Ministro da Educação
Processo: R-2706/96
Número: 21/B/96
Data:29.07.1996
Área: A3

Assunto:EDUCAÇÃO E ENSINO – ENSINO SECUNDÁRIO – EXAME NACIONAL – ERRO – ENUNCIADOS – REAPRECIAÇÃO – PROVAS – MEDIDAS CORRECTIVAS – BONIFICAÇÃO – REGIME DE REAPREACIAÇÃO DE PROVAS – ALTERAÇÃO LEGISLATIVA.

Sequência: Parcialmente Acatada

Como é do conhecimento de Vossa Excelência, foram-me presentes várias reclamações a respeito da realização dos exames nacionais do Ensino Secundário.

Quero, em primeiro lugar, salientar e agradecer a forma expedita e exemplar como Vossa Excelência e o Ministério que dirige cumpriram o dever de colaboração para com o Provedor de Justiça, com tradução nos contactos pessoais e telefónicos estabelecidos e na imediata remessa dos elementos necessários à apreciação daquelas queixas. Realço a forma como Vossa Excelência compreendeu que a intervenção do Provedor de Justiça, ao contribuir para corrigir injustiças, está no fundo a auxiliar a legitimação da acção dos poderes públicos, minimizando a conflitualidade, neste caso inerente a processo tão sensível como o do concurso de acesso ao ensino superior público.

Não vou, por ora, mencionar todos os aspectos focados pelos cidadãos que exerceram o seu direito de reclamação junto do Provedor de Justiça. Ainda estando a decorrer procedimentos instrutórios para a apreciação de alguns deles, preferi dirigir-me, desde já, a Vossa Excelência com o fim de comunicar as conclusões que já alcancei a respeito de três das questões colocadas.

I

Em primeiro lugar, quero referir-me aos vários erros e lapsos de vária ordem que se terão verificado nas provas deste ano. Neste particular, devem-se distinguir duas ordens de questões, separando os erros nos enunciados dos lapsos cometidos na sua correcção. Não julgo que seja procedente a invocação do facto de alegadamente sempre se terem cometido erros no passado para justificar ou minimizar os efeitos produzidos pelos erros das provas deste ano. Qualquer erro, ao colocar em causa a aptidão da questão colocada na prova para reflectir o estado de conhecimentos do examinando e, apesar do grande número de provas diferentes envolvido, não se crê tarefa impossível ou, sequer, muito difícil assegurar que, por várias revisões dos textos, sejam efectivamente eliminadas imprecisões ou incorrecções susceptíveis de originarem dificuldades não previstas para os examinandos.

Mal se compreende, pois, que num processo anual não haja ocasião de as entidades responsáveis se assegurarem da inexistência destes erros de escrita ou omissões. A não ser assim, a verificação desses erros durante ou após a realização do exame compromete a sua justiça, tanto em termos absolutos como relativos. Esta injustiça relativa pode ser agravada inclusivamente quando o erro é detectado antes da prova mas após a data limite para que o enunciado da mesma surja sem mácula. Pelo recurso a mecanismos como a distribuição de erratas ou concessão de tolerâncias, estamos a confiar no cumprimento uniforme desses mecanismos por largas centenas de vigilantes em dezenas de centros de exame. Uma falha na distribuição de erratas, como ocorreu este ano, é perfeitamente possível, criando situações de desigualdade.

Atendendo aos erros concretos verificados e à forma encontrada para minimizar os seus efeitos, apesar de não estar convencido ser esta a melhor solução, entendo nada recomendar, tendo em conta a proporcionalidade entre os efeitos dos meios possíveis e aqueles que se querem ver eliminados.

No entanto, não é demais frisar que qualquer incidente do género compromete e põe debaixo de suspeita o processo teórico mais justo de avaliação, tanto mais importante quanto relevante para a seriação e colocação no ensino superior público. De futuro, pois, bom seria a adopção das medidas consideradas necessárias e suficientes para uma eficaz revisão dos enunciados, eliminando a necessidade de qualquer procedimento como as erratas ou tolerâncias adicionais que, por dependente de cumprimento defeituoso por terceiros, pode sempre conduzir a injustiças relativas.

Questão diversa é do alegado erro da prova de Química (código 242), consistente na ausência de menção da constante de Planck nos dados iniciais fornecidos. Ao analisar essas alegações de erro, o Ministério da Educação devia ter, essencialmente, focado a sua atenção na verificação I) da necessidade do conhecimento dessa constante para resolução das várias questões (nomeadamente das n.ºs 1.1 e 1.2) e II) da inexigibilidade ao aluno do conhecimento prévio do valor dessa constante.

Julga-se, pelo que me foi dado apurar, que tal operação não foi devidamente efectuada em nenhuma das suas vertentes. Assim, respondendo a II), recebi informação segundo a qual o valor da constante de Planck é ou deve ser do conhecimento do aluno de Química, pela normalidade e habitualidade do seu uso. Foi-me, inclusivamente, afirmado que se trataria de caso análogo à omissão do valor de p numa prova de Matemática. Ainda que assim não fosse, quanto à necessidade de utilização da constante de Planck foi-me informado que na resolução do problema em que ela devia entrar, por acção da resolução da equação relevante, era possível (aliás, exigível) alcançar-se a solução sem recorrer ao valor numérico da constante em causa.

Ao conceder toda a pontuação das questões em causa a todos os alunos, o Ministério da Educação tratou de maneira igual, no extremo, os alunos que, conhecendo ou não o valor numérico da constante de Planck, resolveram total ou parcialmente os problemas levantados e aqueles outros que nem sequer tentaram iniciar a sua resolução.

Coloco a possibilidade de o Ministério ter pensado na hipótese de os alunos, ao verificarem não constar da lista de dados fornecida a constante de Planck terem pensado na sua desnecessidade ou interiorizado a exigibilidade da sua presença. Julgo que nenhum destes argumentos procede. Como se viu, a constante de Planck é um valor supostamente conhecido de todos os alunos, sendo que, inclusivamente, o seu valor numérico nem seria necessário para a resolução do exame.

Deste modo, não posso deixar de considerar como profundamente injusta a atribuição da cotação total a todos os alunos, quer tivessem resolvido ou não as questões em causa. Lamentavelmente, após tal facto se ter consumado, pouco ou nada se poderá fazer sem agravar a injustiça cometida. Não se podendo pensar na retirada dessa bonificação variável, qualquer mecanismo de compensação para os demais alunos criaria um novo conjunto de problemas e injustiças.
Resta, pois, recomendar que,
de futuro, esse Ministério não ceda à tentação facilitista de concessão de bonificações, sem que se prove, de forma a afastar qualquer dúvida aceitável, a existência de erros impeditivos da resolução de questões de exame ou que a dificulte para além do razoável.

II

O aspecto que terá criado mais polémica no processo de exames em curso foi, sem dúvida, o da atribuição de uma bonificação de dois valores, nos termos do Despacho Normativo 24-D/96, de 13 de Julho.
Independentemente da análise do caso concreto, quero, desde já, mencionar que em anos anteriores sempre critiquei a tendência do Ministério da Educação ou dos outros organismos decisórios em matéria de exames em complexificarem, de modo desnecessário, o mecanismo de atribuição de classificações, seja em resposta a lapsos cometidos nos enunciados, seja para aferirem as classificações obtidas nos vários tipos de exames e chamadas.

As queixas recebidas apontam, para além da eventual arbitrariedade dessa bonificação, no sentido de se estar a violar o princípio da igualdade. Este, na fórmula consabida, manda tratar de forma igual o que é igual e de forma desigual o que é desigual. Pode-se, pois, questionar a justeza desta bonificação em dois níveis, relativamente ao seu método de cálculo e aos seus beneficiários.

Julgo incorrecta a atribuição da mesma bonificação a todos os alunos, indistintamente. Se o padrão inicial das classificações permitia inferir a inaptidão dos exames para revelarem a real valia dos alunos, julga-se que o método indicado seria uma intervenção padronizadora que aproximasse a curva de resultados de uma curva de distribuição normal. Ao atribuir-se o mesmo valor absoluto a quem teve 10 ou 20 valores, está-se a bonificar em 20% ou 10%, respectivamente, cada um destes alunos. Se tal não redunda em ultrapassagem de alunos inicialmente melhor cotados, pode originar maiores injustiças relativas, ao confrontarem-se os alunos bonificados com alunos que não tiveram direito à mesma.

Não nego que em situação análoga, em 1993, critiquei o Ministério da Educação pela utilização de um algoritmo conducente à bonificação quantitativamente selectiva. Acontece que, nesse caso, o que estava errado era o algoritmo utilizado e não o método, sendo certo que, as incorrecções do algoritmo só originavam injustiças em situações algo improváveis.
Conforme parecer que anexo, contendo aliás conclusões também aceites pelo Ministério, a bonificação gera uma situação de desfavor para os alunos da antiga Via de Ensino, com valores entre 0,1 e 0,3. A situação de desfavor será sempre maior para com os alunos que não beneficiaram de qualquer bonificação.

O Ministério da Educação alega que esse desfavor é mais aparente do que real, tendo em conta a maior dificuldade com que se deparam os alunos da Nova Reforma e o facto de os alunos não bonificados obterem as suas classificações em frequência.
Posso concordar com esta asserção, mas o que me merece uma chamada de atenção é o facto de, sem qualquer dúvida, as desigualdades de base mencionadas como fundamentação desta desigualdade de tratamento serem conhecidas, pelo menos desde que se traçou o regime de avaliação dos alunos da Nova Reforma. Estranha-se, pois, a ausência de regulamentação adequada que, “a priori”, permitisse legitimar e tornar mais transparentes quaisquer mecanismos de bonificação que se entendessem por adequados.

Por outro lado, a fundamentação dada para a bonificação (“Considerando os resultados dos exames finais do ensino secundário”), em termos absolutos, bem como em termos relativos, parece não desaparecer neste ano lectivo. Daí a necessidade de se criarem os meios legais e regulamentares necessários à total transparência deste processo, criando vinculações positivas ou negativas para qualquer actuação do género da contida no Despacho Normativo 24-D/96.

Diga-se, também, que se considera o Despacho Normativo 24-D/96 de discutível legalidade. Embora invoque o art.º 10.º, n.º 3, do Decreto-lei 286/89, de 29 de Agosto, como norma habilitadora em termos de competência objectiva e subjectiva, é incerta a sua natureza regulamentar, pela não generalidade na determinação dos destinatários. Embora se apresente como norma transitória, excepcional face ao contido no Despacho Normativo 338/93, de 21 de Outubro, o facto de se terem elaborado estas “normas” quando os seus destinatários já eram todos conhecidos torna suspeita a sua integração no conceito de “regulamentação”. A sua eventual retroactividade, não afastada pelo disposto no seu n.º 4, coloca dúvidas adicionais quanto à sua legalidade.

Julgo que a maior parte das reclamações por mim recebidas, quanto à atribuição desta bonificação, terá resultado da má interpretação feita por algumas escolas do Despacho Normativo em causa, estando virtualmente resolvida com a distribuição do ofício-circular 224, de 17 de Julho p. p., do Departamento do Ensino Secundário.

Quanto às questões relacionadas com a desigualdade entre alunos da Nova Reforma e os da Via de Ensino, bem como entre estas duas categorias, bonificadas, e as demais que não recebem bonificação, aceitando a explicação teórica dada pelo Ministério para não se estender a bonificação a notas obtidas em frequência, persiste a suspeita, criada, a meu ver, essencialmente pela intempestividade da medida tomada, “a posterior” quando devia ter sido prevista, como modelo, “a priori”.

Qualquer solução adoptada agora arrisca-se a tornar mais opaco e complexo o processo de candidatura deste ano. Tendo em conta a proporcionalidade entre os prejuízos eventualmente causados pelo Despacho Normativo 24-D/96 (ou, admitindo-se mesmo a posição do Ministério como correcta, a sua tardia concepção e publicação) e os prejuízos reais decorrentes da única solução que, efectivamente, podia resolver o problema, isto é, o adiamento do processo de candidatura ao ensino superior público, não querendo assumir responsabilidades políticas que me não cabem e que extravasam da posição constitucional do Provedor de Justiça, penso nada mais me restar excepto lamentar o sucedido, chamando a especial atenção de Vossa Excelência para a necessidade de se tomarem, desde já, medidas adequadas à prevenção de ocorrências análogas em processos de avaliação futuros.

III

Por último, cumpre que me refira a várias queixas recebidas, relacionadas com a não aceitação por várias escolas de alegações produzidas para efeito de reapreciação de provas.
As garantias do sistema de reapreciação de provas têm sofrido, nos últimos 3 anos, melhorias consideráveis. Referindo-me indistintamente às provas de aferição, específicas e, agora, aos exames finais, escuso-me a relembrar de modo mais completo o modo como, após várias intervenções minhas, se conseguiu que os alunos tivessem acesso aos seus exames, para efeito de recurso.

Ultrapassada embora essa questão, é relevante lembrar que, principalmente após 1994, os alunos tinham acesso aos exames e podiam (“rectius” deviam; cf., entre outros, o Despacho 7-A/SERE/90, de 7 de Março, n.º 55) produzir alegações a fundamentar os seus recursos. Isto, note-se, quando o recurso era apenas possível quanto ao que se pode apelidar de questões formais, sendo vedada a reapreciação da prova em si mesma.

Se a situação era esta quando só se podiam verificar erros formais, impõe-se a existência de um sistema pelo menos igual quando em causa está a apreciação de eventuais erros de fundo.
Veja-se, no caso concreto deste ano, um aluno de Química que tenha verificado não ter sido cumprida, na primeira correcção, a instrução dada para atribuição de cotação total à questão em que supostamente se entraria em linha de conta com a constante de Planck. O aluno podia estar conformado com a correcção do resto do exame, mas o facto de não poder apresentar alegações fa-lo-á correr o risco de, em sede de reapreciação da prova, ver os novos correctores cometerem o mesmo erro, para o qual não foram especificamente alertados, eventualmente baixando as classificações parcelares atribuídas previamente a outras questões. Assim, o aluno corre um risco agravado de, não lhe sendo corrigido um erro de fácil reparação, ver a sua classificação descer por reapreciação de classificações que não contesta.

O Despacho Normativo 55/95, de 19 de Setembro, alterado pelo Despacho Normativo 20/96, de 21 de Maio, prescreve algumas regras sobre reapreciação, sendo omisso quanto à possibilidade de alegações pelos recorrentes. Na execução do n.º 5.3 do Despacho 112/ME/96, de 7 de Junho, o Júri nacional de exames do ensino secundário aprovou umas “Instruções para as reapreciações”, também omissas quanto a este aspecto, não sendo possível subsumir ao requerimento de reapreciação a possibilidade de alegar quaisquer fundamentos pelos quais se recorre da classificação.

Mais do que esta omissão, que me parece condenável, o que me leva a concordar com as reclamações que me foram dirigidas a este respeito é a informação segundo a qual algumas escolas, atendendo à prática anterior e às dúvidas levantadas na interpretação daquele Despacho Normativo e instruções complementares, aceitaram a entrega de alegações de recurso, assim criando situações de desigualdade com os alunos que realizaram exames noutras escolas.

Parece-me improcedente a objecção feita pelo Ministério da Educação, segundo a qual a apresentação de alegações coloca em causa o anonimato das provas. Note-se que tal desiderato, sempre existente quanto às provas, nunca foi posto em causa com a apresentação de alegações. De qualquer modo, sempre se dirá que a imposição da necessidade de essas alegações não conterem alusões à identidade dos recorrentes ou a utilização de impressos próprios que permitissem a preservação desse anonimato, seriam meios idóneos para evitar situações indesejadas, sem quebra de um efectivo direito a reapreciação.

De qualquer modo, é inadmissível a situação de desigualdade criada pela aceitação de alegações em algumas escolas, ainda que, eventualmente, as mesmas não tenham sido consideradas por quem reapreciou as provas. Por esta razão, sem prejuízo da adopção de soluções para o futuro, é bom que encontremos meios de resolver o que for possível nas situações já criadas.

Nestes termos, ao abrigo do art.º 20.º, n.º 1, a) e b), da Lei 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO que:

1. sem prejuízo de análise, aos vários níveis, das causas que motivaram a ocorrência de erros ou lapsos nas provas, sejam adoptados os procedimentos necessários a que as provas futuras, a começar pelas da 2.ª fase a realizar em Setembro p. f., não enfermem desses vícios;

2. se, apesar da observância do recomendado em 1., vierem a ser alegados erros na feitura do enunciado, sejam aplicados os mecanismos necessários à verificação efectiva da existência de lapsos que dificultem de forma inadmissível ou impossibilitem a resolução da prova, só assim se justificando a adopção de medidas correctivas como a da atribuição de cotação total às questões afectadas;

3. seja emitida, tão rápido quanto possível, uma regulamentação que contemple os mecanismos que permitam, caso se mostre necessário, corrigir desigualdades resultantes das várias vias que permitem a conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior público, ou eliminar, por padronização, as desigualdades resultantes das especificidades de cada exame;

4. seja alterado o regime da reapreciação de provas, prevendo agora a possibilidade ou obrigatoriedade de serem entregues as alegações necessárias à fundamentação do recurso;

5. seja aberto, tão rápido quanto possível, um novo prazo para apresentação de alegações de recurso, com posterior reapreciação das provas à sua luz, sem necessidade de novo depósito para quem o tenha já feito.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel