General Chefe do Estado-Maior do Exército

Rec. n.º 29/A/2000
Processo: R-4001/97
Data:5-04-2000
Área: A5

Assunto: Forças Armadas e Forças de Segurança. Acidente em serviço. Pensão de Aposentação

Sequência: Não Acatada (RESPOSTA EM ANEXO)

1. Conforme certamente é do conhecimento de V. Exa., a Provedoria de Justiça tem vindo a solicitar esclarecimentos a esse Gabinete a respeito do assunto mencionado em epígrafe.

2. Assim, em 03.08.98, teve este órgão do Estado oportunidade de, pela primeira vez, expor o caso do ex-militar Senhor …, através do ofício n.º …, que aqui se dá, para os devidos efeitos, por integralmente reproduzido.

3. Respondeu, em 26.03.99, o Exmo. Senhor Chefe do Gabinete, que na sequência de parecer emitido pela Repartição Técnica de Saúde da Direcção dos Serviços de Saúde, foi a questão colocada à apreciação e decisão do General Comandante de Pessoal, entidade com competência delegada para dele conhecer (cfr. V/ofício n.º…).

4. A decisão viria a ser comunicada através do v/ofício n.º …, no qual se pode ler o seguinte:

1. O processo clínico radiográfico referente ao Senhor … foi compulsado nos serviços competentes (actualmente o CMMP – Centro Militar de Medicina Preventiva/Hospital Militar de Belém), tendo-se verificado não existirem “razões clínicas/funcionais para lhe atribuir retroactivamente qualquer desvalorização”.
2. Apurou-se, também através do CMMP, que “era prática corrente nas Juntas Médicas das ex-ATFA os militares serem observados pelos membros das Juntas quando isso se tornasse necessário para se decidir entre o proposto e a opinião dos seus membros”, pelo que a desvalorização atribuída ao militar “só se tornou objectiva/evidente quando da sessão de 14NOV90.” Assim se tendo concluído que,
3. Face aos dados obtidos … a não atribuição de qualquer desvalorização ao militar assistido, quer em 25.02.66, quer em 15.11.88, resultou dos procedimentos então prosseguidos pelos especialistas das Juntas Médicas competentes, procedimentos esses que se consideram insusceptíveis de reparação – atendendo ao tempo decorrido e ao facto de o militar não ter questionado a eventual lesão dos seus direitos -, pelo que a situação se considera consolidada na esfera jurídica do militar com a homologação do parecer da Junta Médica de 14.09.90, que lhe atribui a desvalorização de 10%, com o consequente direito à pensão de invalidez que, a partir desta última data, lhe tem sido paga pela CGA.

5. Tendo-se estranhado o teor de tal resposta, entre outros aspectos porque a mesma não fazia qualquer referência ao supra aludido parecer da Repartição Técnica de Saúde, nem tão pouco ao despacho decisório que deveria ter sido proferido pelo General Comandante de Pessoal (cfr. v/ofício n.º…), a Provedoria de Justiça solicitou, em 26.07.99, que lhe fossem facultados os documentos donde, à primeira vista, teriam sido extraídas as passagens citadas do v/ofício n.º …. .

6. Após alguma relutância, expressa no v/ofício n.º…, de acordo com o qual, “tendo o processo em causa sido analisado pelo órgão actualmente competente em razão da matéria – Centro Militar de Medicina Preventiva – e concluindo-se que “a desvalorização atribuída ao militar só se tornou objectiva/evidente quando da sessão de 14NOV90″, este Ramo não pode nem deve pronunciar-se sobre actos das Juntas Médicas da ex-Assistência aos Tuberculosos das Forças Armadas (ATFA), visto que este organismo não estava inserido na estrutura do Exército (cfr. Decreto-Lei n.º 44 131, de 30-12-61)”, acabaram por ser facultados, em 06.12.99 (v/ofício n.º …), os elementos solicitados pela Provedoria de Justiça.

7. Da análise dos mesmos, avulta o seguinte:

7.1. Foi, efectivamente, proferido Parecer pelo Chefe da Repartição Técnica de Saúde da Direcção dos Serviços de Saúde. Parecer esse que, atenta a sua particular relevância, se transcreve, na íntegra:

1. A análise da legislação existente à data da 1.ª JATFA a que o interessado foi submetido em 25FEV66 determinaria que a mesma tivesse estabelecido um grau de desvalorização adequado às lesões existentes, mas nessa época era prática comum não ser atribuída qualquer desvalorização nas Juntas Médicas se a doença ou acidente não tivesse ainda Despacho da Hierarquia, a considerar que a mesma tinha relação com o cumprimento do Serviço Militar, situação que se manteve aquando da presença do interessado à 2.ª JATFA em 15NOV88, embora em 11NOV87, por Despacho do Governador Militar de Lisboa a doença tivesse sido considerada como “resultante do exercício das suas funções e por motivo do seu desempenho”.

2. Em 06OUT89 o parecer da CPIP/DSS considera que “o motivo pelo qual a JTFA julgou este militar incapaz de todo o Serviço Militar sem desvalorização, deve ser considerado como doença adquirida em Serviço”, parecer que foi homologado por Despacho do Brigadeiro de 06DE89.

3. Dos documentos de matrícula do interessado consta que foi considerado como Auxiliado da ATFA desde 26MAR65 por Tuberculose Pulmonar, situação clínica que foi detectada cerca de 15 meses após a incorporação, pelo que não há dúvida de que a doença foi adquirida durante o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório.

4. Em 14SET90 foi presente a nova JHI que o julgou incapaz de todo o Serviço Militar com uma desvalorização de 10%, decisão que foi homologada por Despacho de 03OUT90, por sequelas de Tuberculose Pulmonar, e que foi sujeita ao Parecer n.º 046/91 da CPIP de 18ABR91 que, em complemento ao seu anterior parecer n.º 423/89 de 06OUT89 considera que “a doença Tuberculose Pulmonar – pela qual a JATFA de 14SET90 julgou este militar incapaz de todo o Serviço Militar com uma desvalorização de 10%, deve ser considerada como adquirida em Serviço”. Esta decisão da JATFA foi homologada por Despacho do Brigadeiro DSP de 15MAI91, proferido por Sub-Delegação do GAG.

5. Considera esta Direcção que a desvalorização de 10% atribuída pela JATFA de 14SET90, em face da legislação em vigor, no caso da Tuberculose Pulmonar, deve ser considerada desde a data da 1.ª JATFA de 25FEV66 e reportada ao início da detecção da doença em 26MAR65, 15 meses após a incorporação e confirmadamente adquirida em Serviço.

6. Nas circunstâncias expostas nos pontos anteriores considera esta Direcção que a desvalorização de 10% atribuída pela JHI de 14SET90 por sequelas de Tuberculose Pulmonar curada existe desde 25FEV66 em consequência de doença adquirida em serviço e detectada em 26MAR65, data em que o requerente foi considerado como auxiliado da ATFA, pelo que são pertinentes os comentários veiculados pelo Ofício da Provedoria de Justiça em referência e) devendo ser tomadas as medidas consideradas necessárias para repor a justiça devida ao requerente junto da Caixa Geral de Aposentações, nomeadamente com eventual Despacho do Exm.º General considerando que a desvalorização de 10% atribuída pela JHI de 14SET90 se reporta a 25FEV66, data em que o requerente foi considerado incapaz de todo o Serviço Militar por Tuberculose Pulmonar adquirida em Serviço, sem atribuição de desvalorização; à revelia da legislação existente à data.

7.2. Não se descortina no processo qualquer despacho do General Comandante de Pessoal, sendo certo que, atento o referido no v/ofício n.º …. quanto à competência da CMMP, difícil se torna perceber quem é, afinal, a entidade com poder decisório na matéria.

7.3. Apesar da existência de um parecer técnico – emitido pela repartição competente – que lhe é inteiramente favorável, o requerimento apresentado pelo ex-soldado Sr. … acabou por ser indeferido.

7.4. Não por razões substantivas, mas porque se considerou a situação “consolidada”, “… atendendo ao tempo entretanto decorrido e ao facto de o militar não ter oportunamente questionado a eventual lesão dos seus direitos …” (cfr. v/ofício n.º…). Só assim se compreendendo, aliás, que o Parecer da Repartição Técnica de Saúde supra citado tenha sido, aparentemente, ignorado.

8. Conforme se chamou a atenção no ofício n.º … dirigido pela Provedoria de Justiça a esse Gabinete, já em 16.07.93 o requerimento apresentado pelo ex-soldado foi, salvo o devido respeito, mal indeferido, uma vez que a argumentação expendida no Parecer n.º 18/94 – que fundamentou o despacho de indeferimento do Brigadeiro Director do Pessoal, de 13.04.94 – não é aceitável.

9. Com efeito, foram duas as razões então apontadas para o indeferimento do pedido de pagamento da pensão reportado à data da primeira JHI – o facto de o Decreto-Lei n.º 45 684, de 27.04.64, não permitir, segundo se referia, a eficácia retroactiva dos direitos adquiridos pelos cidadãos por ele abrangidos e a ideia de que a pretensão do reclamante devia ser apreciada pela Caixa Geral de Aposentações e não pelo Exército. Relativamente a este último aspecto, referia-se no Parecer n.º 18/94:
A legislação invocada norteou a tramitação do processo administrativo através da Caixa Geral de Aposentações (…) não competindo à Administração do Exército qualquer acto administrativo definitivo e executório para a concessão e pagamento das pensões de invalidez.
Contudo, os actos preparatórios consubstanciados na incapacidade/desvalorização atribuída e caracterização do acidente/doença em serviço, são da competência da Instituição Militar.
Daí que o requerente devesse dirigir-se à Caixa Geral de Aposentações para solicitar os efeitos retroactivos da concessão da sua pensão.

10. Nunca se contestou que é a Caixa Geral de Aposentações a entidade competente para a concessão e pagamento das pensões de invalidez. De tal forma isso é evidente que não se compreende o enquadramento de tal afirmação, sobretudo quando se refere, logo em seguida, que “os actos preparatórios consubstanciados na incapacidade/desvalorização (…) são da competência da Instituição Militar.” Conforme resultará claro nesta fase, é precisamente a atribuição ou não da desvalorização, por parte do Exército, que se questiona.

11. A Caixa Geral de Aposentações só se deverá pronunciar numa fase posterior, conforme ela própria fez notar no Parecer elaborado, em 17.06.98, a respeito do assunto em análise, do qual se envia, para os devidos efeitos, fotocópias em anexo e do qual nos permitimos destacar a seguinte passagem: “… é condição indispensável ao reconhecimento do direito à pensão de invalidez a atribuição, pela Junta Médica competente, de um grau de desvalorização ao interessado”.

12. Quanto à invocada aplicação, ao caso, do Decreto-Lei n.º 45 684, cumpre ter em consideração que o requerente não adquiriu qualquer direito ao abrigo daquele diploma. Para tanto, necessário seria que fosse subscritor da Caixa Geral de Aposentações ou que lhe tivesse sido atribuída uma incapacidade profissional superior a 15%, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto n.º 43 189, de 23.09.60, conforme resulta da leitura conjugada dos artigos 1º e 2º do referido Decreto-Lei n.º 45 684.

13. A questão fulcral em análise consiste, tão-somente, no seguinte: o requerente foi sujeito a três Juntas Médicas (em 25.02.66, 15.11.88 e 14.09.90), que diagnosticaram a mesma situação clínica – tuberculose pulmonar clinicamente curada -, com distintos resultados quanto ao grau de desvalorização. Ora, para além da estranheza que tal situação, por si só, suscita, é necessário saber a que é que a mesma se deveu e se há ou não fundamento legal para a diferença.

14. A resposta à primeira interrogação resulta, inequivocamente, do parecer da Repartição Técnica de Saúde da Direcção dos Serviços de Saúde acima transcrito: ” … nessa época era prática comum não ser atribuída qualquer desvalorização nas Juntas Médicas se a doença ou acidente não tivesse ainda Despacho da Hierarquia a considerar que a mesma tinha relação com o cumprimento do Serviço Militar situação que se manteve aquando da presença do interessado à 2.ª JATFA em 15NOV88…”. Conforme estou certo que V. Exa. concederá, não se trata de uma justificação idónea, tanto mais que estamos – e com isto se responde à segunda questão enunciada no parágrafo antecedente – na presença de uma prática contrária à legislação então em vigor e susceptível, como o presente caso bem evidencia, de prejudicar os direitos e os interesses legítimos dos militares. Também a este respeito é elucidativo o Parecer do Chefe da Repartição Técnica de Saúde que se tem vindo a acompanhar: “A análise da legislação existente à data da 1.ª JATFA a que o interessado foi submetido em 25FEV66 determinaria que a mesma tivesse estabelecido um grau de desvalorização adequado às lesões existentes (…)”.

15. De facto, tanto a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto n.º 43 189, de 23.09.60, como o Decreto Regulamentar n.º 56/78, de 30/12, que criou a Tabela de Percentagem de Desvalorização Funcional Para Uso das Juntas da ATFA – Assistência dos Tuberculosos das Forças Armadas, previam a atribuição de uma desvalorização à tuberculose pulmonar curada. De resto, a respeito das razões que determinam a atribuição de um coeficiente de desvalorização após a cura de uma tuberculose, são bem esclarecedores os primeiros parágrafos da Tabela Para Uso das Juntas da ATFA a que acaba de se fazer referência:
Os tuberculostáticos curam a tuberculose em quase 100% dos casos e com menos sequelas que antigamente (…).
Contudo, investigações têm mostrado que mesmo perante uma regressão radiológica quase total das lesões permanecem frequentemente alterações estruturais parenquimatosas, brônquicas e vasculares que prejudicam a função respiratória e tornam o aparelho respiratório mais sensível às agressões externas. Só ultimamente se tem dado a devida atenção a este problema.
Parece-nos, portanto, que as alterações funcionais não directamente responsáveis da lesão tuberculosa, mas consequentes de lesões remanescentes (nomeadamente alterações brônquicas), devem ser consideradas na desvalorização de um doente que sofreu de tuberculose.

16. A última decisão da Administração Militar respeitante ao assunto foi comunicada à Provedoria de Justiça em 21.07.99, através do v/ofício n.º…, nos termos já referidos. Muito embora, conforme já se fez notar nos números 5 e 7.2 antecedentes, nunca tenha sido facultada à Provedoria de Justiça cópia do acto de indeferimento, que deveria, ao que parece, ter sido proferido pelo General Comandante de Pessoal, conforme referido no v/ofício n.º …, tudo leva a crer que a Administração Militar, face ao pedido de esclarecimentos formulado pela Provedoria de Justiça, reabriu o processo administrativo respectivo, nele tendo acabado por proferir um acto administrativo definitivo e executório, o qual indeferiu, mais uma vez, a pretensão do ex-militar. Outra coisa não pode resultar dos próprios termos do referido ofício n.º …, segundo o qual “foi a questão colocada à apreciação e decisão do General Comandante de Pessoal, entidade com competência delegada para dele conhecer”.

17. Com efeito, como é sabido, e ao contrário do que sucede no âmbito do Processo Civil, o início do procedimento administrativo não depende, exclusivamente, do impulso dos interessados, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 54º do Código do Procedimento Administrativo, normativo que permite o chamado procedimento oficioso ou a auto-iniciativa(1) da Administração. Casos há em que a Administração, por sua iniciativa ou a pedido de terceiros, re(inicia) o procedimento, nele acabando por proferir uma (nova) decisão.

18. No caso em apreço, atendendo ao tipo de esclarecimentos inicialmente solicitados pela Provedoria de Justiça (note-se que o ofício n.º …, a esse Gabinete dirigido em 03.08.98, continha um historial do caso, com expressa indicação da questão fulcral do processo – “determinar se as Juntas Médicas que consideraram o requerente incapaz de todo o serviço em 25.02.66 e 15.11.88 lhe deveriam ou não ter atribuído, simultaneamente, um grau de desvalorização” – e pergunta acerca das medidas que se poderiam “adoptar com vista à reparação da situação”), estranho seria que o Exército não tivesse reaberto o processo, solicitando os pareceres técnicos pertinentes e adoptando as demais medidas úteis e necessárias à instrução do pedido e adopção de uma decisão, como acabou por fazer.

19. Nestes termos, revela-se perfeitamente possível a revogação do acto administrativo respectivo, ao abrigo do disposto no artigo 141.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, se para tanto se considerar a posição maioritária da doutrina e da jurisprudência, segundo a qual o prazo de recurso contencioso a ter em consideração, para o efeito, é o mais alargado previsto na lei – 1 ano, conforme disposto no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho(2).

20. Efectivamente, assim como havia sucedido com o despacho de indeferimento de 13.04.94, nos termos já apontados, também o mais recente indeferimento do pedido formulado pelo ex-militar carece de fundamentação adequada, estando o acto administrativo respectivo inquinado do vício de violação de lei.

21. Na verdade, para além de o lapso de tempo decorrido desde a prática dos factos denunciados não ser motivo impeditivo da apreciação do pedido, também os demais fundamentos invocados no v/ofício n.º … se revelam, com o devido respeito, improcedentes. É que não se vê como foi possível concluir que a desvalorização atribuída ao militar “só se tornou objectiva/evidente quando da sessão de 14NOV90”, tendo em conta “que era prática corrente nas Juntas Médicas da ex-ATFA os militares serem observados pelos membros das Juntas quando isso se tornasse necessário para se decidir entre o proposto e a opinião dos seus membros”. Com o devido respeito, não se alcança o sentido de tal asserção.

22. De resto, ainda que se entenda que não foi proferido qualquer acto administrativo, nos termos supra referidos, não deixaria de ser perfeitamente legítima a revogação do acto praticado pelo Brigadeiro Director de Pessoal em 13.04.94. Já não com fundamento em ilegalidade – atento o decurso do prazo para a impugnação contenciosa do acto -, mas por razões de mérito. Tenha-se em consideração o que, a este respeito, escrevem José Luís Araújo e João Abreu da Costa, em anotação ao artigo 140.º do Código do Procedimento Administrativo – “detectada a oportunidade e a conveniência da revogação e, assim, a inconveniência e a inoportunidade na conservação do acto a revogar, deve a Administração praticar o acto revogatório, em consequência do dever de boa administração” (cfr. Código do Procedimento Administrativo Anotado, Aveiro, 1993, p. 663, sublinhado nosso).

23. Com efeito, conforme resulta da própria lei e como muito bem refere Freitas do Amaral, “entre nós vigora o princípio da revogabilidade dos actos administrativos” (cfr. Direito Administrativo, vol. III, Lisboa, 1989, pp. 363). Princípio que não pode deixar de ser especialmente invocado nos casos, como o presente, em que não foram devidamente acautelados os direitos e interesses legítimos dos particulares.

24. Mais do que possível, a revogação da decisão que indeferiu o pedido de reconhecimento da desvalorização com efeitos reportados à data da primeira Junta da ATFA revela-se incontornável, atento o exposto. Isto porque a situação em que se encontra o ex-soldado S. G. resultou de uma prática ilegal e é manifestamente iníqua, já que se traduz na impossibilidade de lhe ser paga a pensão a que, em circunstâncias normais, teria direito.

25. Efectivamente, ao abrigo dos princípios da justiça e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, aos quais a Administração está, como é sabido, vinculada, não pode a situação do ex-militar deixar de ser revista.

Assim, e em conclusão,
I. A não atribuição de qualquer grau de desvalorização, por parte das juntas médicas a que o interessado foi sujeito, em 25.02.66 e 15.11.88, deveu-se a uma prática ilegal, não obstante ser usual à época e estar perfeitamente identificada;
II. Tal omissão impede o reconhecimento do direito à pensão por parte da Caixa Geral de Aposentações e o consequente processamento da mesma;
III. O indeferimento do requerimento apresentado pelo ex-militar, em 16.07.93, baseou-se numa deficiente interpretação da lei, já que, entre outros aspectos, compete à Administração Militar caracterizar a doença e atribuir-lhe a correspondente desvalorização;
IV. O indeferimento que, mais recentemente, teve lugar, carece, em absoluto, de fundamentação válida, nomeadamente porque o tempo decorrido desde a prática dos actos denunciados não é razão impeditiva da apreciação do pedido;
V. Tanto mais que, segundo parecer técnico agora emitido pela Repartição responsável, o pedido formulado pelo ex-militar deve ser plenamente atendido;
VI. Consubstanciando tal indeferimento um acto administrativo, deve o mesmo ser revogado com base no vício de violação de lei.
VII. Caso se entenda que a última tomada de posição da Administração não configura um acto administrativo, deverá ser revogado o acto praticado em 16.07.93 pelo Brigadeiro Director de Pessoal, já não com fundamento em ilegalidade – atento o decurso do prazo para a impugnação contenciosa do acto – mas por razões de mérito.
VIII. Na verdade, é imperioso, à luz dos princípios da justiça e da protecção dos direitos e dos interesses dos cidadãos, aos quais a Administração está, legalmente, vinculada, rever a situação do ex-soldado, tendo em conta que a mesma decorre de uma prática ilegal e consubstancia uma flagrante injustiça.

Termos em que, RECOMENDO a V. Exa., ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que se digne adoptar as medidas úteis e necessárias à revisão da situação do ex-militar, de forma a considerar-se, como muito bem sugeriu o Chefe da Repartição Técnica de Saúde da Direcção dos Serviços de Saúde do Exército, “que a actual desvalorização de 10% atribuída pela JHI de 14SET90 se reporta a 25FEV66, data em que o requerente foi considerado incapaz de todo o Serviço Militar por Tuberculose Pulmonar adquirida em Serviço”, o que na altura aconteceu “sem atribuição de desvalorização, à revelia da legislação existente à data”.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

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(1) Sobre estes conceitos, v. anotação ao artigo 54.º do Código do Procedimento Administrativo Comentado, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, vol. I, Almedina, 1993, pp. 54 e segs.
(2) V. por todos, com indicação da doutrina, anotação ao artigo 141.º do CPA, em Código do Procedimento Administrativo Anotado, José S. Santos Botelho, Américo J. Pires Esteves e José Cândido de Pinho, Almedina, 1992, pp. 448.

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RESPOSTA DO
MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL
EXÉRCITO PORTUGUÊS
GABINETE DO CEME
SECÇÃO DE ASSUNTOS JURÍDICOS

DATA: 7.Jun.00

Exmo. Senhor Provedor de Justiça

Assunto: PROCESSO POR DOENÇA EM SERVIÇO RELATIVO AO EX-SOLDADO …
– RECOMENDAÇÃO N.º29-A/2000
Ref.: V/ Ofício de 05Abr00

Encarrega-me Sua Excelência o General Chefe do Estado-Maior do Exército de informar V. Exa., nos termos e para os efeitos constantes do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 9/91, de 09 de Abril, qual a posição deste Ramo no que respeita à V/ Recomendação mencionada em epígrafe.

Essa Provedoria de Justiça esclarecia (V/Ofício de … 98) que “não se trata de saber se pode ou não ser atribuída eficácia retroactiva à declaração de incapacidade datada de … 90, mas antes determinar se as Juntas Médicas que consideraram o requerente incapaz de todo o serviço em … 66 e … 88 lhe deveriam ou não ter atribuído, simultaneamente, um grau de desvalorização”.
E isto atendendo ao facto “(..) de todas as Juntas Médicas terem diagnosticado a mesma situação clínica – tuberculose pulmonar clinicamente curada – (..) com diferentes interpretações quanto ao grau de desvalorização/capacidade para o trabalho, tudo leva a crer que a legislação em vigor à data das Juntas Médicas não permitia esta diferença de resultados”.

A Provedoria pretendia, pois, apurar “se o Exército tem por legal e adequada a não atribuição ao ex-soldado … , de qualquer desvalorização pelas Juntas médicas a que foi submetido em …66 e …88 (..) e, em caso negativo, quais as medidas que tenciona adoptar com vista à reparação da situação “.

Por outras palavras: haveria que tomar posição sobre os resultados de actos médicos específicos praticados por juntas médicas da ATFA, ou,mais precisamente, sobre as “diferentes interpretações” quanto ao grau de desvalorização/capacidade para o trabalho feitas por aquelas juntas, perante a mesma qualificação clínica e o mesmo enquadramento legal.

Pelo n/ Ofício de … 99, foi informada a Provedoria de Justiça que “tendo o processo em causa sido analisado pelo órgão actualmente competente em razão da matéria – Cento Militar de Medicina Preventiva – e concluindo-se que a desvalorização atribuída ao militar “só se tornou objectiva/evidente quando da sessão de … 90″, este Ramo não pode nem deve pronunciar-se sobre actos das Juntas Médicas da ex-Assistência aos Tuberculosos das Forças Armadas (ATFA), visto que este organismo não estava inserido na estrutura do Exército (cfr. Decreto-Lei n.º 44 131, de 30.12.61)”.

Em V/ofício de … 99 respondeu essa Provedoria que não era sua pretensão que este Ramo se pronunciasse sobre actos das juntas médicas, “tanto mais que a posição do Exército está suficientemente definida”, mas apenas que fossem enviados “os documentos que considera necessários à adequada ponderação do assunto”.

De facto, tal como prevê o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 44131, de 30 de Dezembro de 1961, competia ao conselho técnico da ATFA actuar como junta nos casos de tuberculose, sendo que, o artigo 2.º do mesmo diploma caracteriza aquela Assistência como “um órgão de planeamento e de execução da assistência sanitária dos Serviços Sociais das Forças Armadas, dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, que visa especificamente efectuar a profilaxia, o tratamento e a recuperação dos militares dos três ramos das forças armadas (…)”.

Assim, entende-se também que o parecer n.º …/94 que fundamentou o despacho de ….94 do Brigadeiro/DAMP que indeferiu o requerimento apresentado pelo ex-militar em … 93, refira a dado momento que “os actos preparatórios consubstanciados na incapacidade/desvalorização atribuída e caracterização do acidente/doença em serviço, são da competência da Instituição Militar”, visto tratar-se de actos médicos praticados por um órgão com personalidade jurídica e autonomia administrativa inserido na estrutura dos Serviços Sociais das Forças Armadas, ou seja, que fazia parte integrante da instituição militar mas não especificamente do Exército como entendeu a Provedoria de Justiça no ponto 10 da presente Recomendação.

Ora, não se tratando de um órgão deste Ramo não tinha, nem tem, o General CEME competência legal para modificar os actos praticados por aquela junta, nomeadamente no que respeita à atribuição de percentagens de desvalorização.

Assim, não dependendo as juntas da ATFA hierarquicamente do Exército nem tendo este Ramo competência legalmente atribuída para modificar os actos praticados por aquela Associação no âmbito da sua competência técnica exclusiva, mantém este Ramo a posição já veiculada à Provedoria e então aceite, de não se pronunciar sobre os actos das juntas médicas da ex-ATFA.

Nesta conformidade, parece importante fazer uma breve referência ao Ofício n.º …, de … 98, da Repartição Técnica de Saúde/DSS, ao qual é dado grande ênfase por essa Provedoria na presente recomendação.

Com efeito, no referido ofício aquela RTS/DSS considera que devem “ser tomadas as medidas consideradas necessárias para repor a justiça devida ao requerente junto da Caixa Geral de Aposentações, nomeadamente com eventual Despacho do Exm.° GEN CEME considerando que a desvalorização de 10% atribuída pela JHI de … 90 se reporta a … 66, data em que o requerente foi considerado incapaz de todo o serviço militar por Tuberculose Pulmonar adquirida em Serviço, sem atribuição de desvalorização (…) “.

Porém, estando em causa a prolação de um acto para o qual o General não dispõe de competência legal, o proposto pela RTS/DSS redundaria na prática de um acto nulo, de acordo com o disposto no artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo.

Pelo acima exposto, é de concluir que não se encontram legalmente atribuídas ao Exército as competências necessárias à apreciação e eventual adopção de “movidas úteis e necessárias à revisão da situação do ex-militar” tal como recomenda a Provedoria de Justiça.

Com os melhores cumprimentos,
O CHEFE DE GABINETE

ALEXANDRE DE SOUSA PINTO
MAJOR-GENERAL