Recomendação n.º 3/B/2007
[art.º 20º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]


Entidade visada: Presidente da Junta de Freguesia de Jovim
Proc.º: R-1916/07
Área: A6
Data: 17.07.2007


Assunto: Taxa de uso de jazigos e capelas.



1. Tendo presente o teor dos esclarecimentos prestados, em termos que desde já se agradecem, a coberto da comunicação com a data e a referência em epígrafe, cumpre, a propósito da problemática em apreço, tecer as seguintes considerações.


2. Afirma V.ª Ex.ª que “a contra-prestação pública correspondente à referida taxa, prende-se com a utilização gratuita dos concessionários de Jazigos e Capelas, das partes comuns dos cemitérios, e dos serviços que a Junta de Freguesia presta naquele equipamento, designadamente limpeza, manutenção e conservação das partes comuns, incluindo os arruamentos de acesso aos Jazigos e Capelas, utilização de um espaço geral para deposição de cera e ainda pela água e luz, fornecidas gratuitamente para que os concessionários possam limpar/lavar” os espaços concessionados.


3. No tocante a esta matéria, estabelece o artigo 1.º do Regulamento da Taxa de Uso de Jazigos e Capelas, sob a epígrafe de “incidência” que “a taxa de uso de Jazigos e capelas (TUJC) incide sobre as concessões perpétuas de Jazigos e capelas dos cemitérios situados no território da Freguesia, constituindo receita da Junta de Freguesia, enquanto entidade proprietária e/ou gestora dos mesmos”.


4. Determina, por sua vez, o artigo 2.º do citado diploma regulamentar, que se consideram jazigos os “terrenos cuja utilização foi exclusiva e perpetuamente concedida pela Junta de Freguesia a requerimento dos interessados”, entendendo-se como capelas os “jazigos em que foi autorizada a edificação de um imóvel acima ou abaixo do solo, mediante as regras estabelecidas no respectivo regulamento dos cemitérios”.


5. Definição essa, de resto consagrada no artigo 10.º da Tabela de Taxas e Licenças anexa ao Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Licenças da Junta de Freguesia de Jovim, ao referir-se apenas ao “uso de jazigos e capelas”, na limitação do âmbito da incidência da prestação em causa.


6. Resulta, assim, irrefutavelmente do quadro normativo em vigor nesta matéria, que a taxa em apreço apenas é reconhecidamente aplicável, pela Junta de Freguesia de Jovim, às situações decorrentes da concessão, a título perpétuo, de espaços cemiteriais, em tratamento distinto daquele que virá a ser dispensado aos titulares do direito de utilização temporária de idênticas parcelas de terreno, localizadas nas mesmas infra-estruturas.


7. Relativamente à distinção estabelecida nos termos acima enuciados, importa ter presente opinião doutrinária, nos termos da qual se afirma que a “concessão de terreno cemiterial” é uma “concessão de ocupação, de aproveitamento ou de utilização do domínio público”, feita através da “instalação de jazigos e de sepulturas perpétuas” assim como de “sepulturas reservadas durante certo período de tempo” (Dias, Vítor Manuel Lopes, Cemitérios, Jazigos e Sepulturas, Monografia, pgs. 376-377).


8. Ainda de acordo com o mesmo autor, “o regime jurídico não diverge quanto aos efeitos de qualquer destas modalidades de ocupação do domínio público”, uma vez que a concessão “não retira ao cemitério, nem mesmo quanto à parcela concedida, o carácter de domínio público apesar dos direitos conferidos aos particulares” (ob. cit. pg. 377, pg. 388).


9. Em bom rigor, a concessão de ocupação a título perpétuo, “a par de uma grande «estabilidade», tem sempre o seu quê de «precária» por a sua existência depender da subsistência do cemitério onde se localiza e, porventura, de imperiosas necessidades de interesse público”, outras vezes “em razão do abandono ou ruína a que chegaram” os espaços concessionados (ob. cit. pg. 388).


10. Por sua vez, “nas concessões de ocupação” ditas temporárias ou a prazo, “a sua natureza não difere das perpétuas dada a possibilidade da renovação por sucessivos períodos as tornar potencialmente perpétuas. São indefinidamente renováveis pelos períodos legalmente estabelecidos, mediante o pagamento, por ocasião da renovação, da taxa estabelecida” (ob. cit. pg.388-389).


11. Ora, na coerência de raciocínio acima evidenciada, afirma-se, em moldes merecedores do meu aval, que os “termos da regulamentação pressupõem a subordinação”, entre outros, ao princípio nos termos do qual a mesma deve obedecer “a regras objectivas, gerais e impessoais, sem privilégios nem discriminações de qualquer ordem” (ob. cit. pg. 443). Assim sendo, cobrar-se-ão “taxas pela ocupação normal do domínio público (…) previamente fixadas de modo geral, impessoal e uniforme” (ob. cit. pg. 447).


12. Relativamente à quetsão em apreço, refere V.ª Ex.ª que a referida taxa, a cobrar nos termos que antecedem, prende-se, entre outros aspectos, com a utilização gratuita, pelos concessionários de Jazigos e Capelas, das partes comuns dos cemitérios, e dos serviços que a Junta de Freguesia presta naquele equipamento.


13. Assim sendo, e sem prejuízo da validade das considerações de ordem doutrinária já aduzidas, importa desde já questionar V.ª Ex.ª sobre qual a diferença de utilização dessas partes comuns dos cemitérios que possa, em abstracto, ser notada entre os concessionários de jazigos e capelas, por um lado, e os restantes utilizadores de sepulturas temporárias, não parecendo existir fundamento racional bastante que justifique a desigualdade de tratamento enunciada, nos termos constitucionalmente previstos.


14. De facto, à luz dos axiomas constitucionalmente consagrados, não posso deixar de considerar atentatória do princípio da igualdade a situação decorrente da aplicação do Regulamento da Taxa de Uso de Jazigos e Capelas, conjugada com a Tabela de Taxas e Licenças anexa ao Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Licenças da Junta de Freguesia de Jovim, apenas aos concessionários, a título perpétuo, de espaços cemteriais geridos por essa autarquia local.


15. Em bom rigor, decorre do disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a exigência do “tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes”, entendidas as mesmas, nessa diversidade, sob um ponto de vista material, e não meramente formal, na concretização da ideia de justiça material constitucionalmente acolhida (Canotilho, J. J. Gomes, Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, pg. 127).


16. Na verdade, de acordo com opinião jurisprudencialmente consagrada nesta matéria, importa ter presente que “o princípio constitucional da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias (…) ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 8167, publicado na II Série do Diário da República, de 26 de Março de 1998).


17. Ora, na situação em apreço, não se encontra, como atrás tive oportunidade de o enunciar, qualquer justificação objectiva e racional para a diferenciação das situações de concessão temporária na esfera de incidência da referida taxa, razão pela qual considero, desde já, estar em causa, na medida regulamentar assumida por essa autarquia local, o respeito pela Constituição Portuguesa, consubstanciado na observância do princípio da igualdade acolhido no seio daquela.


18. Mesmo que assim não fosse, abrangendo pois as taxas em apreço os titulares do direito de ocupação de sepulturas temporárias, importa equacionar a justiça relativa da imposição, de forma indiscriminada, da cobrança dos valores em causa, de algum modo aqui se chamando à colação o próprio conceito de taxa e o carácter sinalagmático de que esta deve revestir.


19. No que se reporta à utilização gratuita das partes comuns dos cemitérios, e dos serviços de limpeza que a Junta de Freguesia presta naquele equipamento, devo recordar a V.ª Ex.ª que, na génese daquelas infra-estruturas públicas, inicialmente pensadas em Portugal em finais do século XVIII, estiveram sempre presentes imperiosas necessidades de regulação do culto fúnebre, tanto em função dos aspectos associados à salvaguarda da salubridade, assim como ao respeito e à decência daquele.


20. Assim sendo, concordará V.ª Ex.ª que a execução dos referidos trabalhos de limpeza, bem como a utilização das partes comuns daqueles equipamentos, se reportam, antes de mais, a serviços a prestar, pelas autarquias locais, à comunidade, na fiel prossecução do interesse público que presidiu, preside e presidirá à criação e manutenção dos cemitérios, na assunção, pelo Estado, de função funerária, encarada como necessidade pública.


21. Terá sido, aliás, com base em tal premissa que veio a estabelecer o artigo 34.º, n.º 4, alínea c) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, na redacção a esta actualmente dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, incumbir à Junta de Freguesia “gerir, conservar e promover a limpeza dos cemitérios”.


22. Por esta razão, cabendo ao órgão autárquico presidido por V.ª Ex.ª, no âmbito das atribuições a este legalmente cometidas, assegurar a gestão e conservação dos cemitérios situados na freguesia de Jovim, assim como a promoção da limpeza daqueles, considero destituído de fundamento o argumento aduzido por forma a legitimar, parcialmente, a cobrança da taxa em apreço.


23. Aliás, importa fazer notar que a referida utilização das partes comuns, assim como a limpeza e conservação das mesmas, serão inerentes à relação jurídica estabelecida entre os concessionários de espaços cemiteriais e as autarquias locais, em termos que não permitem outra interpretação que não seja a da eventual imputação dos seus custos no valor da concessão (temporária ou perpétua).


24. No que se reporta ao fornecimento de água e de luz para limpeza dos espaços cemiteriais concessionados, e partindo do pressuposto da aplicação uniforme, e àquela restrita, das taxas em causa (concessão perpétua e temporária), importa fazer notar alguns aspectos, merecedores de particular atenção.


25. Resulta da posição adoptada pela Junta de Freguesia de Jovim que todos os concessionários deverão pagar a mesma taxa, independentemente da utilização que, em concreto, venha a ser feita dos serviços disponibilizados.


26. Ora, permito-me sugerir a V.ª Ex.ª que equacione a situação em que, não raras vezes, se encontram muitos espaços cemiteriais concessionados a pessoas que, pelas mais variadas razões, desde logo em virtude do fenómeno migratório (transfronteiriço ou não) que caracteriza a realidade social do nosso país, não residem na freguesia onde o cemitério se localiza.


27. Concessionários esses que, regressando aos locais de onde são naturais, escassas semanas por ano, não utilizam, objectivamente, qualquer espaço ou serviços disponibilizados ou a disponibilizar por essa Junta de Freguesia, nos moldes agora reclamados.


28. Em bom rigor, a ser do modo que aparentemente resulta do entendimento perfilhado pela Junta de Freguesia de Jovim, e que agora me é comunicado, permito-me questionar se, na verdade, atenta a possibilidade de estarmos, em algumas situações, perante uma ténue, para não dizer inexistente sinalagmaticidade da relação estabelecida entre concessionários lato sensu considerados (jazigos, capelas e sepulturas temporárias), não estaremos perante figura diversa da taxa, mais próxima, nas características que se têm vindo a apurar, do imposto (para cuja criação se exige lei parlamentar ou decreto-lei autorizado).


29. Não poderá V.ª Ex.ª deixar de concordar que fará mais sentido a imputação de despesas a quem, efectivamente, usufrui dos bens ou dos serviços cobrados, do que a exigência do seu pagamento, formulada em termos genéricos, por todos os concessionários, independentemente de em concreto utilizarem os serviços alegados.


30. Por esta razão, e no que se reporta à disponibilização dos serviços de água e de luz, tendo em vista a limpeza dos espaços cemiteriais concessionados (referindo-me naturalmente aqui a todo e qualquer tipo de concessão – temporária e perpétua), entendo que a mesma, a ser taxada, deverá tomar como base o princípio do utilizador-pagador, assegurando-se, assim, a justiça material da medida adoptada.


31. Aliás, a aplicação de semelhante princípio mostrar-se-á facilitada, atenta a existência de equipamentos de medição, instalados pelas empresas fornecedoras daqueles serviços, passíveis de assegurar a rigorosa imputação aos concessionários, dos custos associados à utilização que os mesmos venham a fazer daqueles.


32. No que concerne à utilização de um espaço geral para deposição de cera, e embora desconhecendo a exacta natureza do equipamento citado, admito que deixem de se verificar as facilidades acima enunciadas. Todavia, tal facto não pode, por si só, legitimar a aplicação da taxa em apreço, em desrespeito pela noção que da mesma vem sendo doutrinária e jurisprudencialmente defendida, mas antes determinar a criação de métodos de controlo individualizável da sua utilização.


Deste modo, entendo por bem recomendar, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,







a) a alteração do artigo 1.º e do artigo 2.º do Regulamento da Taxa de Uso de Jazigos e Capelas, por forma a que a mesma taxa, a ser mantida, abranja por igual todos os utentes dos serviços disponibilizados (mas só estes), na estrita medida do serviço que a cada um é efectivamente prestado;


b) a alteração do artigo 9.º do citado diploma regulamentar, assim como do artigo 10.º da Tabela de Taxas e Licenças anexa ao Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e Licenças da Junta de Freguesia de Jovim, no sentido de virem a ser eliminadas quaisquer referências aos custos associados à gestão, conservação e limpeza das partes comuns do cemitério paroquial, ponderando-se, em substituição daquelas, única e exclusivamente, a consagração das despesas concretamente realizadas na utilização de água e de luz, assim como no âmbito da deposição de cera, por parte dos concessionários.



Sem prejuízo de quaisquer outros esclarecimentos que entenda por bem prestar nesta matéria, agradeço a V.ª Ex.ª que queira comunicar-me qual a posição adoptada pela Junta de Freguesia de Jovim face à presente Recomendação.



O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues