RECOMENDAÇÃO N.º 10/A/ 2006
(Art.º 20.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)
(1)



Entidade visada: Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Proc.º: R-4666/04
Data: 21-09-2006


Assunto: Reclamação apresentada pelo Senhor A.. Registo de domínio www.flores.pt.



I
– Enunciado –


1. Apresentou o Reclamante supra identificado uma queixa ao Provedor de Justiça, relacionada com a (in)admissibilidade do nome de domínio www.flores.pt, que considera ser violador das regras administrativas e técnicas constantes do Regulamento do Serviço de Registo de Domínios em Portugal, vigente à data em que foi formulado o pedido de registo desse domínio.



2. Como decorre da norma 2.3.2.4, alínea c do Regulamento de 2003 (2), o nome do domínio não pode “(…) conter expressões totalmente desprovidas de característica distintiva ou exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção de produtos ou serviços, ou outras características dos mesmos (…)”, à semelhança de idêntica proibição que consta do art.º 223.º, n.º 1, alínea c do Código da Propriedade Industrial.



3. Também o Regulamento de 2001 continha uma norma idêntica, nomeadamente a regra 2.3.2.4, alínea b, segundo a qual o nome de domínio não poderia “(…) conter exclusivamente expressões sem eficácia distintiva, por designarem a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção de produtos ou serviços, ou outras características dos mesmos (…)”.



4. Certo é, também, que, independentemente das consequências que poderão advir da inobservância das regras regulamentares em vigor, compete à Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) velar pelo seu estrito cumprimento, como se adverte, aliás, nas próprias condições divulgadas na respectiva página oficial – www.dns.pt – quanto às exigências a cumprir na composição do nome para efeitos do registo de domínio.pt, e como decorre, também, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/97, de 5 de Maio.



5. Nestes termos, solicitou a Provedoria de Justiça à FCCN, enquanto entidade à qual compete a gestão do registo dos nomes de domínio da Internet para Portugal, que informasse se, e em que termos, iria ser removido o domínio em causa.



6. Remeteu então aquela Fundação uma Informação datada de 18 de Fevereiro de 2005, segundo a qual o assunto iria ser colocado à consideração do respectivo Conselho Consultivo, acrescentando ainda que, tendo o domínio “flores.pt” sido registado com base num pedido de marca formulado junto do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), se aguardava também pelo despacho de decisão que deveria recair sobre esse pedido.



7. Decorrido um lapso de tempo considerável para que se pudesse reapreciar o assunto, voltou a Provedoria de Justiça a solicitar a intervenção daquela Fundação no sentido de esclarecer se deveria ou não ser mantido o nome de domínio em causa.



8. Em resposta, foi recebida uma Informação datada de 23 de Junho de 2005, na qual se concluiu que “(…) actualmente não parece ser coerente a remoção de um domínio quando a marca foi concedida e o nome do domínio constituiu a reprodução da parte nominativa da mesma (…)”, acrescentando que “(…) a decisão de activar o domínio foi efectuada no cumprimento das disposições em vigor (…)” .



9. Essa posição foi adoptada não obstante os membros da Comissão restrita do Conselho Consultivo da Fundação para a Computação Científica Nacional terem sido unânimes em considerar que o registo do nome do domínio “flores.pt” não obedeceu às normas regulamentares.


10. Nestes termos, e uma vez que o Conselho Executivo da FCCN recusou a remoção do nome de domínio “flores.pt”, contrariando assim, quer as normas regulamentares aplicáveis (regra 2.3.2.4), quer os Pareceres emitidos pelos membros da Comissão restrita do Conselho Consultivo dessa própria Fundação, entre os quais, um representante do Conselho de Administração do INPI, foi o assunto colocado à consideração do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior através do ofício n.º 11697, de 6 de Julho de 2005.


11. Tal diligência teve como propósito esclarecer :




– Se a regulamentação do registo de nomes de domínio (alínea a da Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/97, de 5 de Maio) se resume ao conjunto de “Regras do Registo de Domínios.pt”;


– Em caso afirmativo, de que forma poderia ser assegurada a legalidade da actuação da FCCN em casos como o presente, em que o respectivo Conselho Executivo se recusa a cumprir com as orientações dos seus membros consultivos e o recurso à arbitragem (2.11 do Regulamento aplicável) está reservado para os litígios com os titulares dos nomes de domínio.


12. Em resposta, o Gabinete de Vossa Excelência remeteu o ofício n.º 222, de 10 de Janeiro de 2006, do qual se poderia concluir, numa primeira abordagem, que o assunto objecto de queixa estaria já resolvido, porquanto se informou que “o registo de domínio “flores.pt” viola os normativos aplicáveis, devendo, em consequência, ser removido”.



13. Contudo, se por um lado, não foram indicados os procedimentos adoptados para conseguir a remoção daquele registo de domínio, por outro lado, anexaram-se pareceres da UMIC – Agência para a Sociedade do Conhecimento, do Gabinete de Vossa Excelência e da FCCN, que não eram propriamente conclusivos a esse respeito.


14. De facto, na Informação do Gabinete de Vossa Excelência datada de 13 de Dezembro de 2005, sobre a qual exarou, em 9 de Janeiro de 2006, um Despacho de concordância, concluiu-se, também, que está em causa uma violação dos normativos aplicáveis, devendo proceder-se como sugerido nos Pareceres da UMIC e do referido Gabinete.


15. Em tais Pareceres se defendeu, de forma inequívoca, que “o pedido de registo de domínio flores devia ter sido rejeitado por não reunir as condições sobre a composição de nomes” e que “deverá ser removido pela FCCN uma vez que o registo foi concedido com preterição das formalidades legais aplicáveis, nomeadamente por se verificar a violação de regras referentes à admissibilidade de nomes de domínio” .



16. Contudo, concluiu-se que “a legalidade desta situação deverá ser assegurada através do recurso à via judicial” e que “apenas parece restar a via judicial para a resolução da presente querela entre a FCCN e o Senhor…” .


17. Assim, suscitou-se a dúvida de saber se esse Ministério iria ou não adoptar qualquer medida tendo em vista a remoção de um registo de domínio reconhecidamente ilegal ou se se demitiu dessa obrigação de garante da legalidade, dada a natureza jurídica da Fundação visada e o carácter não vinculativo dos Pareceres emitidos.


18. Nessa última hipótese, teria então esse Ministério que explicar a adequação do regime actualmente vigente (Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/97, de 5 de Maio) que investiu a FCCN de verdadeiros poderes de autoridade sem possibilidade de um controlo extra-judicial efectivo do seu exercício, nos casos de violação da ordem jurídica que não se reconduzissem a conflitos com os requerentes dos registos.


19. Neste sentido, voltou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a ser questionado a respeito da interpretação do Despacho de Vossa Excelência, no que à expressão “dê-se seguimento” diz respeito, para esclarecer, designadamente, se tal deveria significar que o domínio iria ser removido, ou se deveria a Provedoria de Justiça concluir que só pela via judicial poderia tal vir a acontecer.


20. A tal solicitação respondeu o Senhor Chefe do Gabinete de Vossa Excelência através do ofício n.º 5032, de 17 de Julho de 2006, informando que não se descortina uma violação de quaisquer regras jurídicas, nem das regras da concorrência, e reconhecendo que o controlo extra-judicial dos actos da FCCN que actualmente existe se acha circunscrito aos diferendos entre essa Fundação e os requerentes de nomes de domínio.


II
– Apreciação –


21. Em primeiro lugar, e muito embora não se discuta o carácter não vinculativo dos Pareceres emitidos pelos membros do Conselho Consultivo da FCCN, o que é certo é que se julga que não pode deixar de ser ponderada a correcção da análise na qual os mesmos se basearam e as conclusões que permitiram alcançar, sob pena de manifesto desvirtuamento das funções atribuídas a esse órgão (cfr. 2.10 das Regras do Registo de Domínios.pt então em vigor), “composto por entidades de reconhecido mérito na área da Internet, da propriedade intelectual e das telecomunicações (…)”.



22. Efectivamente, de tais Pareceres (elaborados pelos Senhores Prof. Carlos Olavo, Dr. Nuno Ramos, e Dr. Paulo Serrão – este último, na qualidade de representante do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Propriedade Industrial) resulta que o registo do domínio “flores.pt” não obedeceu ao Regulamento do Serviço de Registo de Domínios.pt aplicável, porquanto o vocábulo “flores”, sem que venha acompanhado de qualquer sinal capaz de lhe conferir a eficácia distintiva da origem empresarial dos produtos de floricultura ou dos serviços, configura uma referência genérica, claramente proibida pela regra n.º 2.3.2.4 daquele Regulamento.



23. De onde decorre que, não reunindo o pedido de registo de domínio as condições exigidas sobre a composição de nomes, deveria ter sido à partida rejeitado, nos termos do ponto 2.6 do Regulamento e, tendo sido aceite, o único procedimento a seguir só poderia passar pela respectiva remoção.



24. Por outro lado, afigura-se também evidente que, quando um pedido de registo de marca vem a ser deferido com base em pressupostos distintos dos que constam no registo de domínio – como foi o caso, pois o pedido inicial, por conter referências genéricas, foi recusado e veio a ser substituído por um outro que assegurava a existência dos sinais distintivos mínimos – não pode justificar a manutenção do nome de domínio.



25. Ou seja, um nome de domínio não pode garantir a respectiva eficácia distintiva quando o pedido de marca que lhe corresponde (e que não é o mesmo que veio a ser deferido) foi recusado exactamente com base na falta de preenchimento desse requisito.



26. De facto, como resulta claro do Parecer elaborado por um membro do Conselho de Administração do INPI a pedido da FCCN, a concessão do registo da marca, tal como foi inicialmente formulada, apenas com o sinal nominativo “flores” – à semelhança da designação usada no registo de domínio.pt – mereceu um despacho de recusa por parte desse Instituto com fundamento, exactamente, na falta de eficácia distintiva, exigida no Código da Propriedade Industrial [art.º 223.º, n.º1, alínea c)].



27. Como também sublinhou o INPI, só veio a ser concedido o registo da marca, após a alteração do sinal, mediante o aditamento à parte verbal de determinados elementos figurativos, capazes de lhe conferir a eficácia distintiva legalmente exigida.



28. Assim, da concessão do registo de marca não pode concluir-se que deve manter-se o respectivo domínio, exactamente porque o deferimento daquele pedido partiu de pressupostos contrários aos que agora se apreciam.



29. Alegou ainda a FCCN que actualmente não é coerente a remoção de um domínio quando a marca foi concedida. Porém, perante essas premissas, poder-se-ia concluir, pelo contrário que, pelo facto de a marca só ter sido concedida após a requerente ter alterado o pedido de registo, de forma a respeitar o requisito da eficácia distintiva, só deveria ser autorizado um registo de domínio que respeitasse a mesma regra, a qual, mais uma vez se repete, não é exclusiva das regras da propriedade industrial, antes foi expressamente consagrada, também, no Regulamento do Serviço de Registo de Domínios “.pt”.



30. Assim, afigura-se inequívoco que o registo de domínio www.flores.pt não deveria ter sido aceite pela FCCN, e que, tendo sido indevidamente admitido por essa Fundação, deve esta providenciar pela respectiva remoção.



31. Perante esta conclusão – que já terá sido aceite por membros do Conselho Consultivo da FCCN, pelo INPI, pela UMIC – Agência para a Sociedade do Conhecimento e por Vossa Excelência – haveria então que ponderar os meios através dos quais deve essa Fundação ser instada a remover aquele domínio, dada a sua reiterada recusa em fazê-lo.



32. Nos termos definidos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/97, de 5 de Maio, foi o (então) Ministério da Ciência e da Tecnologia mandatado para:




a) “(…) Preparar, ouvido o Instituto das Comunicações de Portugal e a Equipa de Missão para a Sociedade de Informação, e tendo em atenção as orientações internacionais sobre a matéria, as medidas legais tendentes à regulamentação do registo e gestão dos nomes de domínios da Internet para Portugal;


b) Dirimir, até à aprovação das medidas legais referidas, todas as divergências que possam vir a existir entre a FCCN e os requerentes ou beneficiários dos domínios ou subdomínios Internet específicos para Portugal. (…)”.



33. Dessa última norma decorre – não pode deixar de se reconhecer – que a competência para a resolução de conflitos gerados pela actividade da FCCN não abrange, de forma expressa, os litígios entre essa Fundação e terceiros, ou seja, não requerentes de nomes de domínio.



34. Todavia, como referiu já a Provedoria de Justiça nos ofícios anteriores, não está aqui em causa, propriamente, a resolução de um litígio entre um determinado particular e a FCCN, mas antes o cometimento de um acto indevido por parte dessa Fundação, que flagrantemente violou os normativos aplicáveis à composição dos nomes de domínio, cuja correcção reveste manifesto interesse público.



35. Na verdade, pela sua repercussão na sociedade em geral, e na actividade económica e comercial em particular, a gestão do registo de nomes de domínio na Internet assume absoluta relevância pública.



36. Se é certo que, como decorre do preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/97, de 5 de Maio, o Governo delegou tal tarefa numa entidade privada, tal não pode significar que se tenha demitido das suas funções de garante da legalidade da actuação dessa entidade.



37. Aliás, o reconhecimento, expresso naquela Resolução, da necessidade de ser aprovada regulamentação específica para esse sector, traduz, exactamente, a natureza pública dessa função.



38. Seguindo este entendimento, importa também referir, quanto à questão do interesse público de que se reveste a remoção do nome de domínio www.flores.pt, que, ao contrário do que referiu o Senhor Chefe do Gabinete de Vossa Excelência no ofício em referência, foram efectivamente violadas normas jurídicas pela FCCN, designadamente a norma constante do ponto 2.3.2.4 do Regulamento do registo de nomes de domínio então aplicável.



39. Tal norma, à semelhança do que sucede com o art.º 223.º, n.º 1, alínea c, do Código da Propriedade Industrial, no âmbito do registo de marcas, destina-se a salvaguardar a eficácia distintiva dos nomes de domínio.



40. Isto é, as marcas, tal como os nomes de domínio na Internet, só podem ser registadas se puderem ser objecto de apropriação pelos particulares.



41. Como escreveu José Mota da Maia (3), aquela norma (art.º 223.º, n.º 1, c do Código da Propriedade Industrial) “(…) visa impedir a apropriação e uso exclusivo de indicações que devem manter-se disponíveis para poderem ser livremente utilizadas no mercado (…). Essas indicações não distintivas são as que podem servir no comércio para designar (…) a espécie, isto é, que consista numa menção, directa e exclusiva, ao tipo de produto ou serviço a que a marca se destina. Estão nesse caso as indicações “CRÉDITOS”, para negócios financeiros ou “FRUIT DRINK” para bebidas não alcoólicas. Nestes termos, não podem constituir marcas, as indicações formadas, exclusivamente, por vocábulos, ou figuras, utilizados comummente, no mercado, dado que, sendo banais, não podem ser de uso exclusivo de uma determinada entidade, mas devem conservar-se disponíveis para uso de todos os que nisso tiverem interesse. É o caso, por exemplo, dos vocábulos de uso popular, como a “BICA” (…). É o caso, por exemplo, das expressões “CAFÉ DELTA”, para café, “ÁGUA CASTELO”, para águas, “TINTAS ROBIALAC”, para tintas, etc., nas quais as designações genéricas “CAFÉ”, “ÁGUAS”, “TINTAS”, etc., não são, por isso mesmo, consideradas de uso exclusivo (…)”.



42. Esta eficácia distintiva, que deve, obrigatoriamente, estar presente numa marca registada ou no registo de um nome de domínio na Internet, serve essencialmente propósitos atinentes à protecção dos direitos dos consumidores e da lealdade da concorrência, como resulta de abundante jurisprudência que se tem debruçado sobre esta matéria.



43. Podem citar-se, a título de exemplo, os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 3 de Fevereiro de 1994 (4) e do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Maio de 1986 (5), nos quais se defendeu, respectivamente, que “(…) Não é admissível o registo de uma marca simples cujo único elemento seja de carácter genérico, estando nesta situação a marca “Fabuloso” (…)” e que “(…) A palavra “clima”, por falta de eficácia distintiva, não é susceptível de apropriação como marca e não pode gozar da inerente protecção, mesmo que tenha sido registada como marca (…)”.



44. Acresce ainda que os termos em que foi admitido o registo de domínio em discussão, poderá ainda atingir, sob o ponto de vista concorrencial, um número muito abrangente de empresas que laborem na área da floricultura, dada a confusão que poderá ser gerada pela denominação genérica com que a empresa titular do registo se apresenta na Internet, uma vez que a marca é o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor e concretiza a boa ou má reputação comercial do empresário, já que é uma forma de indicação da proveniência do produto ou serviço (cfr. Acórdão do Supremo do Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2000) (6).



45. A eficácia distintiva das marcas e dos nomes de domínio (dada a identidade das normas que regem o registo das marcas face às que regulam o registo dos nomes de domínio), prossegue, assim, inegavelmente, o objectivo de preservar a lealdade da concorrência no mercado, ou seja, “(…) O Código da Propriedade Industrial visa assegurar a protecção derivada do registo da marca, que se estende a todo o território nacional, não apenas quando se desenhe já uma situação concreta de concorrência, mas ainda quando se verifique tal possibilidade (…)” – Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Janeiro de 1985 (7).



46. A este respeito, a jurisprudência vai ainda mais longe, considerando que“(…) Constitui acto de concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, sendo, consequentemente, proibidas todas as actuações susceptíveis de criar confusão com os produtos concorrentes, qualquer que seja o meio empregado (…)” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1990 (8).



47. De todo o exposto resulta que um nome de domínio que contenha exclusivamente a expressão “flores” deve ser rejeitado, quer porque consubstancia uma violação das normas que exigem a sua eficácia distintiva, quer porque o facto de se resumir a uma expressão genérica sobre a espécie do produto a vender pela empresa é susceptível de configurar um acto de concorrência desleal, pois os utilizadores da Internet que pretendam aceder a sites sobre flores e coloquem esta expressão nos motores de busca (por exemplo, o “google”, o “sapo” ou o “altavista”) vão encontrar em primeiro lugar o site da empresa “Decoflorália” – www.flores.pt.



48. Terá assim sido admitida uma apropriação indevida da palavra “flores” para registo de um domínio (quando a mesma foi rejeitada no âmbito da apreciação pelo INPI do pedido de registo da marca respectiva, antes do aditamento de elementos figurativos), capaz de orientar as preferências do consumidor na escolha da empresa de floricultura cujos serviços pretende contratar.



49. Assim, e uma vez assentes, quer a inadmissibilidade do nome de domínio em causa, quer o interesse público de que se reveste a sua remoção (sob o ponto de vista dos direitos dos consumidores e da lealdade da concorrência entre as empresas do sector), julga-se que não pode o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior demitir-se da obrigação de diligenciar pela reposição da legalidade na situação objecto de queixa.



50. Se é certo que poderá existir um vazio legal provocado pelo atraso nas medidas legais destinadas à regulamentação desta matéria, que foram previstas na alínea a da Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/97, de 5 de Maio, deve igualmente questionar-se até que ponto fará sentido que tenha sido estabelecida, na alínea b do mesmo diploma, uma tutela extra-judicial para os litígios entre os particulares e a FCCN e que propositadamente se tenha deixado de fora as questões de interesse público, que, por maioria de razão, deveriam ser garantidas pela tutela, sem necessidade de recurso à via judicial.



51. De facto, do art.º 9.º, n.º 1 do Código Civil resulta clara a prevalência dos elementos teleológico e sistemático face à letra da lei, o que, no caso em apreço, legitimaria o intérprete a concluir que ao abrigo daquela Resolução (de todo o texto e não só da respectiva alínea b), teria também Vossa Excelência competência para adoptar as medidas necessárias à reposição dos actos ilegais ou indevidos cometidos pela FCCN quando estivessem em causa questões de ordem pública (cfr., igualmente, o art.º 4.º do Código do Procedimento Administrativo, quanto à obrigação de as entidades administrativas prosseguirem o interesse público).



52. A não ser assim, poder-se-ia cair no absurdo de considerar que bastaria ao Estado delegar a gestão de tarefas públicas – como seria o caso da aferição da legalidade de pedidos de registo de domínios – em entidades privadas para se demitir da sua obrigação de preservar o respeito pelas normas jurídicas em geral, e, em especial, pelos interesses dos consumidores e por uma sã concorrência, numa área como a da Internet que assume na actual sociedade de informação uma importância crescente e fundamental, nomeadamente enquanto veículo privilegiado de divulgação dos prestadores de serviços de natureza comercial.



53. Face a todo o exposto, é possível sistematizar as seguintes conclusões :




a) Está em causa saber se o nome de domínio www.flores.pt deveria ter sido admitido pela FCCN e, tendo-o sido, indevidamente, se a sua remoção só pode ser imposta pela via judicial;


b) O registo dos nomes de domínio em Portugal, na ausência de regulamentação específica, tem vindo a ser assegurado pela FCCN (cfr. preâmbulo da RCM n.º 69/97, de 5 de Maio);


c) As regras que regulam a admissibilidade de nomes de domínio constam de um Regulamento, e dada a similitude desta matéria com a da propriedade industrial, reproduzem em muitos casos as normas do Código da Propriedade Industrial;


d) Entre tais regras, constava então um preceito – regra 2.3.2.4, alínea b do Regulamento de 2001 e alínea c do Regulamento de 2003 – de acordo com a qual o nome de domínio não pode conter expressões desprovidas de eficácia distintiva ou exclusivamente compostas por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie de produtos ou serviços;


e) Ou seja, o Regulamento do Serviço de Registo de Domínios/Sub-domínio.pt então em vigor restringia a possibilidade de os nomes de domínio serem constituídos apenas por expressões ou referências genéricas;


f) Nessa conformidade, sendo o nome de domínio www.flores.pt apenas constituído por uma expressão totalmente desprovida de sinais distintivos, uma vez que contém apenas uma referência a uma espécie de um bem (flores), não será idóneo para designar um nome de domínio que tenha por conteúdo a promoção de produtos de floricultura;


g) Ainda assim, a FCCN aprovou o nome de domínio www.flores.pt, e manteve essa decisão mesmo após o respectivo Conselho Consultivo se ter pronunciado contra esse registo;


h) O mesmo entendimento foi também sufragado pelo INPI, pela UMIC e pelo Gabinete de Vossa Excelência;


i) Estando em causa o interesse público subjacente à preservação da lealdade da concorrência, a defesa dos direitos dos consumidores e o estrito respeito pelas normas jurídicas, deve a FCCN ser instada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior a remover o nome de domínio;


j) Atento o disposto na alínea a da Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/97, de 5 de Maio, deve o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior preparar as medidas legais destinadas à regulamentação do registo e gestão dos nomes de domínio da Internet para Portugal, criando de forma expressa uma forma de controlo extra-judicial das decisões que venham a ser adoptadas pela FCCN, ou por qualquer outra entidade à qual venha a ser cometida essa tarefa, que se afigurem lesivas do interesse público.



54. Assim, de acordo com as motivações acima expostas e nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Abril),



Recomendo




A) Que sejam adoptadas as providências necessárias junto da Fundação para a Computação Científica Nacional no sentido de ser removido o registo de domínio www.flores.pt;



B) Que sejam preparadas as medidas legais previstas na alínea a da Resolução do Conselho de Ministros n.º 69/97, de 5 de Maio, tendentes à regulamentação do registo e gestão dos nomes de domínios da Internet para Portugal, as quais devem contemplar, designadamente, um controlo extra-judicial das decisões da Fundação para a Computação Científica Nacional, ou de qualquer outra entidade que venha a ser encarregue dessa tarefa, mais abrangente do que aquele que se encontra previsto na alínea b desse diploma, salvaguardando assim o interesse público inerente a esta actividade.



 


Nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º 2 do Estatuto do Provedor de Justiça aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá Vossa Excelência comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento detalhado do seu não acatamento, no prazo de sessenta dias, informando sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues


 


 


Notas de rodapé:


(1) Na redacção dada pelas Leis n.ºs 30/96, de 14 de Agosto, e 52-A/2005, de 10 de Outubro.
(2) Em 1 de Março de 2006 entrou em vigor um novo Regulamento do Serviço de Registo de Domínios, mas que só se aplica aos pedidos efectuados a partir dessa data.
(3) In “Código da Propriedade Industrial Anotado”, vol. II, 2005, págs. 394 e ss.
(4) In BMJ, 434, 676.
(5) In BMJ, 357,459.
(6) In BMJ, 496, 209.
(7) In CJ, 1985, 1, 146.
(8) In BMJ, 399, 533. No mesmo sentido, será ainda possível a consulta do Acórdão da Relação de Évora de 18 de Janeiro de 2000, segundo o qual “(…) O crime de concorrência desleal tem como elementos integrantes a “concorrência”, ou seja, o esforço, no campo da actividade económica de outrem no sentido de atrair clientela e a “deslealdade”, consistente no exercício dessa concorrência com fraude ou invocação, ou referências, não autorizadas, de nome, estabelecimento, ou marcas alheias (…)”, o Acórdão da Relação do Porto de 4 de Novembro de 1998, no qual se escreveu que “(…) O crime de concorrência desleal (…) é um crime de perigo abstracto, consubstanciando-se o dolo na consciência ou mera previsão do perigo (…)” e o Acórdão da Relação do Porto de 29 de Junho de 1994, no qual se defendeu que “(…) No crime de concorrência desleal basta a simples idoneidade do acto para atrair clientela alheia, sendo suficiente uma probabilidade de dano, não sendo necessário dano efectivo (…)”.


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