PARECER


Processo: R-2605/06
Área: A2


Assunto: Consumo. Televisão. Transmissões televisivas do Campeonato do Mundo de Futebol 2006. Codificação do canal M6.


1. O processo em referência foi aberto para apreciação de diversas queixas dirigidas ao Provedor de Justiça a propósito da decisão tomada pela empresa CATVP-TV Cabo Portugal, SA (TV Cabo) no sentido de cortar o sinal de retransmissão do canal da estação por cabo francesa M6, sempre que decorria a transmissão de jogos do Campeonato do Mundo de Futebol 2006.



2. A situação em causa levou a numerosos protestos contra o referido operador (1), que, de acordo com os queixosos, estaria contratualmente obrigado a assegurar o acesso integral ao canal M6 – canal que actualmente integra o pacote de estações de sinal aberto disponibilizado pela TV Cabo (2) – ou, pelo menos, a avisar atempadamente os assinantes da restrição em causa.



3. Concluída a apreciação das queixas recebidas, bem como de vários outros elementos entretanto recolhidos por este órgão do Estado, cabe salientar o seguinte:




a) Como já se verificou no âmbito da instrução do processo R-2292/06 (A2) (3), os direitos exclusivos de transmissão televisiva para o território nacional relativos à totalidade dos jogos do Campeonato do Mundo FIFA 2006 foram adquiridos pela Sport TV Portugal, S.A. (Sport TV) à empresa suíça Infront Sports & Media;



b) Conforme se observa no respectivo site, a Sport TV é um canal de televisão codificado que se dedica à transmissão, em directo e exclusivo, de eventos desportivos de alta competição;



c) Na sequência desta aquisição, a Sport TV veio a facultar o acesso de outros operadores nacionais de televisão a alguns destes direitos, designadamente à SIC – que adquiriu os direitos exclusivos de transmissão em sinal aberto de 13 jogos (4) – e à RTP – que adquiriu os direitos exclusivos de transmissão em sinal aberto dos resumos alargados de todos os jogos do campeonato;



d) O procedimento descrito na alínea precedente traduz o cumprimento pela Sport TV do disposto no n.º 2 do art.º 28.º da Lei da Televisão (Lei n.º 32/2003, de 22 de Agosto), o qual, visando salvaguardar o acesso televisivo da generalidade da população a acontecimentos de maior relevo social, impõe aos operadores de televisão que emitem em regime de acesso condicionado a obrigatoriedade de, relativamente a acontecimentos que sejam qualificados de interesse generalizado do público, ceder os respectivos direitos exclusivos aos operadores que, emitindo por via hertziana terrestre, com cobertura nacional e acesso não condicionado, estejam interessados na sua transmissão (5);



e) Como é do domínio público (6), tratando-se de direitos de transmissão apenas para o território português, não podem os operadores nacionais (Sport TV, SIC e RTP) transmitir qualquer jogo ou resumo no seu sinal internacional, sob pena de estarem a colidir com os direitos de transmissão adquiridos pelas estações de outros países (de acordo com o veiculado na imprensa, tais direitos foram adquiridos por operadores de mais de 150 países);



f) Em contrapartida, não podem também aos operadores estrangeiros que tenham adquirido os direitos de transmissão para os seus países (como é o caso do M6 em França, da RAI em Itália e da ARD, ZDF e RTL na Alemanha) emitir os jogos ou resumos em causa no território português;



g) Nestas circunstâncias, não surpreende que, perante a difusão em sinal aberto do segundo jogo realizado no dia 9 de Junho (Polónia-Equador), data em que teve início a competição, a Sport TV, na defesa dos seus direitos – estamos no campo dos direitos de autor e conexos – haja prontamente reagido junto da FIFA, com a subsequente codificação do canal M6 desde o segundo dia da competição.



h) Nada havendo, assim, a apontar à Sport TV, o que dizer da actuação da TV Cabo face aos seus clientes?



i) Ora, tomando como ponto de partida as condições gerais de adesão e prestação dos serviços TV Cabo (7), é possível observar que aos clientes é atribuído o direito de aceder à generalidade dos canais de televisão que, em cada momento, integrem o serviço de televisão fornecido, tal como emitidos e enquanto o respectivo sinal esteja disponível para retransmissão (cfr. cláusula 3.8), e no cumprimento pontual e integral do disposto na legislação nacional e internacional aplicável, nomeadamente da relativa a direitos de autor e direitos conexos (Cf. cláusula 10.3);



j) Por outro lado, referiam os queixosos que, sempre que ocorria a suspensão da retransmissão do jogos do mundial pelo canal M6, era difundida uma mensagem a esclarecer que, em Portugal, os respectivos direitos haviam sido atribuídos à Sport TV;



k) Decorre também do processo que, quando questionada sobre o assunto, a TV Cabo transmitiu, por escrito, aos seus clientes que a codificação do canal M6 sempre que decorria um jogo do mundial se devia ao facto de este canal não ter qualquer acordo de transmissão dos jogos para Portugal, já que tais direitos pertenciam à Sport TV e à SIC;



l) Como resulta ainda de queixa apresentada por assinante da Pluricanal, o procedimento da TV Cabo não diferiu do de outros operadores de televisão por cabo (8);



m) A situação em causa não é sequer original, já que também o canal RAI 1 veio a codificar a retransmissão, no nosso país, dos jogos do Mundial de 2002.


4. Não se afigurando, assim, que a actuação do operador visado envolva violação de lei ou incumprimento contratual (9), não se vê justificação para o prosseguimento da intervenção deste órgão do Estado nos termos pretendidos pelos impetrantes, razão pela qual, merecendo as conclusões obtidas e respectivos fundamentos a concordância do Senhor Provedor de Justiça, deve o processo ser arquivado e os interessados elucidados em conformidade.



 


 





Notas de rodapé
:


(1) Na sua edição de 17.06.2006, o semanário “Expresso” refere que, apenas na primeira semana do campeonato, a DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor recebeu 115 reclamações.
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(2) Cf. grelha de canais TV Cabo.
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(3) Processo arquivado em 30.05.2006, que tinha por objecto a decisão tomada pela Sport TV Portugal, SA no sentido de não autorizar a passagem de quaisquer imagens televisivas do Campeonato do Mundo FIFA 2006 em locais públicos e/ou ecrãs gigantes.
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(4) Cf. calendário com indicação dos jogos em causa.
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(5) Pelo Despacho n.º 22620-A/2005, publicado em 31.10.2005 (II Série), de harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 28.º da Lei da Televisão, foram qualificados de interesse generalizado do público os jogos oficiais da Selecção Nacional A de Futebol (cfr. alínea a) do n.º 1) e as cerimónias de abertura e de encerramento, bem como os jogos de abertura, quartos-de-final, meias-finais e final do XVIII Campeonato do Mundo de Futebol, organizado pela FIFA (cfr. alínea c) do n.º 1).
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(6) Vd. notícia publicada pelo jornal “Record” em 05.06.2006.
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(7) Vd. “Condições Gerais de Adesão e Prestação dos Serviços TV Cabo”, constantes do site da entidade reclamada e aprovadas pelo ICP-ANACOM, de harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 39.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas).
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(8) Ainda de acordo com o semanário Expresso, também a Cabovisão e Tv Tel suspenderam o sinal do M6.
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(9) A esta conclusão chegou também a DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor.
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