OUTRAS DECISÕES
Relatório


Entidade visada: Ministro da Justiça
Proc.º: R-0021/01
Área: A6


Assunto: Regulamento Interno do EP de Caxias



Como é do conhecimento público, foi suscitada a minha intervenção a respeito de protestos que os reclusos do EP de Caxias estariam a levar a cabo, face à entrada em vigor do Regulamento Interno do mesmo estabelecimento e a algumas das suas regras.


Esta minha intervenção enquadra-se na sequência de diligências de inspecção sistematicamente iniciadas pelo Provedor de Justiça em 1996, posteriormente prosseguidas em 1998 e, de modo autónomo, sempre concretizadas a propósito de questões suscitadas, quer através de visitas ou contactos nos estabelecimentos prisionais, quer através de outros meios. É neste contexto preciso que surge, portanto, este relatório de análise aos acontecimentos no EP de Caxias.


Da leitura das notícias vindas a lume na Comunicação Social e do encontro que colaboradores meus mantiveram com a direcção do Estabelecimento e com alguns reclusos, creio poder circunscrever-se a questão, em termos substantivos, aos seguintes aspectos, nem todos reconduzíveis à recente entrada em vigor do referido regulamento:








1. Entrada de alimentos confeccionados no exterior e, por arrastamento, as condições da alimentação fornecida;


2. Entrada e circulação de dinheiro;


3. Utilização dos balneários;



Segundo relatado, os protestos existentes, comuns aos redutos Norte e Sul que constituem este Estabelecimento, consistindo na não comparência dos reclusos ao almoço e ao jantar, terão conhecido um pico no almoço de dia 3 de Janeiro, decrescendo a adesão no jantar desse dia para conhecer uma alteração significativa durante o dia 4.


Como transparece claramente dos relatórios elaborados pelo Provedor de Justiça em 1996 e 1999 (RSP96 e RSP99), o EP de Caxias é um estabelecimento com muitos problemas, boa parte dos quais de difícil resolução, tendo em conta a natureza da estrutura física do mesmo. De facto, remetendo para o Relatório de 1999, aí se afirmou que “a utilização destas edificações para a instalação de um estabelecimento prisional, afectando-as a um fim diverso daquele para o qual, originariamente, foram construídas, se traduz desde logo em problemas de desadequação funcional e estrutural significativos das mesmas. Os redutos norte e sul distam entre si cerca de 300 metros. Na verdade para além de se tratar de estruturas diferentes, também o respectivo quotidiano é diferente, existindo regras, horários e procedimentos específicos para cada um.”


Esta heterogeneidade de espaços, as dificuldades de adaptação física dos mesmos e a natureza da sua população, condicionam irremediavelmente as possibilidades de tratamento penitenciário, em termos adequados ao prosseguimento das suas finalidades, constitucionalmente fixadas.


Na verdade, estando o estabelecimento destinado essencialmente a presos preventivos da região de Lisboa, as condições derivadas da sobrelotação, em particular ao nível regional, condicionam uma impossibilidade de separação de categorias de reclusos, legalmente diferenciadas. De facto, se em 1996 os reclusos em situação de prisão preventiva predominavam, invertendo-se a relação face a condenados em 1998, hoje, segundo dados recolhidos, cerca de dois terços da população afecta ao EP de Caxias está em situação de reclusão preventiva.


Esta natureza mista da população e a ausência de separação, ditada pelo excesso de internados face à capacidade do estabelecimento, suscita algumas dificuldades, que se traduzem no aparecimento de situações como a actualmente vivida.


A sobrelotação é, sem dúvida, um poderoso obstáculo a um tratamento adequado dos reclusos e a uma sua mais digna vivência, com particular relevo ao nível das condições higiénico-sanitárias e prejudicando a capacidade de resposta dos serviços prisionais, em termos de meios humanos e materiais.


Se em 1996 se encontravam alojados em Caxias 510 reclusos e, em 1998, na altura da visita desta Provedoria para elaboração do RSP99, 763, hoje encontraram-se cerca de 650 reclusos, presumindo-se não ter corrido alteração significativa na lotação. Apesar desta ligeira melhoria, desde há dois anos, torna-se impossível pensar que esta diminuição da sobrelotação, de 60% para 40%, possa ser suficiente para eliminar os constrangimentos existentes, quer para limitação do número de ocupantes por alojamento, quer para melhoria das condições do fornecimento de alimentação no reduto norte, quer, finalmente, para melhoria das condições de higiene no reduto sul.


Torna-se útil lembrar que, sem a construção de novas unidades penitenciárias, como algumas já criadas mas ainda não instaladas, e outras que estão em projecto, não se mostra possível eliminar a sobrelotação e, principalmente, estabelecer critérios de separação que propiciem a diferenciação de regimes adequados à reinserção.


Numa outra vertente, mais concretamente quanto ao EP de Caxias, deve-se notar que a esmagadora maioria de quem aí se encontrava em 1998 tinha ligações com a toxicodependência. Para além da necessidade de políticas activas, então recomendadas, de apoio à luta contra este fenómeno, o próprio controlo da entrada e circulação de droga num estabelecimento como este, reconhecido como “de difícil resolução”, face às dimensões e características do mesmo, foi recomendado como uma prioridade nesse campo.


Tal como em 1996, em 1998/99 eram ainda vários os estabelecimentos que não dispunham de um instrumento que codificasse as regras próprias de cada estabelecimento, ultrapassando a dificuldade com que todos, reclusos e pessoal penitenciário, se defrontavam ao tentar aplicar um sem número de disposições avulsas e, por vezes, regras costumeiras. Nessa situação encontrava-se também o EP de Caxias.


Tendo em conta a utilidade manifesta de clarificação das relações dentro de cada estabelecimento, foi recomendada a rápida aprovação e homologação de regulamentos internos, onde estivessem em falta, com a maior participação possível dos vários actores da vida prisional.


Na mesma altura, foi dado o alerta para a escassa sensibilização observável junto da quase totalidade dos reclusos, assim sendo imperiosa a adopção de métodos pedagógicos e de percepção acessível na transmissão do conteúdo das regras regulamentares.


Em si mesma, pois, a aprovação do novo regulamento do EP de Caxias é pertinente, pela inequívoca clarificação que introduz na vida do Estabelecimento.


Enquadrada deste modo a problemática em causa, reportar-me-ei às questões ora levantadas, verificando, em concreto, da bondade das soluções e dos procedimentos havidos.


Em primeiro lugar, quanto às queixas relativas ao condicionamento dos banhos, elas não são novas, sendo atribuíveis à escassez de chuveiros no reduto sul. Trata-se de matéria estranha ao regulamento alvo da actual contestação, que nesta matéria não é inovador.


A este respeito, pondero que, em caso de inexistência de actividade física ou laboral, a regra de banho em dias alternados não é excessivamente limitativa da manutenção das condições de higiene dos reclusos. A este respeito, as regras mínimas das Nações Unidas (aprovadas pelo Conselho Económico e Social desta Organização), prescrevendo a possibilidade de banho “tão frequentemente quanto necessário à higiene geral, de acordo com a estação do ano e a região geográfica”, apenas quantifica em um banho semanal o mínimo inultrapassável. No mesmo sentido vão as Regras Penitenciárias Europeias [recomendação R (87) 3 do Conselho da Europa] Se é defensável, até pela sua importância em termos de aquisição de novos hábitos, a instauração de um regime de banho diário, não posso considerar, neste momento, como criticável uma solução como a adoptada no EP de Caxias, desde que sejam salvaguardados os casos especiais acima indiciados, isto é, dos reclusos que em função da sua actividade profissional, de doença ou da actividade desportiva que licitamente praticam necessitem, por si e também pelos seus vizinhos de alojamento, de proceder a uma higiene diária mais profunda. Neste quadro, julgo que a situação alvo de queixa poderá ser ultrapassada, devendo explicar-se aos demais reclusos a impossibilidade física e a inviabilidade gestionária de solução que a todos abranja a curto prazo.


Em segundo lugar, no que toca ao controlo da entrada e circulação de dinheiro no EP de Caxias, para além de me ter sido relatada a situação anterior, que possibilitava a entrega de numerário, directamente aos reclusos pelas visitas, importa ter em consideração o teor do art.º 9.º, n.º 2, do Regulamento Interno, permitindo, a posse e o gasto máximo de dez mil escudos em dinheiro, por quinzena.


A imposição deste tipo de limite não é inovatória no quadro do sistema prisional, remetendo-se, neste aspecto, para o que se escreveu no Relatório sobre o Sistema Prisional de 1999.


Em si mesma, tendo em conta a possibilidade de, semanalmente, os reclusos adquirirem os bens que entendam em sistema de cantina, sem qualquer limite de utilização do seu fundo disponível, não entendo esta limitação do quantitativo de numerário (passível de ser mobilizado como dinheiro de bolso) como excessivamente restritiva. De facto, não creio que seja difícil uma previsão semanal da qualidade e quantidade de bens que serão necessários, ficando para o limite dos referidos dez mil escudos, praticamente, o gasto no bar em cafés, outras bebidas permitidas e produtos análogos de utilização corrente.


Por outro lado, sou sensível à necessidade de se limitar, em termos preventivos a circulação de meios de pagamento no interior do estabelecimento, para a manutenção da ordem e segurança no mesmo.


Mas se esta solução não é de rejeitar, julgo que a melhor solução seria, tal como recomendado em 1999, a experimentação e eventual implementação da utilização do cartão de utente da DGSP com função de porta-moedas electrónico associada. Tal eliminaria constrangimentos administrativos do controlo da conta-corrente de cada recluso, seria um meio seguro de pagamento e evitaria os efeitos danosos que, justamente, se temem da circulação de numerário nos estabelecimentos prisionais.


Resta abordar, enfim, a questão do fornecimento de alimentação por entidades estranhas aos serviços penitenciários, designadamente pelas famílias.


A matéria da alimentação é das mais sensíveis no dia-a-dia do sistema, pelas críticas generalizadas que são feitas à qualidade e quantidade das refeições servidas, bem como quanto à sua adequação à população servida.


Nesta aspecto, se em termos físicos as instalações do EP de Caxias mereceram nota negativa em 1999, bem como a ausência de refeitório no reduto Norte, com a consequente necessidade da toma de refeições nas celas e camaratas, “ao arrepio dos mais elementares princípios de dignidade e das regras de higiene” e a inexistência de apoio de dietista, não é menos verdade que na altura dessa visita a quantidade e qualidade da alimentação pareceu boa. A mesma apreciação foi retirada da análise da refeição servida ao jantar em 3 de Janeiro do corrente ano, durante a visita efectuada e a que se reporta este relatório. Também agora se teve notícia da existência de visitas de dietista, a última das quais nestes últimos dias.


Admite-se, contudo, tal como em 1999, que as condições físicas do EP propiciem também uma deterioração da qualidade da alimentação, desde o momento em que é confeccionada até àquele em que é efectivamente consumida. Na verdade, a inexistência de refeitório no reduto Norte, leva a admitir que o transporte da comida para as camaratas pode resultar numa diminuição da respectiva qualidade, o mesmo acontecendo com os reclusos em RAVI. No reduto Sul é de admitir que essa diminuição qualitativa possa resultar também do transporte, uma vez que a cozinha está localizada no reduto Norte.


O decreto–lei 265/79, ainda em vigor, dispõe no seu art.º 24.º, n.º 1, a regra de que é aos serviços prisionais que compete fornecer a alimentação, proibindo a sua recepção do exterior (art.º 26.º, n.º 1). O diploma prevê algumas excepções, de entre as quais releva a do art.º 26.º, n.º 2, quanto ao tipo de géneros aí descrito (frutas, bolos, etc.).


Desconheço se no actual processo de revisão do diploma de execução de penas se estará a equacionar de modo diverso esta questão. Julgo, contudo, sem prejuízo de ulterior ponderação, que esta regra mantém um sentido útil.


Na verdade, sou sensível às razões invocadas quanto ao combate ao tráfico de droga e à necessidade de assegurar as condições sanitárias de conservação dos alimentos fornecidos nas circunstâncias alvo desta proibição.


A circulação entre o interior e o exterior de uma cadeia deve ser adequadamente limitada, evitando-se a abertura de portas por onde sejam introduzidas substâncias proibidas, danosas que são, quer para quem as consome, quer para o ambiente vivido no próprio estabelecimento. Também a circunstância de inexistirem nas celas e camaratas dispositivos de refrigeração ou de aquecimento, sendo notórias as condições de degradação da higiene e qualidade dos alojamentos face à sobrelotação, aconselham a que se evite a proliferação de géneros alimentícios do tipo ora considerado.


Por último, no quadro dos fins das penas, julga-se inconveniente uma diferenciação entre reclusos no que respeita ao aspecto alimentar, permitindo porventura a quem tenha mais apoio familiar, ou mais possibilidades económicas, a adopção de um comportamento pouco consentâneo com os fins de reinserção e com a sã convivência com os seus companheiros.


De todo o modo, trata-se de norma legal em vigor e, neste aspecto, o regulamento em causa não é inovatório, limitando-se a dar-lhe cumprimento.


Noto ainda que a excepção prevista no art.º 26.º, n.º 2, do supra citado decreto–lei obtém cumprimento no art.º 14.º, n.º 3, do Regulamento Interno, sendo permitida a entrada de vários géneros aí elencados, como fruta, bolos, presunto, fumeiros, pães e bolachas, em termos que não merecem crítica.


Resta mencionar uma outra grande excepção prevista na lei, a do art.º 214.º, que inverte a regra, no que aos presos preventivamente diz respeito.


Face a estes, o art.º 14.º 4, do Regulamento Interno, permite a entrada, a expensas suas, de refeições confeccionadas no exterior, desde que devidamente acondicionadas e permitindo a fiscalização, para consumo imediato. Estabelece-se ainda a necessidade de autorização do Director.


Creio que neste art.º 14.º, n.º 4, está boa parte da razão dos protestos actualmente vividos. Na reunião levada a cabo no EP de Caxias, foi contudo possível aclarar alguns aspectos não directamente perceptíveis da leitura do regulamento, muito menos para quem, como a grande maioria dos reclusos, não detém habilitações escolares que propiciem uma imediata e clara compreensão das normas jurídicas (em 1998, 70% da população internada em Caxias possuía apenas o ensino básico). Por isso mesmo, deve ser sempre feito um esforço de esclarecimento, que lhes permita participar na interiorização das normas jurídicas a que todos devemos obedecer num Estado de Direito.


Assim, nessa reunião, foi possível clarificar que:








a) a autorização da Direcção não era necessária para o fornecimento de cada refeição, mas sim dada apenas de uma só vez, sendo válida pelo período de permanência no EP em regime de prisão preventiva;


b) o objecto da referida autorização seria apenas, e exclusivamente, a verificação da existência de condicionalismos médicos que obstassem ao fornecimento de algum tipo de alimentos, em paralelo com a eventual necessidade de fornecimento de dieta, caso a alimentação fosse a do próprio estabelecimento;


c) seria lícito ao recluso, mediante a subscrição de termo de responsabilidade, prescindir dessa verificação médica e, consequentemente, beneficiar nesses termos da autorização automática da Direcção.



Entendida a questão nestes termos, não creio que seja possível contestar a razoabilidade desta medida, sendo adequado, aliás, entender em termos hábeis a exigência do consumo imediato, designadamente, permitindo, face ao caso concreto, que uma refeição fornecida à hora do almoço possa servir para o jantar do mesmo dia.


Admito, também, que, se a questão tivesse sido colocada inicialmente nestes termos, os protestos da população prisional não teriam sido os mesmos.


De facto, relevam aqui muitíssimo as questões atinentes ao procedimento havido durante o processo de divulgação deste Regulamento Interno, que não terá sido o melhor.


Tratava-se de aprovação de instrumento com conteúdo mais restritivo para os reclusos do que a situação anteriormente vivida, correspondendo a esse aumento de adstrições uma necessidade de melhor as explicar, assim aumentando a legitimação das decisões tomadas, meio também útil de reinserção.


Ora, segundo se apurou, este Regulamento Interno apenas terá sido distribuído uma semana antes da sua entrada em vigor, período de tempo curto para uma correcta transmissão do seu conteúdo através dos canais próprios, em primeiro lugar a Direcção, mas também os serviços de educação e ensino e os serviços de vigilância, no contacto diário com os reclusos. Provavelmente, a interiorização das novas regras através dessa informação directa permitiria atenuar os efeitos que a publicitação seca de um conjunto de regras, sempre desagradáveis para quem já está privado de liberdade e que, à partida, não entende a necessidade de mais restrições, terá acabado por provocar no caso concreto (ou, pelo menos, ampliar).


Mais a mais, a divulgação levada a cabo foi feita com um importante vício. Assim, o actual n.º 4 do art.º 14.º, relativo à situação dos presos preventivos não existia de todo na versão primeiramente distribuída. Só depois dos protestos se terem iniciado foi corrigido esse lapso da versão inicial do Regulamento Interno.


Julgo evidente que a omissão de norma, mais favorável que a regra divulgada, respeitante a dois terços da população prisional não pode deixar de ter tido influência no evoluir da situação. Tudo isto ganha ainda outra luz se se pensar que a versão originária do regulamento seria ilegal, por violação do art.º 214.º do decreto–lei 265/79, o que mais força conferiu a um protesto que, em si mesmo e nessa medida, era legítimo.


Crê-se, assim, que a divulgação da nova versão do art.º 14.º, com as precisões acima acordadas na reunião de 3 de Janeiro e complementada com o que acima deixei escrito, com a pedagogia adequada, com o envolvimento de toda a estrutura do estabelecimento, a começar pela sua Direcção, permitirá ultrapassar o presente equívoco – o que se espera e confia seja o objectivo de todos.


É claro que a circunstância de inexistir separação entre preventivos e condenados não facilita esta distinção de regimes. A esse respeito, reafirma-se a necessidade do rápido aumento da capacidade penitenciária na região de Lisboa, designadamente pela abertura do EP da Carregueira, que, à altura da elaboração do RSP99, estava prevista para o final desse ano. Doze meses que estão volvidos sobre esse termo, as 550 vagas em causa seriam da maior importância para o apoio ao EP de Caxias e ao EPL, propiciando uma separação entre preventivos e condenados, adequada ao critério legal actualmente em vigor.


Do mesmo passo, torna-se imperiosa a rápida revisão do sistema legal de execução de penas. Estou ciente de que a Comissão respectiva está a prosseguir os seus trabalhos, tendo-me Vossa Excelência informado que para breve estaria a apresentação de um Projecto. Estou confiante em que assim seja, por adiada em demasia que foi essa fase, independentemente da bondade dos argumentos apresentados, como seja a prioridade conferida à questão dos menores. De facto, não posso esquecer que, em meados de 1998, existia uma previsão para a apresentação e eventual aprovação do projecto em apreço, ainda durante a legislatura então em curso.


Esta alteração do regime legal prende-se com a percepção da desactualização do diploma hoje em vigor. Diploma sem dúvida generoso no seu tempo, sofreu com a erosão dos 21 anos passados, com a significativa alteração da realidade nacional e, concomitantemente, da realidade prisional. Numa perspectiva de legitimação do seu cumprimento, será possível aos reclusos questionarem-se sobre a necessidade da estrita aplicação de regras do diploma, quando outras, constantes do mesmo, são consabidamente desrespeitadas (v. g., quanto à natureza do alojamento ou quanto à separação). Manifestamente, o decreto–lei 265/79 contém regras que estão, em graus muito diversos, dependentes da disponibilidade de condições materiais para o seu cumprimento, não sendo por isso correcto desculpabilizar o incumprimento de uma norma com a falta de cumprimento de outra. É, no entanto, pretexto para que, quem cometeu ou terá cometido actos que indiciam a necessidade de interiorização do valor das regras jurídicas, não se sinta minimamente motivado a alterar os seus padrões de comportamento. E esta motivação que falha é “o alfa e o ómega” da razão de ser do sistema penitenciário.


 





Senhor Ministro da Justiça,


Excelência


Competindo ao Provedor de Justiça uma tarefa e um propósito firme de mediação nas relações entre os poderes públicos e os cidadãos, feitas as averiguações expeditas que entendi necessárias, permito-me, em conclusão, fazer notar a Vossa Excelência a necessidade de:








a) Ser dada a mais ampla divulgação ao real conteúdo do art.º 14.º do Regulamento Interno do EP de Caxias, com a utilização de todos os meios do Estabelecimento, a começar pela sua Direcção, no sentido de eliminação dos equívocos gerados pelo processo empregue para a sua publicitação, bem como pela versão errónea primeiramente distribuída. Afigura-se-me a todos os títulos vantajoso explicar, elucidar e corrigir interpretações dúbias ou equívocas, naturalmente sob condição de que o direito a uma informação completa e transparente se exerça em condições de normalidade na situação prisional.


b) Em futuros processos de publicação de novos regulamentos internos, ainda que apenas consagrando e adaptando as soluções legalmente impostas, serem tomados em considerações os ensinamentos do presente caso, designadamente com a utilização de todos os meios disponíveis para a correcta compreensão do alcance e fundamento das regras por parte dos seus mais directos destinatários;


c) Ser acelerada a aprovação ou alteração de regulamentos internos, onde seja necessário, de modo a evitar-se disparidade injustificada de critérios entre estabelecimentos, propiciando sentimentos de desigualdade e injustiça;


d) Ser concretizada a análise e implementação do uso do cartão de utente como meio de pagamento dentro dos estabelecimentos prisionais;


e) Ser feito, a curto prazo, um esforço de reordenamento organizativo tendente à minimização dos efeitos sofridos em relação ao banho não diário, mormente nos casos mais significativos a que acima aludi, de actividade física, profissional ou situação de doença.



Na perspectiva mais global de resolução dos problemas mais prementes que afectam o sistema prisional, em geral, e o EP de Caxias, em particular, escuso-me de reiterar a necessidade de ser dado cumprimento a todo o vasto conjunto de recomendações já dirigidas ao antecessor de Vossa Excelência e acatadas na sua generalidade em 1999, em especial daquelas que mais directamente aqui estão envolvidas. Permito-me salientar, em graus distintos, a revisão da Lei Penitenciária e a entrada em funcionamento do EP da Carregueira que para o EP de Caxias significaria decerto uma oportunidade única de desbloqueio de algumas das questões mais prementes que agora vieram de novo à praça pública.


Com o único objectivo de procurar a normalização, por todos decerto desejada, no EP de Caxias, dei instruções aos meus colaboradores para que, em nova visita àquele Estabelecimento, contactassem a Direcção deste e representantes dos reclusos, dando-se-lhe nota deste relatório, em primeira mão enviado a Vossa Excelência.


Com os melhores cumprimentos,


O Provedor de Justiça,


H. Nascimento Rodrigues