RECOMENDAÇÃO N.º 15/A/2006
[artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]



Entidade visada: Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais
Proc.º: R-3925/02 (Aç)
Data: 08.11.2006
Área: A2


Assunto: Incentivo fiscal à destruição de veículos em fim de vida. Decreto-Lei n.º 292-A/2000, de 15 de Novembro. Veículo X, propriedade de V



I
INTRODUÇÃO


Desde Dezembro de 2002 que a Provedoria de Justiça, através da sua Extensão na Região Autónoma dos Açores, vem acompanhando a situação do cidadão identificado em epígrafe, que pretende beneficiar do incentivo fiscal à destruição de automóveis ligeiros em fim de vida consagrado no Decreto-Lei n.º 292-A/2000, de 15 de Novembro.



Em suma, o caso é o seguinte: o Senhor V pretende ser contemplado pelo benefício fiscal acima referido apesar de, uma vez que já suportou a totalidade do I. A., tal só ser possível através do reembolso do imposto já pago.



Conforme é do conhecimento de V. Ex.a, a aplicação deste diploma na Região Autónoma dos Açores suscitou algumas dificuldades, a que não terá sido alheia a deficiente articulação das Administrações Central e Autónoma (vide, em anexo, cópia dos ofícios do Gabinete de S. Ex.a o Presidente do Governo Regional dos Açores que sintetizam os problemas existentes, e a solução parcial encontrada).



As dificuldades começaram, desde logo, pela inexistência, naquela Região, de um centro de inspecção de veículos (CIV) listado pela Direcção-Geral de Viação (DGV), ao qual competiria assegurar diversos procedimentos ao longo do processo de atribuição daquele incentivo fiscal, nos termos previstos no supra mencionado decreto-lei.



Dificuldades a que o legislador procurou obviar, como o prova a iniciativa tomada no sentido de clarificar que, não obstante a inexistência de operadores autorizados a proceder à destruição dos veículos nas Regiões Autónomas, o incentivo fiscal deveria ser concedido “na condição de, observadas as demais condições, a destruição ser efectuada sob controlo aduaneiro” (cfr. artigo 102.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 292-A/2000, aditado pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro – Lei do Orçamento do Estado para 2003).



Tal não obsta a que seja imperioso reconhecer que desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 292-A/2000, de 15 de Novembro, todos os cidadãos nacionais têm o direito de beneficiar do incentivo fiscal nele previsto, não sendo aceitável que os residentes na Região Autónoma dos Açores sejam dele excluídos, tanto mais que essa não foi, claramente, a intenção do legislador.



Se o incentivo fiscal é estendido a todos os cidadãos, independentemente do seu local de residência, cabe à administração aplicar a lei existente para que aquele objectivo resulte alcançado.



II
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS



As diligências junto da Administração Regional Autónoma



E a administração regional autónoma começou por fazê-lo. Senão veja-se:







a) O interessado entregou na Delegação da Graciosa da Secretaria Regional da Habitação e Equipamentos (SRHE) o veículo a destruir, os respectivos documentos e o requerimento para cancelamento da matrícula.



Este procedimento está de acordo com o previsto no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 292-A/2000, de 15 de Novembro, excepto no tocante à entidade junto da qual o veículo, os documentos e o requerimento devem ser apresentados: a lei refere a sua entrega num CIV listado pela DGV e o interessado fê-lo junto da SRHE. Facilmente se compreende porquê: inexistindo CIV na sua área, o interessado dirigiu-se à entidade regional que superintende na área dos transportes terrestres.



b) Aquela delegação da SRHE encaminhou então o assunto para a Direcção de Serviços de Viação e Transportes Terrestres de Angra do Heroísmo (DSVTTAH). E bem andou ao fazê-lo, pois assim cumpriu o previsto no artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 292-A/2000, de 15 de Novembro, (aquela Direcção de Serviços é, de facto, o “serviço regional da DGV” mencionado no citado artigo 3.º, n.º 2, como resulta da interpretação conjugada dos artigos 40.º, alínea d), e 55.º da lei orgânica da SRHE, aprovada pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 12/98/A, de 6 de Maio).



c) A DSVTTAH procedeu ao cancelamento da matrícula em 22 de Julho de 2002, com efeitos reportados a 8 de Julho de 2002. Aparentemente, esta actuação continuaria a estar de acordo com o previsto no Decreto-Lei n.º 292-A/2000, de 15 de Novembro, uma vez que, nos termos do seu artigo 3.º, n.º 3, o passo seguinte seria precisamente o cancelamento da matrícula e a emissão de uma autorização de destruição, a remeter ao CIV de onde o processo era proveniente (no caso, a devolver à SRHE pois foi por essa via que o processo chegou à DSVTTAH).


Ocorre, porém, que aquela direcção de serviços da administração regional autónoma cumpriu apenas a primeira parte do mencionado preceito legal, isto é, apenas determinou o cancelamento da matrícula, não tendo emitido a autorização de destruição.



Acresce que a decisão de cancelamento da matrícula foi tomada com base no artigo 119.º, n.º 4, do Código da Estrada, decisão que não está conforme com o pedido do interessado: este não pedira o mero cancelamento da matrícula por “pretender deixar de utilizar o veículo na via pública“, antes pretendendo a sua destruição e a subsequente obtenção do incentivo fiscal à destruição de automóveis ligeiros em fim de vida.



Embora não deixe de compreender a actuação da DSVTTAH e de considerar que a mesma é desculpável, porquanto surge num quadro legal relativamente recente e à data ainda pouco claro, o que era necessário era que fosse emitida a autorização de destruição do veículo, já que actualmente não subsistem dúvidas quanto à possibilidade de este ser destruído mesmo na ausência de operadores autorizados para o efeito (a destruição ocorrerá sob controlo aduaneiro, se entretanto não surgirem operadores autorizados).



Aliás, saber qual a entidade e a forma pela qual se procederia à destruição do veículo, ou saber como seria concretizada a redução do imposto automóvel na aquisição do veículo novo, quando é sabido que o interessado já o adquiriu e pagou o imposto por inteiro, eram questões que estavam para além das competências da DSVTTAH e por cuja resposta aquela entidade não era — não podia ser — responsável.



Neste contexto, a administração regional autónoma acatou a minha sugestão no sentido de a DSVTTAH exercer as competências que legalmente lhe estão atribuídas no processo de concessão do incentivo fiscal em causa: tendo o interessado dado início ao procedimento necessário à obtenção de tal incentivo, a DSVTTAH, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do DL n.º 292-A/2000, de 15 de Novembro, procedeu ao cancelamento da matricula e emitiu a autorização de destruição do veículo.




As diligências junto da Administração Fiscal



Enviado ao interessado o certificado de destruição do veículo, este apresentou-o à Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre Consumo (DGAIEC). Mas a delegação de Angra do Heroísmo informou que entre os requisitos a cumprir estaria a entrega de uma factura pró-forma de veículo novo a adquirir, estando ainda a fixação da data para “assistir à destruição do veículo” dependente de o veículo circular pelos seus próprios meios.



Não era possível ignorar, no entanto, que o particular aguardava, desde 2002, a resolução dos problemas criados pelas administrações regional autónoma e central e que adquirira, entretanto, nova viatura: a situação em apreço não pode deixar de ser apreciada à luz das vicissitudes de todo o processo.



Daí que tenha sido solicitada a intervenção do Ex.mo Senhor Director Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo no sentido de ponderar a possibilidade de ser aceite que o interessado fizesse entrega da documentação pró-forma emitida na altura da compra do veículo novo e do veículo antigo no estado em que actualmente se encontra, dando desse modo por preenchidos os requisitos legais que permitiriam a aplicação do regime legal em causa (vide o meu ofício n.º 4915, em anexo).


A resposta da DGAIEC (of. n.º 187, de 1 de Junho de 2006, também em anexo) indica ser apenas de aceitar que o veículo seja destruído no estado em que actualmente se encontra, mas apenas em caso de compra de veículo automóvel novo sem matrícula efectuada após a data da emissão do certificado de destruição e no prazo da sua validade (devendo por isso apresentar factura pró-forma do veículo a adquirir).



Contra a possibilidade de o reclamante ver atendida a sua pretensão argumenta aquela direcção-geral que:




a) “Inexistem in casu mecanismos de reembolso do IA nas situações de abate de veículos em fim de vida (VFV), dado o incentivo ser concedido na compra de veículo novo sem matrícula.”



b) A alteração introduzida ao diploma pela Lei do Orçamento de 2003 “visou acautelar e resolver a aplicabilidade prática do diploma às Regiões Autónomas”, mas para o futuro.



b) O interessado e as entidades intervenientes não desenvolveram um processo conducente ao abate de VFV, não podendo vir invocar um direito ou benefício que não invocou na altura da compra do veículo.



A posição deste órgão do Estado



Se divirjo das conclusões do Senhor Director-Geral é porque há que afirmar que:



a) Os factos apurados no decurso da instrução do presente processo demonstram inequivocamente que, apesar de se estar perante uma norma de aplicação geral, aliás em matéria reservada, não foram consagrados os mecanismos indispensáveis à obtenção da redução do imposto nos Açores.


b) É a previsão legal e não os mecanismos da sua execução que têm de determinar aos residentes na Região o direito de beneficiarem do incentivo fiscal previsto na disposição contida no artigo 2.º do Decreto-Lei nº 292-A/2000, de 15 de Novembro.



Por outro, não é imputável ao interessado qualquer responsabilidade pelo incumprimento dos procedimentos devidos, perante a factualidade acima descrita. O contribuinte não pode ser prejudicado pelo facto de ter pago já a totalidade do I. A. e de não estar consagrado nenhum mecanismo de reembolso do imposto (mas apenas de redução).



Não teria seria legítimo impor ao Senhor V que aguardasse que fossem accionados os mecanismos de operacionalização de uma norma fiscal já aplicável a todo o território nacional para, somente depois, adquirir um novo veículo com redução de I. A.



Nem é admissível que a compra já realizada não pudesse ser contemplada pelo benefício fiscal, não por responsabilidade sua, mas por facto da Administração.



 


III
CONCLUSÃO



Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo a V. Ex.ª:




Que seja reconhecido ao Senhor V o direito a beneficiar do incentivo fiscal à destruição de automóveis ligeiros em fim de vida, pelo abate do veículo de matrícula X, de que é proprietário, tal como consagrado no Decreto-Lei n.º 292-A/2000, de 15 de Novembro.


Permito-me lembrar a V. Ex.ª a circunstância da formulação da presente recomendação não dispensar, nos termos do disposto no artigo 38.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, a comunicação a este órgão do Estado da posição que vier a ser assumida em face das respectivas conclusões.


O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues