres legais (v. arts. 33.º e 34.º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n.º 110, de 19 de Agosto de 1961, e Ac. STA de 22 de Fevereiro de 1996, AD, 413, 566).
Também não são de considerar alegações genéricas sobre eventuais responsabilidades de terceiros, dado que a Câmara apenas apresenta suspeições, sem qualquer elemento de prova.
Existe, pois, um facto ilícito omissivo imputável à Câmara Municipal de Viana do Castelo.

8. O carácter unitário do instituto da responsabilidade civil por actos de gestão pública (art. 22.º da Constituição), bem como o carácter lacunar do normativo contido no citado art. 90.º da LAL, implicam a aplicação ao mesmo das normas sobre responsabilidade civil extracontratual contidas no Código Civil (CC) (MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, 10.ª ed., Almedina, p. 1223).
Existindo facto ilícito de gestão pública, deve dar-se por verificada também a culpa, na medida em que esta se deve presumir quando haja ilicitude, salvo prova de factos que a afastem (Ac. STA de 18 de Maio de 1993, AD, 390, 626), e essa prova manifestamente não foi feita.
Nas palavras do Supremo Tribunal Administrativo, não alegou a Câmara Municipal “qualquer facto que pudesse traduzir, da sua parte, uma actividade diligente de conservação do património arbóreo em causa, com um mínimo de regularidade e de cuidado, por forma a evitar a insegurança na via a seu cargo, o que os cidadãos não podem nem devem suportar (…). Na verdade, a culpa aprecia-se segundo o critério adoptado pelo art. 487.º do CC; e o que haverá a esperar dos órgãos e agentes de um serviço público é que cumpram com diligência os seus deveres, satisfazendo nomeadamente a obrigação de vigilância dos bens que detêm à sua guarda, por forma a impedir eventos causadores de danos aos particulares” (Ac. STA de 22 de Fevereiro de 1996, cit., p. 567).
Devendo esta presunção ser ilidida mediante a prova de factos que a afastem, tal prova, manifestamente, não foi feita (Ac. STA de 20 de Outubro de 1987, BMJ, 370, p. 392).

9. Esta presunção de responsabilidade é aliás reforçada pela aplicação do art. 493.º, n.º 1, do CC, que, invertendo o ónus da prova contido no art. 487.º, n.º 1, do mesmo Código, estabelece uma presunção de culpa contra quem tem coisas à sua guarda.
Competia, pois, à Câmara Municipal provar que desenvolveu uma actividade diligente de conservação do património em questão (actividade “ex ante” e não “ex post”) – o que, reafirma-se, não fez.

10. Sendo certo que a Câmara Municipal a que V. Exa. preside não alegou e provou que, por comprovada, “adequada, continuada e sistemática fiscalização técnica” do seu património arbóreo (Ac. STA de 20 de Fevereiro de 1990, citado, p.131), a queda da árvore não se deveu a omissão ilícita e culposa, ou que tal teria sucedido independentemente da sua culpa, verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da Câmara Municipal por actos de gestão pública.

III- Conclusão

Encontrando-se reunidos todos os pressupostos legalmente exigíveis, não pode deixar de se concluir que existiu omissão do cumprimento do dever de conservação do património arbóreo pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, e que de tal omissão resultaram os prejuízos supra descritos, que se me não afigura justo ter o Senhor… de suportar os custos.
Perante o quadro descrito,

RECOMENDO
a V.ª Ex.ª, Senhor Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, que seja o Senhor… indemnizado dos prejuízos sofridos, pagando-se-lhe o valor da reparação do automóvel.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL