PARECER


Proc.º: R-2913/06
Área: A6
Assessora: Maria Eduarda Ferraz


Assunto: Exercício do poder disciplinar.



Reporto-me à comunicação de V.ªs Ex.ªs com a referência e a data acima assinaladas, na parte específica respeitante ao assunto também identificado em epígrafe, para esclarecer do que segue.



Afirmam V.ªs Ex.ªs, na exposição que me foi dirigida, que nos procedimentos disciplinares instaurados contra agentes da PSP, que cumulativamente detêm a qualidade de delegados sindicais, se recorre sistematicamente à aplicação das normas do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado em anexo à Lei n.º 7/90, de 20 de Fevereiro, e não à aplicação do regime aprovado pela Lei n.º 14/2002, de 19 de Fevereiro, diploma que regula designadamente o exercício da liberdade sindical na PSP, sendo as primeiras sistematicamente aplicadas em detrimento deste último. Ilustram V.ªs Ex.ªs essa alegação com o caso concreto que envolveu a acusação de que foi alvo o Senhor Agente A…, no âmbito de procedimento disciplinar que lhe foi instaurado por determinadas declarações prestadas a órgãos de comunicação social.



No entanto, resultará da própria leitura do documento daquela acusação que a mesma foi também fundamentada na Lei n.º 14/2002, já acima referida, e não apenas no Regulamento Disciplinar da PSP, melhor dizendo, foi fundamentada com base na aplicação conjugada dos dois referidos diplomas.



De facto, a Lei n.º 14/2002 prevê, no respectivo art.º 3.º, um conjunto de restrições ao exercício da liberdade sindical, atendendo à natureza e missão da PSP, que incluem a proibição de serem feitas, pelos agentes, declarações que designadamente “afectem a subordinação da polícia à legalidade democrática, bem como a sua isenção política e partidária”, e “sobre matérias de que [os agentes] tomem conhecimento no exercício das suas funções e constituam segredo de Estado ou de justiça ou respeitem a matérias relativas ao dispositivo ou actividade operacional da polícia classificadas de reservado nos termos legais”.



Ora, nos termos da acusação – o Provedor de Justiça não tem possibilidade de avaliar se a lei foi bem ou mal aplicada, já que não dispõe de informação sobre se as declarações do agente em causa entram no rol das matérias focadas nos referidos normativos (1) –, o agente em causa não terá alegadamente respeitado as limitações mencionadas e, nessa medida, não beneficiará da protecção que, ao abrigo do regime da Lei n.º 14/2002, lhe era conferido como dirigente sindical. Na verdade, o estatuto sindical, fundado no regime legal em questão, como que integra uma cláusula de exclusão da ilicitude dos actos praticados pelos agentes, quando investidos em funções sindicais.



Todavia, esse benefício, de que não goza o comum dos agentes policiais, restringe-se aos termos admitidos pela Lei n.º 14/2002. Se os extravasa, assim se aplicando uma das excepções à liberdade sindical mencionadas no citado art.º 3.º, cessa qualquer obstáculo à aplicação das normas do Regulamento Disciplinar da PSP, designadamente sancionatórias.



Ou seja, explicando de outro modo,



1) como a qualquer agente da PSP, um delegado sindical, que não deixa de deter o mesmo vínculo à corporação policial, está potencialmente dentro do campo de aplicação do Estatuto Disciplinar, designadamente podendo ser punido pelo exercício da liberdade de expressão em desobediência às restrições legalmente estatuídas;


2) todavia, pela sua qualidade de sindicalista, as limitações na liberdade de expressão que existem são, em regra, levantadas, por aplicação do regime-regra da Lei n.º 14/2002;


3) cessa essa restrição à restrição quando, conforme expressamente estabelecido na Lei n.º 14/2002, se esteja perante o exercício da liberdade de expressão que, excepcionado da regra enunciada no n.º 2, recaia, assim, dentro da regra geral do n.º 1.


Assim, ao violar, nos termos que constam da acusação – e cuja bondade, como disse, o Provedor de Justiça não tem possibilidade de avaliar –, as referidas disposições da Lei n.º 14/2002, o agente em causa ter-se-á recolocado no âmbito de aplicação do Regulamento Disciplinar, já que, por ter infringido o disposto no art.º 3.º da Lei n.º 14/2002, deixou de beneficiar das particulares garantias concedidas por este diploma ao agentes da PSP quando investidos em funções de alguma forma associadas à actividade sindical. Reparem V.ªs Ex.ªs que o art.º 4.º da Lei n.º 14/2002, precisamente sob a epígrafe “Garantias” refere expressamente que “o pessoal da PSP com funções policiais não pode ser prejudicado, beneficiado, isento de um dever ou privado de qualquer direito em virtude dos direitos de associação sindical ou pelo exercício da actividade sindical, sem prejuízo do disposto no artigo anterior(sublinhado meu), isto é, sem prejuízo do disposto no acima mencionado art.º 3.º que, conforme referido, contém um conjunto de restrições ao exercício da liberdade de expressão no âmbito sindical.



Foi isto que efectivamente sucedeu no âmbito da acusação em apreço, correctamente em termos de forma, mas bem ou mal, em termos substantivos, reiterando que, na perspectiva estrita colocada por V.ªs Ex.ªs e abordada no presente ofício, não me merece reparo. Quanto à decisão em si, isto é, quanto à questão de saber se a lei foi ou não bem aplicada ao caso concreto, uma eventual impugnação judicial poderá analisar da justeza ou não dessa decisão.



 


 





Notas de rodapé
:


(1) Além de que as matérias respeitantes ao segredo de justiça, bem como as questões relativas à segurança e à defesa, poderão, nos casos devidamente justificados pelos órgãos competentes, invocando interesse superior do Estado, ser subtraídas à possibilidade de actuação do Provedor de Justiça (art.º 29.º, n.º 3, do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril).


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