Presidente da Câmara Municipal de Óbidos

Rec. nº 88/A/94
Proc. R-3088/91
Data: 1994-05-05
Área: A1

ASSUNTO: DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS – DIREITO DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA – PETIÇÕES FORMULADAS PELOS CIDADÃOS – DEVER DE RESPOSTA – OBSERVÂNCIA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DO RESPEITO E CUMPRIMENTO DA LEI

1. Em face da queixa que me foi dirigida pelo cidadão P…, tendo presentes os termos do ofício de resposta de V. Exª (nº … de …91), depois de analisados todos os aspectos da questão em apreço, a lei a ter em conta e os fundamentos daquela queixa, devo concluir pela legalidade e justeza desta.

2. Na verdade, o pedido de informação e, porventura, de correcção da obra objecto de licenciamento camarário formulado pelo reclamante é perfeitamente legal e legítimo.

3. Em primeiro lugar, o queixoso, no requerimento dirigido a essa Câmara Municipal, cita e invoca expressamente os diplomas legais que entende aplicáveis ao caso: a Lei nº 43/90, de 10 de Agosto, e o Decreto-Lei nº 129/91, de 2 de Abril.

Isto é tanto assim que a própria Câmara, na sua resposta ao reclamante, repete aqueles diplomas para exigir a indicação dos artigos em que o queixoso se baseia para legitimar o seu pedido de informação. Aliás, e ainda quando tais diplomas não tivessem sido expressamente invocados, sempre se poderia, pelo menos, esperar que a Câmara os conhecesse e os tivesse em conta no atendimento a dar à petição do interessado.

Acresce que, nos termos do art. 9º da Lei nº 43/90, de 10 de Agosto, que em matéria de formalismo de exercício do direito de petição se contenta com o mínimo estritamente indispensável, é totalmente descabida a exigência de que o peticionário indique expressamente as disposições legais em que funda o seu direito de petição.

4. Em segundo lugar, a Lei nº 43/90, de 10 de Agosto, é particularmente clara no sentido de outorgar ao cidadão o direito “universal” (art. 5º), enquanto instrumento de participação política democrática (art. 4º, nº 1), de chamar a atenção de uma autoridade pública relativamente a certa situação ou acto, com vista à sua revisão ou à ponderação dos seus efeitos (art. 2º, nº2), ou ainda de denunciar qualquer ilegalidade (art. 2º, nº 4), para defesa, não só dos direitos dos cidadãos, como ainda da Constituição, das leis ou do interesse geral (art. 1º).

5. O acabado de enunciar, transcrito do próprio texto legal, é suficiente para demonstrar que cabe a qualquer cidadão português (art. 4º, nº 1) o direito de conhecer os actos das autoridades públicas para, assim, promover a correcção do que está errado ou ilegal.

Ora, no presente caso, o queixoso tem o direito de alertar a Câmara Municipal para o facto de certa obra, sujeita a licenciamento camarário, estar a ser executada em contravenção à lei com o beneplácito da mesma Câmara e promover que a edilidade em causa providencie a reparação do erro e a conformação da obra às exigências da lei. E, nos termos do art. 8º, nº 1 da Lei nº 43/90, tem ainda o direito de conhecer a decisão da Câmara Municipal sobre o assunto

6. Isto é tanto assim quanto é certo que o mesmo diploma (Lei nº 43/90) dispõe, nos seus arts. 12º e 13º, que perante uma petição desta natureza a Câmara interpelada só pode tomar uma de duas atitudes: ou indeferir liminarmente a petição, se entender que é o caso, o que essa Câmara não fez (e a fazê-lo teria de fundamentar a sua decisão); ou apreciar a petição e dar-lhe o andamento e resposta devidos para informação do peticionário (art. 13º, nº 1), ainda que, porventura, acabe por mandar arquivar o processo sem atender a pretensão daquele (art. 13º, nº 3 “in fine”).

Mas o que a Câmara não pode é deixar de dar uma resposta directa sobre o caso exposto pelo cidadão (art. 8º, nº 1).

7. Simultaneamente, e em reforço da obrigatoriedade de uma resposta, há que referir o disposto no art. 4º do Decreto-Lei nº 129/91, de 2 de Abril, segundo o qual “Toda a correspondência, queixas, reclamações, sugestões, críticas ou pedidos de informação cujos autores se identifiquem, dirigida a qualquer serviço, será objecto de análise e decisão, devendo ser objecto de resposta com a maior brevidade possível, que não excederá, em regra, duas semanas”.

De notar que aquele prazo pode ser alongado, como diz o próprio art. 4º, no seu nº 2, devendo então, e entretanto, ser informado disso mesmo o interessado; ainda quanto a esta questão de prazo é de atentar no art. 13º, nº 1, da Lei nº 43/90, onde se refere, não um prazo certo, mas “..a máxima brevidade..”.

8. É, pois, de concluir que a Câmara Municipal de Óbidos, ao não apreciar a queixa do reclamante, averiguar o que se estava a passar, decidir em conformidade com a lei, e responder oportunamente ao queixoso, desrespeitou a Lei nº 43/90 e o Decreto-Lei nº 129/91.

9. Finalmente, não tem cabimento invocar aqui o art. 7º do Decreto-Lei nº 400/84, de 31 de Dezembro, porque, enquanto este preceito tem apenas que ver com o licenciamento de uma obra no interesse particular de um cidadão, os diplomas anteriormente citados têm em vista a participação de qualquer cidadão na fiscalização do cumprimento das leis, incluindo a própria Constituição da República, e do melhor prosseguimento do interesse geral.

10. Em face do exposto, tenho por bem RECOMENDAR a V. Exª, nos termos do disposto no art. 20º, nº 1, al. a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, o seguinte:

“Que a Câmara Municipal de Óbidos se digne providenciar por uma resposta cabal à petição do reclamante P…, averiguando previamente se a obra em causa está devidamente licenciada e executada em conformidade com as disposições aplicáveis; bem como que, em todos os casos futuros, dê o devido cumprimento ao disposto no articulado legal acima referido.”

Solicito a V.Exª que, nos termos do art. 38º, nº 2, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, me comunique a posição assumida quanto a esta Recomendação.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel