RECOMENDAÇÃO N.º 3/A/2006
[art. 20º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Lagos
Proc.º: R-4418/05
Data: 29-05-2006
Área: A2


Assunto: Restituição de cauções prestadas no âmbito de contratos de fornecimento de água – Decreto-Lei n.º 195/99, de 8 de Junho. 


I
– Enunciado –


1. Como é do conhecimento dessa autarquia, o Senhor A. dirigiu-me uma exposição que tinha por objecto a recusa na restituição de caução prestada para efeitos de acesso ao serviço público de fornecimento de água, requerida à luz do Decreto-Lei n.º 195/99, de 8 de Junho.



2. Alegava o queixoso que, tendo solicitado a devolução da caução prestada no âmbito do contrato de fornecimento de água, vira a sua pretensão indeferida pela Câmara Municipal de Lagos, que justificara a posição tomada no facto de aquele não ter atendido ao conteúdo de um aviso de restituição de cauções remetido no final de 1999 e de, uma vez decorrido o prazo previsto no n.º 1 do art.º 6.º do referido Decreto-Lei n.º 195/99, o valor em causa ter sido já transferido para as contas orçamentais da autarquia.



3. Solicitado a pronunciar-se relativamente à actuação questionada, esse município esclareceu que:




a) Por deliberação de 18 de Agosto de 1999, decidira deixar de exigir a prestação de caução nos contratos de fornecimento de água, bem como restituir as cauções anteriormente prestadas pelos consumidores;



b) A referida deliberação havia sido tomada na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 195/99, diploma que introduzira um novo regime para a prestação de caução nos contratos de fornecimento dos serviços públicos essenciais mencionados no n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho;



c) O procedimento de devolução adoptado pela Câmara Municipal de Lagos envolvera o envio de um aviso aos consumidores, por forma a informá-los de que se iria proceder à restituição das cauções, em função dos elementos constantes no arquivo e, na falta destes, do comprovativo da sua prestação;



d) Todos os pedidos de restituição de caução apresentados até ao final de 2003 haviam sido satisfeitos pelo município;



e) Através da Informação n.º 189-DAG/04, de 18 de Maio de 2004, o Departamento de Administração Geral considerara que, tendo já prescrito o prazo para a movimentação de tal valor, o montante de cauções existente na conta extra-orçamental (114.168,79 €) podia ser levantado e posteriormente aplicado nas contas orçamentais da autarquia;



f) A operação descrita veio a ser aprovada em reunião de câmara realizada no dia 19 de Maio de 2004;



g) Em seu entender, o período de um ano referido no n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 195/99, configurava um prazo prescritivo, para efeitos de devolução das cauções;



h) Outros pedidos da mesma natureza tinham sido indeferidos pela autarquia com este fundamento.


4. Em face dos elementos reunidos no decurso da instrução do processo e ponderada a posição jurídica que subjaz à deliberação tomada pela Câmara Municipal de Lagos em 19 de Maio de 2004, cumpre-me chamar a atenção de V. Exa. para o que passo a expor.


II
– Apreciação –



5. Tendo sido constatado que a exigência de caução para acesso aos serviços públicos essenciais mencionados no n.º 2 do art.º 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho – fornecimento de água, electricidade, gás e serviço telefónico – vinha sendo desvirtuada pelos operadores, que, não raras vezes, não accionavam o respectivo valor em caso de incumprimento por parte do consumidor, foi tal prática regulada por via do Decreto-Lei n.º 195/99.



6. Deste modo, e com excepção para a situação prevista no n.º 1 do seu art.º 2.º – restabelecimento de fornecimento na sequência de interrupção decorrente de incumprimento contratual imputável ao consumidor – foi proibida a exigência da prestação de caução para garantir o cumprimento de obrigações decorrentes do fornecimento dos elencados serviços públicos essenciais, bem como determinada a devolução das cauções prestadas pelos consumidores até à data da entrada em vigor daquele diploma (cfr. art.º 1.º, n.º 1, e artigo 6.º, n.º 1, respectivamente).



7. Ainda de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 6.º e no n.º 2 do art.º 7.º, a restituição das cauções aos consumidores ou aos seus herdeiros far-se-ia de acordo com plano a estabelecer até sessenta dias após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 195/99, cujo prazo de execução não poderia, contudo, exceder um ano.



8. Queria isto significar, tão só, que entre o início e o termo do plano que viesse a ser implementado pela autarquia para restituição aos consumidores das cauções prestadas não poderia decorrer mais de um ano.



9. Na verdade, atentas as motivações e preocupações explanadas pelo legislador no preâmbulo do diploma em causa, não podia a fixação de um prazo para conclusão do procedimento de devolução ter outro significado que não fosse o de impedir que o utente ficasse ad aeternum a aguardar pela concretização da restituição legalmente determinada.



10. Considerar, pois, como o fez essa autarquia, que o decurso do intervalo de tempo estabelecido no n.º 1 do artigo 6.º operou a prescrição do direito de devolução de tal quantia é entendimento que não encontra na lei um mínimo de correspondência e que não pode mesmo deixar de causar a maior perplexidade.



11. É que, ao invés de assegurar a devolução das cauções prestadas por um significativo número de consumidores – o valor existente nas contas extra-orçamentais da autarquia em 18 de Maio de 2004 assim faz crer – considerou a Câmara Municipal de Lagos que, uma vez ultrapassado aquele prazo, nada mais seria de restituir.



12. Ora, constituindo a caução o meio pelo qual o consumidor assegura ou garante o cumprimento das respectivas obrigações contratuais, é dever do prestador de serviço proceder sempre à respectiva devolução, o que por regra ocorre após a cessação do contrato, com dedução dos montantes que nesse momento se mostrem em dívida.



13. Tal explica, aliás, que na contabilidade das autarquias locais as cauções prestadas integrem as operações extra-orçamentais, não sendo susceptíveis de constituir receitas orçamentais de que aquelas possam lançar mão para suportar as suas despesas, correntes ou de capital.



14. Muito se estranha, pois, que esse órgão haja deliberado transferir um tal valor para as contas orçamentais da autarquia, quando é certo que tal decisão vai precisamente contra o pretendido pelo legislador, que é impedir o financiamento do prestador do serviço de fornecimento de água por via das cauções exigidas aos consumidores.



15. Dir-se-á, em suma, que à autarquia cabe restituir as cauções prestadas pelos consumidores nos termos do n.º 1 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 195/99, não podendo o decurso do lapso de tempo ali fixado para efeitos de conclusão do plano de devolução ter o significado que lhe veio a ser atribuído e que fundamentou o indeferimento da pretensão deduzida no caso concreto.



16. Já no que se refere ao facto de o queixoso não ter considerado o aviso que lhe terá sido enviado pelos Serviços no final de 1999, verificando que nele se não impunha qualquer tipo de iniciativa aos visados, que apenas eram informados de que a Câmara Municipal iria proceder à devolução das cauções, em função dos elementos constantes no arquivo e, na sua falta, do comprovativo da sua prestação, não se vê em que medida a sua não observância poderia também justificar a rejeição do pedido formulado.



Pelas motivações expostas, e no exercício dos poderes que me são conferidos pelo art.º 20.º, n.º 1 alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a V. Exa., Senhor Presidente, que:







a) no mais breve espaço de tempo, desencadeie as necessárias providências e medidas administrativas conducentes à restituição das cauções que, com excepção para as situações a que se refere o n.º 1 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 195/99, de 8 de Junho, hajam sido prestadas no âmbito dos contratos de fornecimento de água celebrados pela Câmara Municipal de Lagos;



b) nos casos em que se verifique que os contratos ainda se encontram em vigor e o consumidor é o mesmo relativamente ao qual é devida a restituição da caução, pondere sobre a possibilidade de a restituição das cauções se efectuar por compensação, total ou parcial, de débitos relativos ao fornecimento de água, conforme consagrado no n.º 3 do art.º 6.º do mesmo diploma;



c) providencie por forma que os consumidores envolvidos sejam oportunamente informados dos procedimentos de devolução que venham a ser adoptados pela autarquia.



Dignar-se-á V. Exa., em cumprimento do dever consagrado no art.º 38.º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela citada Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, informar da sequência que o assunto venha a merecer.



O PROVEDOR DE JUSTIÇA
H. Nascimento Rodrigues