Entidade visada: Presidente da Associação Portuguesa de Bancos
Proc.º: R-610/93
Área: A6
Assessor: Maria Eduarda Ferraz



Assunto: Pagamento de complemento de reforma aos trabalhadores bancários que abandonaram o sector bancário antes de terem atingido a situação de reforma.



1. A matéria objecto do presente ofício é naturalmente conhecida de V.ª Ex.ª. Provavelmente também o será a troca de correspondência mantida entre este Órgão do Estado, o Governo, e também a Associação Portuguesa de Bancos, desde há alguns anos atrás, a propósito da mesma.


A circunstância de a generalidade dos trabalhadores bancários não estar abrangida pelo regime geral de segurança social nas eventualidades de invalidez, velhice e morte, sendo a protecção social, nas vertentes mencionadas, assegurada por um sistema próprio, constante dos sucessivos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho para o sector, tem mantido viva a questão que envolve a atribuição de uma pensão de reforma aos trabalhadores bancários que, sem terem então atingido a situação de reforma, abandonaram o sector bancário antes de 15 de Julho de 1982 – data contida na cláusula 141.ª, n.º 6, do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical (CCTV) de 1982 –, ou o abandonaram, por sua iniciativa, no período compreendido entre 15 de Julho de 1982 e a entrada em vigor da revisão de 1998 do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical (ACTV) então vigente, nos termos a seguir mencionados.


2. Assim, é o CCTV de 1982 que, na sua cláusula 141.ª, vem pela primeira vez responder à situação dos trabalhadores que saíram do sector bancário antes de terem atingido a situação de reforma, aduzindo, no respectivo n.º 3, que “o trabalhador que abandonar o sector bancário, por razões que não sejam da sua iniciativa, nomeadamente o despedimento, terá direito, quando for colocado na situação de reforma por invalidez ou velhice prevista no regime de segurança social que lhe for aplicável, ao pagamento pela respectiva instituição de crédito da importância necessária a complementar a sua pensão de reforma, até ao montante que lhe corresponderia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição na segurança social”.


O n.º 6 da mesma cláusula vem depois esclarecer que “o regime estabelecido no n.º 3 desta cláusula só se aplica aos trabalhadores que abandonarem o sector bancário nas condições aí referidas a partir de 15 de Julho de 1982”.


Mais tarde, a revisão de 1998 do ACTV então em vigor, veio modificar o regime em análise, estipulando na cláusula 142.ª, n.º 1, que “o trabalhador ao serviço de instituição de crédito ou parabancária que não esteja inscrito no regime geral de segurança social e que, por qualquer razão, deixe de estar abrangido pelo regime de segurança social garantido pelo presente Acordo Colectivo de Trabalho terá direito, quando for colocado na situação de reforma por invalidez ou velhice prevista no regime de segurança social que lhe for aplicável, ao pagamento pelas instituições de crédito ou parabancárias, na proporção do tempo de serviço prestado a cada uma delas, da importância necessária para complementar a sua pensão de reforma até ao montante que lhe corresponderia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime de segurança social que lhe for aplicável”.


O ACTV de 1990, neste momento vigente com várias alterações, viria a consagrar, na respectiva cláusula 140.ª, orientação idêntica, estendendo, ainda, a solução mencionada, aos trabalhadores bancários que não venham a adquirir direitos em outro regime de segurança social.


O n.º 1 da cláusula 140.ª em vigor, sob a epígrafe “Reconhecimento de direitos em caso de cessação do contrato de trabalho”, reza da seguinte forma: “O trabalhador de Instituição de Crédito ou Parabancária, não inscrito em qualquer Regime de Segurança Social e que, por qualquer razão, deixe de estar abrangido pelo Regime de Segurança Social garantido pelo presente Acordo, terá direito, quando for colocado na situação de reforma por invalidez ou invalidez presumível, ao pagamento pelas Instituições de Crédito ou Parabancárias, na proporção do tempo de serviço prestado a cada uma delas, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no Sector Bancário fosse considerado como tempo de inscrição no Regime Geral da Segurança Social, ou outro Regime Nacional mais favorável que lhe seja aplicável”.


Os números seguintes da mesma cláusula prevêem as formas de cálculo das quantias em causa, sendo que o respectivo n.º 5 estipula que “no caso de o trabalhador não chegar a adquirir direitos noutro Regime Nacional de Segurança Social, a retribuição de referência para aplicação do disposto no n.º 1 desta Cláusula será a correspondente à do nível em que aquele se encontrava colocado à data em que deixou de estar abrangido pelo Regime de Segurança Social deste Acordo, actualizada segundo as regras do mesmo regime”.


3. O quadro acima descrito leva-nos a colocar os trabalhadores bancários que abandonaram o sector antes de terem atingido a situação de reforma, em três situações distintas:








a) Sem direito a que lhes seja contado o tempo de serviço prestado no sector bancário, para efeitos de atribuição de uma pensão de reforma, se o fizeram, por qualquer razão, em data anterior a 15 de Julho de 1982 (cláusula 141.ª, n.º 3 e 6, do CCTV de 1982).


b) Com direito a que lhes seja contado o tempo de serviço prestado no sector bancário, para efeitos de atribuição de uma pensão de reforma, se esse abandono não tiver resultado de iniciativa própria, no período compreendido entre 15 de Julho de 1982 e a entrada em vigor da revisão de 1988 do ACTV então vigente.


c) Com direito a que lhes seja contado o tempo de serviço prestado no sector bancário, para efeitos de atribuição de uma pensão de reforma, independentemente das razões que estiveram na origem do abandono, a partir da entrada em vigor da revisão de 1988 do ACTV então vigente.


O ACTV de 1990 vem estender tal direito aos trabalhadores bancários que não vieram posteriormente a adquirir direitos em outro regime de segurança social.



4. Foram muitas as queixas que ao longo de uma década chegaram – e continuam a chegar – ao Provedor de Justiça, a propósito da matéria em discussão.


A instrução do presente processo neste Órgão do Estado centrou-se em duas linhas essenciais. Antes de mais, na tentativa, junto do Governo, no sentido da completa integração dos trabalhadores bancários no regime geral de segurança social, na decorrência do estatuído na então em vigor Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, já revogada). Por outro lado, na expectativa de que a questão fosse resolvida no âmbito da contratação colectiva, designadamente através da previsão expressa, no clausulado do ACTV, de uma solução que permitisse a protecção social do grupo de funcionários abrangido pelas alíneas a) e b) acima mencionadas.


Nenhuma das referidas vias veio a revelar resultados no sentido pretendido.


Assim sendo, muitos dos cidadãos que se sentiram lesados – a desprotecção social em análise é manifestamente contrária aos princípios constitucionalmente consagrados sobre a matéria, nos termos adiante explicitados – recorreram aos meios judiciais para verem satisfeitos os seus direitos e interesses legítimos e com sucesso, conforme será decerto do conhecimento de V.ª Ex.ª.


5. Assim, veja-se por exemplo o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Fevereiro de 2002 (in “Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo” n.ºs 488-489, pp. 1218 e segs.) – que decidiu que um trabalhador bancário despedido em 1980, e reformado por velhice já no regime de segurança social, em 1996, tem direito a receber, da entidade bancária para a qual trabalhou até 1980, e desde 1996, um complemento de pensão de reforma calculado nos termos da cláusula 140.ª do actual ACTV do sector bancário –, identifica um leque de arestos do mesmo Tribunal que sustentam o sentido daquela decisão (pp. 1233 e 1234 – para além dos aí enunciados, v. designadamente Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.04.01, in “Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal administrativo” n.º 482, pp. 258 e segs., e de 14.02.01, ibidem, n.º 479, pp. 1530 e segs.).


Refere-se, no mesmo Acórdão, o seguinte:








“há que, desde já, rejeitar a tese de que não seria aplicável nem a cláusula 137.ª, porque esta se referiria aos trabalhadores relativamente aos quais se verificasse a eventualidade (invalidez ou invalidez presumida) quando ainda se encontravam no activo, nem a cláusula 140.ª, por esta ter sido editada posteriormente à saída do autor do sector bancário e as cláusulas da convenção colectiva só disporem para o futuro. Assim, segundo esta tese, o autor não teria direito a qualquer pensão a suportar pelo sector bancário, conclusão esta que, porém, ofenderia os princípios gerais que regulam o sistema de segurança social, e, além disso, afrontaria o disposto no artigo 63.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual todos têm direito à segurança social, estabelecendo o n.º 5, acrescentado pela revisão constitucional de 1989, que “todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”, princípio este que não pode ser ignorado quer pelo sistema público de segurança social, como pelos subsistemas por este permitidos, como é o caso do sector bancário, que é um sistema substitutivo daquele. Seria extremamente injusto e discriminatório não contar para efeitos de atribuição de pensão de reforma o tempo de serviço prestado pelos trabalhadores que abandonassem o sector bancário antes da ocorrência das eventualidades que determinam a atribuição desta (invalidez ou idade), pois, por um lado, os trabalhadores deste sector estavam impedidos de descontar para o sistema de segurança social, por não estar constituída a respectiva Caixa de Previdência, e , por outro lado, as entidades patronais do sector bancário assumiram as responsabilidades que àquela Caixa competiriam, enquanto não fosse constituída, e o sistema bancário nunca chegou a constituir a referida Caixa, decisão esta a que não terão sido alheios interesses corporativos, pois isso evitou o pagamento das contribuições, tanto patronais como dos trabalhadores, para um sistema de segurança social, beneficiando as entidades patronais deste sector com esse facto” (p. 1233).



O mesmo Acórdão resume o “encadeamento argumentativo” desenvolvido na acima mencionada jurisprudência, nos seguintes termos (pp. 1234 e 1235):








“- no “regime transitório” instituído pelos n.ºs 3 e 6, da cláusula 141.ª do ACTV de 1982, reproduzido nos n.ºs 3 e 6, da cláusula 142.ª, do ACTV de 1984 e nos n.ºs 1 e 4, da cláusula 142.ª do ACTV de 1986, o complemento de reforma previsto apenas beneficiava os trabalhadores que tivessem abandonado o sector bancário sem ser por iniciativa própria e a partir de 15 de Julho de 1982;


– porém, esta restrição temporal (a 15 de Julho de 1982), constante dos aludidos ACTV, veio a revelar-se supervenientemente inconstitucional, por incompatível com o princípio, introduzido pela revisão constitucional de 1989, ao aditar o n.º 5, ao artigo 63.º, da Constituição (n.º 4 do mesmo artigo 63.º, após a revisão constitucional de 1997), de que “todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”;


– por isso, nas correspondentes cláusulas dos subsequentes ACTV se omitiu qualquer referência ao momento em que o trabalhador, “por qualquer razão”, deixe de estar abrangido pelo regime de segurança social do sector bancário;


– assim, as instituições bancárias que tenham tido ao seu serviço trabalhadores que venham a ser colocados na situação de reforma por invalidez ou por invalidez presumível, quando já não exerciam funções nesse sector de actividade, estão obrigadas ao pagamento, “na proporção do tempo de serviço prestado a cada uma delas, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral da segurança social ou outro regime nacional mais favorável que lhe seja aplicável (n.º 1 da cláusula 140.ª, do ACTV de 1992);


– este entendimento respeita os aludidos princípios constitucionais e a diferença de regimes entre as cláusulas 137.ª (só aplicável aos trabalhadores que se encontravam ao serviço da instituição bancária quando passarem para a situação de reforma) e 140.ª, justifica-se por contemplarem situações diversas: a diversidade entre uma carreira homogeneamente desenvolvida até ao seu termo no sector bancário (com um regime próprio de segurança social, caracterizado, além do mais, pela inexistência de contribuições, quer dos trabalhadores, quer das entidades patronais) e uma carreira heterogénea em termos de diversificados regimes de segurança social ou até incompleta (contemplando-se mesmo as situações em que o antigo trabalhador não adquiriu direitos no âmbito de qualquer outro regime nacional de segurança social – situação prevista e regulada no n.º 5 da citada cláusula 140.ª)”.



6. A desprotecção social, na perspectiva aqui em discussão, de que são vítimas as pessoas que prestaram serviço – às vezes durante décadas – às instituições bancárias, e que, por qualquer motivo, vieram a desvincular-se das mesmas, antes de atingirem a situação de reforma, designadamente em data anterior à entrada em vigor da revisão de 1988 do ACTV para o sector – e para um grupo particular desses trabalhadores, antes do ACTV de 1990 –, é frontalmente contrária aos princípios mais básicos sobre a matéria, estabelecidos na nossa Lei Fundamental, designadamente ao que se encontra expresso no art.º 63.º, n.º 4, onde se pode ler que “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”.


Do que fica exposto, não tenho dúvidas, na esteira da jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça, acima citada, de que as diversas entidades patronais abrangidas pelo ACTV para o sector bancário terão de cumprir, mais tarde ou mais cedo, relativamente aos ex-funcionários nas condições aqui em discussão, os pagamentos a que se refere a respectiva cláusula 140.ª, nos termos aí mencionados.


Não obstante a possibilidade de os particulares visados reclamarem, nos termos mencionados, os respectivos direitos junto das instâncias judiciais competentes, a verdade é que todos sabemos que os prazos nos quais as decisões em causa são tomadas, não se compadecem infelizmente, muitas vezes, com a situação e condições concretas de vida das pessoas destinatárias das mesmas.


É por essa razão que lanço a V.ª Ex.ª, através do presente ofício, um veemente apelo para que, junto das entidades associadas da Instituição a que preside – que aderiram ao ACTV do sector, e designadamente à respectiva cláusula 140.ª –, promova uma iniciativa de sensibilização para que, independentemente de decisão judicial sobre a matéria e em nome de uma postura de seriedade e de rigor que indiscutivelmente envolve a actividade do sector bancário, acedam a pagar aos seus ex-funcionários que abandonaram o sector bancário, por qualquer razão, antes de atingirem a situação de reforma, designadamente em data anterior à entrada em vigor da revisão de 1988 do ACTV – e em data anterior à entrada em vigor do ACTV de 1990 para os que não adquiriram posteriormente direitos em outro regime de segurança social –, e que naturalmente o solicitem, o complemento de reforma a que alude a cláusula 140.ª do actual ACTV, nos termos aí mencionados.


Tenho a certeza que uma decisão concertada no sentido apontado seria verdadeiramente dignificante para o sector bancário, e para a actividade laboral privada em geral, em nome da construção conjunta de um Estado de direito mais consentâneo com os princípios constitucionais que o enformam.


Assim sendo, convicto de que o teor da presente missiva merecerá a melhor das atenções de V.ª Ex.ª, e na certeza de que se revelará plausível dar o tão necessário seguimento ao que acima se propõe, agradeço a comunicação de V.ª Ex.ª sobre a posição que virá a tomar sobre o mesmo.


 


 





 NOTA: Ofício de idêntico teor foi dirigido ao Senhor Governador do Banco de Portugal