Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais

Rec. nº 14/94
Proc.:R-1266/93
Data:1994-01-13

ASSUNTO:Contribuições e Impostos – Imposto de Selo – Duplicação de colecta – Restituição – Não acatamento de recomendação.

Sequência:

Reporto-me ao parecer da Consultadoria Jurídica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos acerca da impossibilidade de restituição de imposto do selo pago por estampilha, sancionado por despacho de 93/11/23, de Sua Excelência o Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, exarado sobre a informação nº 878, Livro 10/3216, proc. 6/1 da 6ª Direcção de Serviços.

Em 26 de Julho último havia dirigido uma recomendação ao Exmº Senhor Director da 6ª Direcção de Serviços da D.G.C.I., solicitando a restituição, aos Senhores A e B, da importância de 26.205$00 indevidamente paga em 19 de Maio de 1992.

O parecer da Consultadoria Jurídica da D.G.C.I. proferido sobre o assunto, pretendendo justificar o não acatamento daquela minha recomendação, mais não faz, salvo o devido respeito, que recorrer a argumentos demasiadamente formais e atinentes à letra da lei, sem cuidar de apreciar a questão substantiva e de fundo que sempre deve, segundo os melhores princípios de interpretação das leis, prevalecer sobre os argumentos formais e literais. Senão, vejamos:

Uma vez resumida a matéria de facto – que me escuso a relatar por sobejamente descrita, quer no parecer em análise quer na minha recomendação, cujas cópias me permito juntar – começa a Exmª Assessora Principal por salientar e atribuir extrema importância ao facto de o processo de restituição do imposto do selo se não reger pelos princípios gerais do contencioso tributário, mas antes por um contencioso especial, contido nos artigos 251º a 257º-A do respectivo Regulamento.

Não ponho em causa tal afirmação. Aliás, precisamente sobre o carácter especial não só do processo de restituição como de todo o imposto do selo, escrevia já, em 1986, Vitor Faveiro,a págs. 43 das suas “Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português” – vol II, Coimbra Ed.:

«Trata-se de um imposto condenado a sofrer profundas restrições, se não supressão total, por constituir um dos maiores entraves da vida económica ou mesmo social; e que, em muitos casos, implica situações manifestas de dupla tributação» .

Pretendo com isto dizer, tão-só, que o carácter “especial” deste imposto não impede a aplicação, no seu âmbito, de noções e princípios de direito fiscal – como é o caso da dupla tributação ou duplicação de colecta, aliás já reconhecida, neste caso concreto, pela Direcção Distrital de Finanças de Setúbal – ou mesmo de direito civil: veja-se a figura do enriquecimento sem causa, plenamente aplicável ao caso em apreço, como facilmente se constata após análise dos artigos
473º e seguintes do Código Civil.

Aliás, que as especificidades do imposto de selo não chegam ao ponto de inviabilizar qualquer restituição das quantias indevidamente pagas, prova-o o 1º do artigo 254º do Regulamento respectivo – aliás citado no douto parecer em análise.

Efectivamente, pago o imposto por estampilha, caso se venha a verificar ter havido pagamento superior ao devido por motivo imputável ao funcionário, fica este obrigado a restituir as importâncias a mais que tenha feito desembolsar. Não colhe, pois, o argumento de que, pela própria natureza do imposto de selo, o montante dispendido com o seu pagamento por estampilha não pode, em caso algum, ser reavido pelo contribuinte.

E não se argumente, como se faz no douto parecer em análise, que nos casos de restituição daquele montante pelo Estado, o facto de a compra e inutilização das estampilhas ocorrerem em momentos eventualmente distintos, impediria a restituição permitida ( diria, antes, imposta) pelo artigo 35º do DL nº 155/92 de 28 de Julho. Tal facto não impede, como se viu, a restituição dos montantes dispendidos por motivo imputável a funcionário da Administração Fiscal. Acresce que,
uma leitura, ainda que breve, de várias disposições do Regulamento do imposto do selo permite concluir que a data a ter consideração como sendo a do pagamento do imposto, quando estampilhas, é a data da inutilização destas. Vejam-as alíneas c) e g) do artigo 237º do referido Regulamento.

Pelo exposto, não posso deixar de discordar desta interpretação manifestamente literal, se não mesmo restritiva, da lei, pela Administração Fiscal. E se dúvidas existissem – que não existiam – quanto â vigência da 3ª Carta de Lei, de 1908, o recentemente publicado, e já sobejamente citado, DL nº 155/92 de 28 de Julho, não pode deixar de aplicar-se a casos como o presente sob pena de não ser aplicável de todo: é precisamente para fazer face a situações de manifesto enriquecimento sem
causa do Estado – mesmo que contra elas o contribuinte não tenha reagido – que o seu artigo 35º mantém a imposição de restituição já constante do artigo 36º da Lei de 9 de Setembro de 1908.

Acresce que, ainda que legalmente a Administração Fiscal não estivesse obrigada à restituição destes montantes indevidamente pagos, sempre a chocante injustiça que a duplicação da colecta inevitavelmente configura imporia a minha intervenção – e, obviamente, o acatamento das recomendações por esta via formuladas – ao abrigo e em cumprimento do disposto nos artigos 1º, nº 1 e 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91 de 9 de Abril onde, a par da garantia da legalidade, figura a não menos
importante garantia da justiça do exercício dos poderes públicos.

Nestes termos, RECOMENDO a Vossa Excelência, ao abrigo do disposto nos artigos 20º, nº 1, alínea a) e 38º, nº 4 da Lei nº 9/91 de 9 de Abril, que ordene a restituição aos contribuintes supra identificados, da importância de 26.205$00 paga em duplicado, pelos motivos acima evidenciados e com a finalidade de garantir as indispensáveis legalidade e justiça na actuação da Administração Fiscal.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

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Anexo: Ao processo da presente recomendação encontra-se cópia de uma recomendação e cópia de ofício e parecer remetidos por Sua Excelência o Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento.