Ministro das Finanças

Rec. nº 171A/94
Processo 799/94
Data: 1994-11-25
Área: A3

ASSUNTO: SEGURANÇA SOCIAL

Sequência: Não Acatada

1. Foi-me dirigida uma reclamação onde se denuncia a discriminação resultante de a Lei nº 1/89, de 31.1. (e respectivo diploma regulamentar – D.R. 25/90, de 9.8) não abranger os cidadãos integrados no esquema de protecção social dos servidores do Estado, restringindo o seu âmbito de aplicação aos beneficiários do regime geral de segurança social.

2. Aquele diploma consagra, com efeito, subsïdios e garantias a conceder aos cidadãos que sofram de paramiloidose familiar “no âmbito do regime geral de segurança social”.

3. Questionada a posição desse Ministério sobre o assunto e, nomeadamente, se estão em curso medidas tendentes a reparar a enunciada injustiça, foi remetido à Provedoria de Justiça, por Sua Excelência o Secretário de Estado do Orçamento, o parecer da Caixa Geral de Aposentações sobre o assunto, datado de 24 de Agosto último.

4. Entende a Caixa Geral de Aposentações, em síntese, que naquele diploma não está contida qualquer restrição quanto ao âmbito pessoal de aplicação: todos os cidadãos portugueses, mesmo os subscritores da Caixa Geral de Aposentações, têm direito aos benefícios ali previstos, desde que reúnam os restantes requisitos, nomeadamente quanto à invalidez de que são vítimas. A Lei apenas determina que a entidade processadora dos subsídios em causa é a “Segurança Social”.

5. Por essa razão – conclui-se no aludido parecer – deverá o Decreto Regulamentar nº 25/90, de 9.8. (na parte em que delimita o respectivo âmbito de aplicação às pessoas enquadradas nos regimes contributivo e não contributivo de segurança social) ser interpretado “em conformidade à lei”, subsumindo os subscritores da Caixa Geral de Aposentações ao conceito de “beneficiários do regime não contributivo”.

6. Não posso deixar de manifestar a minha discordãncia relativamente à interpretação formulada no referido parecer quanto ao âmbito de aplicação da Lei 1/89, bem como do respectivo diploma regulamentar.

6.1. Em primeiro lugar, a tese defendida não tem um mínimo de correspondência com a letra da lei.

Expressões como “regime geral de Segurança Social” e “regime contributivo”, têm um significado específico na legislação de segurança social (cfr. arts. 18º e 28º Lei de Bases da Segurança Social – Lei nº 28/84, de 14 de Agosto) pelo que a sua interpretação de modo a abranger os funcionários públicos desvirtua, integralmente, o respectivo sentido literal.

Atente-se, a propósito, no disposto no art. 70º nº 1 da mencionada Lei de Bases: “Os regimes de protecção social da função pública mantêm-se até serem integrados com o regime geral de segurança social num regime unitário”. Ora, presumindo que o legislador se exprimiu de modo lógico e coerente, é forçoso concluir que ao dispôr que certos benefícios serão atribuídos no âmbito do regime geral de segurança social está, necessariamente, a excluir os funcionários públicos, pelo menos até que aquela integração se concretize.

6.2. Por outro lado, defender a posição supra descrita em 3. e 4. é aceitar que a lei determine a atribuição de uma prestação de segurança social por uma entidade diferente daquela que recebeu as contribuições do beneficiário dessa prestação.

E não subsiste nenhuma razão válida para tal regime anómalo. Não se compreende, na verdade, que motivo levaria o legislador a permitir um tal locupletamento à Caixa Geral de Aposentações, com o correspondente prejuízo para as instituições de Segurança Social.

7. Em sentido idêntico se pronunciou, aliás, a Direcção-Geral de Regimes de Segurança Social, uma vez confrontada com o parecer da Caixa Geral de aposentações (ofício dirigido à Provedoria de Justiça nº …, de 3.11.94):

“( …) Aliás, não faria sentido que, havendo legislação e instituições específicas para o enquadramento dos funcionários públicos no que respeita à protecção na invalidez e na velhice, esta situação fosse objecto de alteração pelo facto de se tratar de subscritores portadores de paramiloidose familiar.

Isto é, não se compreenderia que enquanto o funcionário estivesse a exercer actividade pagasse as quotizações para a Caixa Geral de Aposentações e depois, verificada a invalidez por paramiloidose, beneficiasse das prestações do regime geral de segurança social ao qual nunca esteve vinculado.

Se é certo que a Lei não se encontra redigida de modo isento de dúvidas, não o é menos e a doutrina vem-no-lo ensinando, que a interpretação tem de ser feita partindo do princípio que o legislador é inteligente, esclarecido e justo.

Assim sendo, a satisfação daquilo que parece ser o objectivo do legislador – dar a todas as pessoas que sofram de paramiloidose uma especial protecção – passa, no nosso ponto de vista, pela aprovação de legislação adequada em cada sistema de protecção social no âmbito da respectiva pensão de invalidez”.

8. Do exposto se conclui que a pensão prevista na Lei nº 1/89 só pode ser concedida no âmbito dos regimes de segurança social e, portanto, aos respectivos beneficiários. Deste modo, os cidadãos abrangidos pelo sistema de protecção social dos funcionários públicos que sofrem de paramiloidose familiar encontram-se privados daqueles benefícios.

9. Não se vislumbra, contudo, qualquer razão válida para a diferença de tratamento detectada.

Com efeito, uma vez que o regime especial de protecção consagrado na Lei 1/89 se fundamenta, primacialmente, nas características específicas da afecção em causa, a qual “pela sua gravidade e evolução, dá origem, por vezes com acentuada rapidez, a situações extremamente invalidantes, em escalões etários ainda baixos” (cfr. o preâmbulo do diploma regulamentar) a diferenciação com base no carácter público ou privado das respectivas funções afigura-se injusta e injustificada.

10. Estamos nitidamente perante um caso de tratamento desigual de situações idênticas, em claro desrespeito do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição da República Portuguesa e que urge corrigir mediante a publicação de diploma legislativo que atribua benefícios paralelos aos previstos na Lei nº 1/89 às pessoas integradas na protecção social dos servidores do Estado.

Em face do exposto, tenho por bem formular a presente

Recomendação

no sentido de serem consagradas normas legislativas que prevejam a atribuição de benefícios aos servidores do Estado que sofram de paramiloidose (PAF) idênticos ou paralelos aos previstos na Lei nº 1/89, de 31.1.

Do despacho que recair sobre a presente Recomendação agradeço que me seja dado conhecimento.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel