ANOTAÇÃO


Proc.º: R-2195/06


Assunto: Responsabilidade civil. Perturbações no fornecimento de energia eléctrica. Danos causados em equipamentos eléctricos. Pedido de indemnização.


Objecto: Pedido de indemnização dos danos causados em equipamentos eléctricos em virtude de anomalias registadas na rede eléctrica.


Decisão: A instrução do processo promovida junto do Conselho de Administração da “EDP Distribuição – Energia, S.A.” permitiu concluir que só pela via judicial poderá ser imputada a essa empresa a responsabilidade pelos danos causados.



Síntese:



1. Foi solicitada a intervenção do Provedor de Justiça por clientes da EDP, tendo em vista o ressarcimento dos danos causados em equipamentos eléctricos, na sequência de interrupções no fornecimento de energia eléctrica.



2. Após audição do Conselho de Administração da “EDP Distribuição – Energia, S.A.”, acabou por concluir-se que o único meio que poderá viabilizar o pedido de indemnização passará pelo recurso à via judicial.



3. Para que seja possível imputar a qualquer pessoa, singular ou colectiva, a responsabilidade civil necessária ao nascimento do dever de indemnizar, devem estar preenchidos vários pressupostos legalmente estabelecidos que se prendem, desde logo, com a prática de um facto ilícito e com a existência de um nexo de causalidade entre esse facto e os danos verificados.



4. Transpondo essa exigência para o caso concreto, ter-se-ia que demonstrar que a EDP – enquanto entidade responsável pela rede de distribuição de energia eléctrica – não cumpriu com os deveres de assegurar a continuidade da prestação desse serviço com qualidade e em condições de segurança para pessoas e bens, sendo certo que, sempre que casos fortuitos ou de força maior contribuam para anomalias no fornecimento ou sempre que se detectem situações imputáveis aos próprios utentes da rede – como por exemplo, defeitos pré-existentes nos aparelhos eléctricos, instalações eléctricas em condições deficientes, ou ausência de extensões contra picos de corrente – estará excluída a responsabilidade da entidade fornecedora (1).



5. Essa tem sido a posição da nossa jurisprudência, que tem vindo a exigir a demonstração de que a interrupção abrupta no fornecimento de energia eléctrica foi causa adequada e única da produção dos danos para que se possa responsabilizar a EDP.



6. Atentas as dificuldades – desde logo sob o ponto de vista técnico – em demonstrar a existência desse nexo de causalidade, têm vindo a ser utilizados alguns critérios que poderão ajudar a determinar as consequências desse tipo de anomalia na rede eléctrica.



7. Como têm vindo a referir a ERSE e a Direcção-Geral de Energia, se considerarmos a tipologia da rede de distribuição de energia eléctrica, o que é estabelecido para um cliente estende-se a todos os clientes ligados à mesma linha de alimentação, o que significa que, existindo uma perturbação na rede, ela propaga-se a todos os clientes ligados à rede comum, tornando-se assim mais provável que a causa dos danos seja atribuída à rede de distribuição quando a perturbação afectou, pelo menos, alguns clientes vizinhos.



8. Daí que a EDP tenha utilizado o argumento de que, a ausência de outras reclamações na zona onde se verificou a anomalia na rede eléctrica, corrobora o entendimento de que a interrupção verificada não originou uma variação de tensão superior aos limites regulamentares que a possa fazer incorrer no dever de indemnizar.



9. Por outro lado, e ainda segundo a empresa de distribuição, mesmo que se admita a verificação de uma “sobretensão de manobra”, devida à reposição do fornecimento, a qualidade da onda de tensão manteve-se sempre dentro dos padrões regulamentares.



10. Haverá assim que concluir que a interrupção do fornecimento de energia eléctrica não constitui, por si só, causa de danos em equipamentos eléctricos, que devem ser concebidos segundo normas técnicas que os protejam contra cortes regulamentares no abastecimento de energia, ou seja, que não afectem as características da tensão de alimentação, sendo certo que, em caso de especial fragilidade dos aparelhos, devem os clientes protegê-los com equipamento adequado.



11. Acresce ainda que o abastecimento de energia eléctrica, embora sujeito ao princípio da continuidade de fornecimento, pode ser interrompido por diversas razões previstas na legislação aplicável ao sector eléctrico, designadamente casos fortuitos ou de força maior, imperativos de serviço ou questões de segurança.



12. Não pode assim deduzir-se automaticamente que os cortes no abastecimento se devem sempre a comportamentos negligentes da parte da EDP ou dos seus funcionários, devendo antes apreciar-se de forma casuística os motivos que poderão justificar essa interrupção.



13. Tal tarefa, que deverá passar pela apreciação técnica da extensão e das consequências da interrupção abrupta no fornecimento de energia eléctrica, cabe aos tribunais, designadamente através da ponderação da prova que possa vir a ser produzida a este respeito.



14. Por esse motivo, restará aos clientes afectados pela anomalia verificada na rede eléctrica equacionar a hipótese de expôr a respectiva pretensão de indemnização junto dos competentes órgãos jurisdicionais, caso se afigure possível a demonstração cabal de que tal anomalia foi causa directa e única dos danos verificados.



15. Perante a impossibilidade de se aferir, em concreto, a presença do nexo de causalidade necessário e demais pressupostos essenciais à imputação de responsabilidades à EDP, foi determinado o arquivamento do processo.


  


 





Notas de rodapé:


(1) Neste sentido, cfr. Regulamento da Qualidade de Serviço, aprovado pelo Despacho n.º 5255/2006, da DGGE, de 8.03.2006, na sequência dos Regulamentos anteriores de idêntico teor.


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