RECOMENDAÇÃO N.º 16/A/2001
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso
Nossa Ref.ª – Proc.º: R-1325/96
Data: 2001/10/12


Assunto: Oposição de moradores ao licenciamento de um estabelecimento de bebidas por invocação do direito a um ambiente sadio


 


I – Enunciado


1. Moradores identificados, do lugar de Tarrio, Santa Cristina do Couto, solicitaram, de novo, a intercessão deste Órgão do Estado junto da Câmara Municipal de Santo Tirso, a respeito do estabelecimento de bebidas sito à Rua Formosa, explorado por Gestimpro, Gestão Hoteleira, Lda., por emitir ruído superior ao que poderia tolerar-se na área maioritariamente residencial.


2. Renovam os reclamantes a alegação das lesões que o anterior funcionamento do estabelecimento, não licenciado, acarretara para a tranquilidade pública, o que viria a fundar ordem de encerramento proferida pela autoridade policial e, consequentemente, o arquivamento do processo da Provedoria de Justiça.


3. Por parte da Câmara Municipal foi esclarecido mostrar-se a actividade compatível com a área habitacional, obedecendo o processo de licenciamento à tramitação definida nos diplomas legais aplicáveis.


4. Mas, inquirido V.Exa., em concreto, sobre as condições de isolamento acústico do estabelecimento, veio a informar que o requerente não apresentara qualquer projecto de insonorização do local destinado ao estabelecimento, nem, tão pouco, fora promovida qualquer acção de fiscalização do cumprimento dos requisitos legalmente fixados ao exercício de actividades ruidosas no âmbito do processo de licenciamento da utilização.


5. Esclareceu V.Exa. não dispor a Câmara Municipal dos meios técnicos para realização de ensaios acústicos, sem prejuízo da sua ulterior realização por parte da Direcção Regional do Ambiente, na eventualidade de reclamação por excesso de ruído (cfr. vossos ofícios nºs 2431 e 8762, respectivamente de 7/2/2000 e 4/5/2000).


6. Subsequentemente foi V.Exa. questionado sobre as razões da não adopção, no âmbito do processo de licenciamento da utilização, de procedimentos com vista à avaliação do impacto sonoro da actividade, tendo em conta o prescrito no art. 10º do Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Julho.


7. Retorquiria V.Exa., através da comunicação de 12/06/2000, o seguinte:








«O artigo 3º do citado Regulamento “prevê que todos os processos de autorização ou licenciamento contenham uma parte específica sobre a análise do cumprimento do presente regulamento. A aplicação generalizada desta disposição revelou-se desde logo impraticável atendendo a que não existiam, nem existem ainda, condições técnicas e económicas para determinação do nível sonoro do ruído ambiente, dado que tal implica a utilização de equipamento extremamente caro e a especialização de técnicos para a sua utilização.


Por outro lado, a Portaria nº 1115-B/94 de 15/12 que define os elementos obrigatórios para a instrução dos processos de obras particulares, sendo posterior ao DL 251/87 de 24/06, não prevê a apresentação de projecto ou estudo que analise ou especifique o cumprimento do regulamento em causa, tendo em conta que não é matéria que se possa considerar incluída nos projectos referidos naquela portaria.


Por outro lado, da leitura do regulamento não se pode concluir que compete à Câmara Municipal exigir, apreciar ou fiscalizar o seu cumprimento.


No entanto cremos que fica sempre salvaguardado o interesse público no cumprimento deste regulamento, através das disposições constantes do art. 20º” (cfr. ofício nº 11325).»



8. Por fim, foi V.Exa. inquirido sobre se pondera recorrer aos serviços de entidades devidamente credenciadas para realização de ensaios técnicos, na falta de meios que habilitem a avaliação do impacto sonoro da actividade pelos serviços camarários. Sobreveio informação, nos termos da qual, a colaboração dos serviços regionais do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território apenas será solicitada a posteriori, na eventualidade de serem detectadas situações que suscitem dúvidas quanto ao cumprimento do Regulamento Geral sobre o Ruído (of. nº 19991, de 25/10/2000).


II – Apreciação


Apreciado o teor dos esclarecimentos prestados e cumprido, assim, o dever de prévia audição da entidade visada (art. 34º do Estatuto do Provedor de Justiça), pondero o seguinte:








1. Compete às câmaras municipais o licenciamento da instalação de estabelecimentos de restauração e de bebidas e da respectiva exploração ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho.


2. Nesta medida, cumpre às câmaras municipais apreciar as reclamações formuladas pelos moradores que se oponham à abertura ou reabertura de estabelecimentos com fundamento na ausência de requisitos técnicos idóneos ao uso projectado.


3. Enquanto entidades licenciadoras, dispõem a câmaras municipais de superintendência técnica sobre os estabelecimentos de restauração e bebidas porquanto, sem embargo da intervenção de entidades exteriores ao município, cabe, em exclusivo, às câmaras municipais verificar o cumprimento da generalidade dos requisitos técnicos sem o que não poderão deferir o licenciamento da sua utilização.


4. Ora, na vigência do Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho, o legislador atribuía poderes de fiscalização do cumprimento do regime fixado no Regulamento Geral sobre o Ruído “às entidades com superintendência técnica em cada sector“, poderes esses que compreendiam a realização das vistorias e ensaios considerados pertinentes pela entidade fiscalizadora (cfr. art. 33º do Regulamento Geral sobre o Ruído).


5. Em face do exposto, não suscitaria dúvidas fundadas a aplicação do disposto nos arts. 3º e 10º do Regulamento Geral sobre o Ruído, que dispunham a necessidade de avaliação das incidências da actividade projectada no domínio acústico, em momento anterior ao do licenciamento da instalação ou da utilização.


6. Assim, e tendo ainda em conta as conclusões da fiscalização policial exercida, relativamente ao anterior período de funcionamento do estabelecimento, e em face da oposição manifestada pelos moradores ao reinício da exploração, sempre cumpriria à câmara municipal, mau grado a insuficiência de meios técnicos, providenciar pelo cumprimento do prescrito nos arts. 3º e 10º do Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº 251/87, de 24 de Junho.


7. Na falta de apresentação, pelo requerente, de prova da adequação das condições de insonorização, deveria a Câmara Municipal providenciar por verificar a conformidade com os requisitos legalmente impostos à prática das actividades ruidosas, com recurso, se necessário, ao apoio técnico de entidades de reconhecida competência (v. art. 34º do Regulamento Geral sobre o Ruído).


8. Tal iniciativa foi confiada à entidade licenciadora da actividade, independentemente do exercício do direito de queixa. De outro modo, não fica minimamente assegurada a finalidade do controlo que às Câmaras Municipais cumpre efectuar sobre a actividade projectada, no que toca à avaliação dos riscos que o seu exercício importa para a regular prossecução do interesse público e para os direitos de terceiros. Isto, porque a apreciação camarária, na medida em que prescinde da avaliação do impacto sonoro da actividade, relega a prevenção dos riscos para a manutenção da tranquilidade pública e para o sossego e repouso dos moradores vizinhos.


9. Releva substancialmente o princípio da prevenção do dano ambiental (art. 66º, nº2, alínea a), da Constituição), que privilegia a actuação preventiva dos efeitos ambientais negativos (1).


10. Importa ainda atender à superveniente publicação do novo regime legal sobre a poluição sonora, aprovado pelo Decreto-Lei nº 292/2000, de 14 de Novembro, cuja vigência se iniciou em 14.05.2001 (cfr. art.6º do citado diploma).


Em particular, merece reflexão a instituição de mecanismos de controlo preventivo, através do ónus de apresentação de elementos justificativos da conformidade com as exigências regulamentares sobre poluição sonora, no âmbito dos procedimentos de licenciamento de obras de construção civil e de utilização (art.5º ns. 3, 4 e 10 do anexo aprovado pelo Decreto-Lei nº 292/2000, de 14 de Novembro).


11. Observo que o legislador comina com a nulidade os actos de licenciamento de actividades ruidosas, praticados na vigência do novo regime, quando não sejam precedidos da certificação do cumprimento do regime jurídico sobre poluição sonora (cfr. art. 5º, nº12 do mencionado diploma).


12. O pedido de licenciamento da utilização reclamada foi apresentado na vigência do anterior Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº251/87, de 24 de Junho. Todavia, por não se encontrar concluído o processo de licenciamento, à data em que o Decreto-Lei nº292/20000, de 14 de Novembro iniciou vigência, cumpre à Câmara Municipal ponderar a aplicação do novo regime, e, em especial, das normas que estatuem a necessidade de o licenciamento ser precedido da certificação da conformidade da actividade com os requisitos acústicos, por meio da realização de ensaios, inspecção ou vistoria (v.art.5º, nº 10 do anexo ao Decreto-Lei nº292/2000).


13. Por outras palavras, se é certo que já resultava da lei anterior o dever de acautelar os inconvenientes acústicos em momento anterior ao do licenciamento, mais claro se tornou este dever em face do novo regime legal, o que bem se compreende à luz do princípio da prevenção anteriormente citado.



III – Conclusões


De acordo com as motivações expostas, devo exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no art. 20º, nº1, alínea a), da Lei nº9/91, de 9 de Abril, e, como tal, Recomendar a V.Exa o seguinte:








1 – Não deverá ser deferido o licenciamento da utilização do estabelecimento de bebidas reclamado sem precedentemente ser ponderado, de modo objectivo, o impacto sonoro da exploração do estabelecimento do bebidas reclamado, localizado em área habitacional e com antecedentes de incomodidade, cujo projecto se encontra em apreciação para licenciamento municipal da reabertura, solicitando a realização dos pertinentes ensaios a entidade devidamente acreditada no domínio do ruído.


2 – Isto, sem prejuízo de o Município de Santo Tirso ponderar, através dos seus órgãos próprios, a aquisição de sonómetro e a formação de pessoal, sem o que não poderá com autonomia prosseguir o regular desempenho das atribuições do Poder Local em matéria de protecção contra o ruído.



Solicita-se ainda a atenção para o pronto cumprimento do dever de me transmitir a posição assumida no prazo de sessenta dias (art. 38º, nº2, do Estatuto aprovado pela Lei nº9/91, de 9 de Abril).


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues


 


 


Nota de rodapé:


(1) “O nº 2, articulado com outros preceitos constitucionais (cfr.arts.9º/e, 81º/a e n, 91º e 96º/d), sugere os princípios fundamentais de uma política de ambiente, que são, fundamentalmente, os seguintes: (a) princípio da prevenção, segundo o qual as acções incidentes sobre o meio ambiente devem evitar sobretudo a criação de poluições e perturbações na origem e não apenas combater posteriormente os seus efeitos, sendo melhor prevenir a degradação ambiental do que remediá-la a posteriori (cfr. nº2/a, c e d)”, cfr.J.J.GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA,Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, 1993, p.348, ponto III.
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