Director do Pessoal da Força Aérea
R-83/99
N.º 75/A/99
1999.11.09
Área:AÇORES

Assunto:FUNÇÃO PÚBLICA – PSP – CHEFE DE ESQUADRA – CURSO DE PROMOÇÃO (EXCLUSÃO) – ACTO ILÍCITO – REVOGAÇÃO – INDEMNIZAÇÃO.

Sequência:Acatada

I-Introdução

A situação laboral do senhor A…., servente na Base Aérea nº 4, na ilha Terceira, Açores, motivou a abertura de processo na Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores.
Relembrem-se os factos relevantes, conforme foram descritos pelo senhor Comandante da Base Aérea nº 4 (vide ofício nº …, dirigido à Direcção de Pessoal):

1.Relativamente ao assunto em epígrafe, informa-se que o funcionário L. A. iniciou o seu vínculo laboral com a Força Aérea em 15MAI79, mediante contrato de trabalho a termo certo, com a categoria profissional de Servente, conforme se comprova pelo documento junto como Anexo A.

2.Ao longo dos anos, foi celebrando novos contratos, sempre a termo certo, embora com diferentes categorias profissionais:
a) Em 25FEV86 e 25AGO86 como pedreiro de 3ª, conforme Anexos B e C;
b) Em 21JUL87, 21JUL88, 01JAN89, 01JUL89 e 01ABR92 como servente de 2ª, conforme Anexos D a H;
c) Em 01JUL95 como pedreiro de 3ª, conforme Anexo I.

3.Pelo fax nº …, foi solicitado a esta Unidade o envio urgente de uma lista com a relação de todo o pessoal que vinha sendo pago com verbas não incluídas no Orçamento Geral do Estado, com o objectivo de regularizar a sua situação ao abrigo do DL 81-A/96, de 21JUN.

4.Em resposta é enviada através da Nota nº …, uma lista com a identificação de todo o pessoal civil cuja situação urgia regularizar (Anexo J), indicando-se a função desempenhada à data e a respectiva remuneração. Na identificação da situação do funcionário L. A. ocorreu um erro material, tendo sido indicada a função de “Servente de 2ª” e a remuneração de “64.500$00”, quando na realidade desempenhava funções de pedreiro de 3ª.

5.Este erro foi resultante de um lapso do responsável pela elaboração da lista, pois a remuneração indicada não corresponde à auferida por um servente de 2ª mas à de um pedreiro de 3ª. Uma análise mais atenta dos dados nela contidos evidencia precisamente este aspecto, porquanto os restantes serventes de 2ª, que, curiosamente, vêm identificados imediatamente a seguir ao funcionário em questão, não auferiam tal remuneração.

6. Erro que, não só não foi detectado nesta Unidade como também não o foi nessa Direcção, apesar de ser evidente a urna análise mais cuidada da lista.

7. Em 22ABR97 foi celebrado um contrato de trabalho a termo cerco, ao abrigo do DL 81-A/96, segundo o qual lhe correspondia a categoria de servente, e a remuneração de 53.900$00, não tendo o funcionário, na sua boa fé, reparado na diferente categoria do seu ordenado, conforme Anexo L.

8. Em 30SET97, é aberto o Concurso Externo de Ingresso para Operário Qualificado de Construção Civil, nº 38/97, tendo a candidatura deste funcionário sido excluída “(…) por falta do requisito especial previsto no nº 6.2 do aviso de abertura do concurso uma vez que a situação foi regularizada, na categoria de servente, e não na de operário de construção civil (…)”, conforme Anexo M.

9.Através da Nota nº…, é comunicado ao funcionário a sua admissão definitiva para o QGPCFA, categoria de servente, de acordo com os resultados do Concurso 45/97.

10. De tudo o que atrás fica exposto, verifica-se que existiu um lapso na elaboração da lista referida em 4., que agora se constata evidente, uma vez que o funcionário surgia referenciado como servente, mas com o escalão remuneratório de pedreiro de 3ª, incorrecção que não foi detectada por nenhum dos órgãos que analisaram a referida lista e trataram a informação nela contida.
Em presença da informação acima transcrita, dignou-se V.Exa. a remeter a este Órgão do Estado o ofício em referência no qual afirmava:

Sobre o pedido de esclarecimento adicional solicitado por V. Exa., através do oficio em referência c), relativamente ao processo de regularização do funcionário mencionado em epígrafe, cumpre-me informar o seguinte:
1. Para efeitos da regularização do pessoal civil da Força Aérea, ao abrigo do Dec.-Lei nº 81-A/96, de 21 JUN e diplomas complementares, foi solicitado, por esta Direcção, às Unidades, informação sobre as funções efectivamente desempenhadas pelos trabalhadores que se encontravam em condições de ser abrangidos pelos citados diplomas.

2. Relativamente ao reclamante L. A., foi esta Direcção informada, pela Base Aérea nº 4 – Açores, de que este vinha desempenhando as funções de servente.

3. Perante a reclamação ora apresentada, foi contactada a Base Aérea nº 4, para se pronunciar sobre o assunto, de que se junta fotocópia.
E concluía que:

4. Em face do conteúdo desta nota, em que se refere ter havido lapso na identificação e caracterização das funções desempenhadas pelo trabalhador em questão, fica esta Direcção a aguardar a recomendação que essa Provedoria de Justiça entenda por bem proferir.
Uma vez que a matéria factual não se apresenta controvertida, a presente recomendação visa, pois, encontrar o meio adequado de solucionar a questão reclamada.

II-Exposição de Motivos

O âmbito de aplicação do Decreto-Lei nº 81-A/96, de 21 de Junho
O regime da regularização de pessoal em situação de emprego precário foi definido nos Decretos-Leis nºs 81-A/96, de 21 de Junho, 103-A/97, de 28 de Abril, e 195/97, de 31 de Julho, e resolução do Conselho de Ministros nº 23-A/97, de 14 de Fevereiro.
O objectivo último daqueles normativos era regularizar, no plano legal e de forma definitiva, as situações dos trabalhadores que, através das mais variadas formas inadequadas, prestavam funções na Administração Pública, satisfazendo necessidades permanentes dos serviços, com subordinação hierárquica e sujeição a horário completo, desde que o trabalhador se encontrasse a prestar actividade em 10 de Janeiro de 1996 ou entre esta data e 26 de Junho do mesmo ano.

O processo de regularização

A regularização das situações de pessoal ao abrigo dos Decretos-Leis nºs 81-A/96, de 21 de Junho, e 195/97, de 31 de Julho, dependia da verificação de seis pressupostos cumulativos (cf. artigo 4º, nº 1, do Decreto-Lei nº 81-A/96):
a)Desempenho de funções correspondentes a necessidades permanentes dos serviços;
b) Existência de subordinação hierárquica;
c) Prática de horário completo;
d) Inexistência de vínculo jurídico adequado;
e) Admissão ocorrida até 26 de Junho de 1996 [alínea b) do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 195/97, de 31 de Julho], salvo no caso de pessoal dispensado antes de 10 de Janeiro de 1996 e posteriormente readmitido através de processo de selecção já em curso nessa data [alínea c) do nº 2 do artigo 2º e parte final do artigo 1º do Decreto-Lei nº 195/97];
f)Posse das habilitações literárias e profissionais exigidas por Lei, salvo o caso das carreiras dos grupos operário e auxiliar, bem como os trabalhadores agrícolas em que se exigisse a escolaridade obrigatória, cujas habitações literárias poderiam ser dispensadas nas respectivas categorias de ingresso (nºs 1 e 3 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 195/97, de 31 de Julho). Se o interessado não possuísse as habilitações literárias ou profissionais exigidas para ingresso na carreira correspondente às funções que vinha desempenhando, deveria ser regularizado em categoria de ingresso de carreira em que se verificasse o preenchimento do requisito habilitacional cujo conteúdo funcional mais se aproximasse daquele que vinha sendo exercido (nº 2 do citado artigo 3º do Decreto-Lei nº 195/97).

Em consequência do erro já referido (vide ofício nº …, dirigido pelo senhor Comandante da Base Aérea nº 4 à Direcção de Pessoal), a situação do interessado foi regularizada na categoria de servente, quando deveria ter sido na categoria de operário.
Caso o interessado possuísse as habilitações literárias ou profissionais exigidas para ingresso na carreira correspondente às funções que vinha desempenhando (pedreiro de 3ª), era nessa carreira que deveria ter sido regularizada a situação. E era, portanto, também essa categoria a que deveria ter correspondido a celebração, ao abrigo do Decreto-Lei nº 81-A/96, de 21 de Junho, do contrato a termo certo.

A admissão do senhor A… ao concurso de ingresso na carreira de pessoal operário qualificado
Uma vez que a sua situação foi regularizada na categoria de servente o interessado não foi admitido ao concurso externo de ingresso para operário qualificado de construção civil, nº 38/97. É deste facto, aliás, que vem feita a reclamação.

Em face do que fica exposto, importa corrigir a situação anómala criada e integrar o trabalhador em causa na carreira de pessoal operário especializado.
O concurso em causa regeu-se pelo disposto no Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 215/95, de 22 de Agosto, como estipulou o artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 195/97, de 31 de Julho.

O acto de exclusão de um concurso é, no que concerne aos candidatos excluídos, um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa; não obstante, no âmbito de um concurso, o despacho homologatório da lista de candidatos admitidos e excluídos configura um acto preparatório do acto final que culmina com a homologação da lista de classificação e ordenamento de todos os candidatos. Só a partir da publicação desta lista é criado, relativamente aos concursados, o direito subjectivo ao provimento, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 1 do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 215/95, de 22 de Agosto).

Na situação de exclusão ilegal de um candidato da lista de admissão, o direito do lesado é o direito à participação no concurso e à apreciação da sua candidatura ao princípio da liberdade de candidatura constante do artigo 5º, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 215/95, de 22 de Agosto.

Por força do regime encadeado das operações concursais, o acto de admissão ou exclusão é o acto antecedente do acto de classificação final dos candidatos; e este é qualificável como acto consequente daquele, no sentido que lhe é dado pela doutrina (vide, por todos, FREITAS DO AMARAL, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, pp. 112 a 116).

Do mesmo modo, o acto de provimento de cada um dos candidatos é o acto consequente do acto de graduação na lista de classificação final, e este consequente do acto de admissão dos candidatos ao concurso.

Nos termos do disposto no artigo 141º do Código do Procedimento Administrativo (adiante, C.P.A.) os actos administrativos só podem se revogados com fundamento na sua invalidade dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.

Desconheço se subsiste a possibilidade de revogação por invalidade da lista de admissão de candidatos, uma vez que não disponho de informações sobre a data de publicação da lista de classificação final. Não tendo sido utilizada a possibilidade de auto-correcção ou revogação oficiosa do acto (artigo 138º do C.P.A.) somente restará a revogação parcial da lista dos candidatos admitidos ao concurso, com efeitos retroactivos, nos termos do disposto no artigo 145º, nº 3 do C.P.A., por forma a integrar o senhor L. A. nessa lista; mas a solução que passa pela revogação por invalidade só é viável, como é bom de ver, no período de validade do concurso.

A revogação do acto de provimento decorrente do concurso 45/97, e a revogação parcial do acto de exclusão do interessado do concurso de ingresso na carreira de pessoal operário qualificado.
Importa, então e desde já, ponderar a hipótese de ter decorrido o prazo de impugnação tanto do acto de nomeação do senhor …. na categoria de servente, como da lista de classificação final do concurso de ingresso na carreira de pessoal operário qualificado um ano, nos termos das disposições conjugados contidas no artigo 141º do C.P.A. e no artigo 28º, nº 1, alínea c), da Lei de Processo.

Nesta situação, estes actos constitutivos de direitos originariamente inválidos – e como tal anuláveis – consolidaram-se na ordem jurídica como actos válidos, como tem vindo a ser entendimento generalizado na doutrina e na jurisprudência administrativas. Temos então que o regime da revogabilidade destes actos passa a ser, como é igualmente opinião constante, o dos actos válidos.

Uma vez que não ocorre nenhuma das excepções previstas no artigo 140º, nº 1, do C.P.A., estes actos administrativos são agora livremente revogáveis. E devê-lo-ão ser atendendo, não só a critérios de justiça material, como a razões de inconveniência e inoportunidade(1).
A solução que preconizo está, pois, viabilizada:
– A revogação do acto de provimento resultante do concurso nº 45/97; e
-A revogação parcial do acto de exclusão do interessado do concurso de ingresso na carreira de pessoal operário qualificado.

Com efeito, no primeiro caso, o acto a revogar consubstancia uma decisão desfavorável ao interessado existindo, nesta situação, consentimento presumido(2). No segundo caso, a revogação parcial deverá necessariamente deixar intacta a posição dos contra-interessados (se os houver) e operará somente na parte desfavorável para o interessado, estando dispensada igualmente a consulta deste(3) .

Acrescidamente, deverá ser atribuída eficácia retroactiva, nos termos do disposto no artigo 128º, nº 2, alínea a), do C.P.A., ao despacho de revogação parcial da decisão de excluir o senhor A… do concurso de ingresso na carreira de pessoal operário qualificado.

III-Conclusões

Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,
RECOMENDO
A. Que seja revogado o acto de provimento resultante do concurso nº 45/97; e
B. Que seja revogado parcialmente, e com efeitos retroactivos, o acto de exclusão do interessado do concurso de ingresso na carreira de pessoal operário qualificado, considerando o senhor A…. como integrado na lista de admitidos.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel

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(1) MARIA MADALENA DIENER DE OLIVEIRA, Revogação no Código do Procedimento administartivo, artigo publicado em Código do Procedimento Administrativo e o Cidadão, Provedoria de Justiça,1993,pp. 130 e 131.
(2) Ibidem,pág.131
(3) Ibidem, pág.132