PARECER


Entidade Visada: Anacom – Autoridade Nacional de Comunicações; PT – Comunicações, S.A.; EDP –Distribuição de Energia, S.A.
Proc.º: R-36/04
Área: A1




Assunto: Ordenamento do território – servidões administrativas – propriedade privada – concessionárias de serviços públicos – empresas privadas prestadoras de serviços de interesse geral – telecomunicações – distribuição de energia eléctrica.



 


§ 1.º
Descrição da queixa



1. Foi solicitada a intervenção do Provedor de Justiça por se considerar injusto que as empresas concessionárias da distribuição de energia eléctrica e do estabelecimento de infra-estruturas de telecomunicações obtenham lucros através da cedência de direitos de utilização de servidões administrativas, constituídas em nome da utilidade pública, sem partilharem as receitas auferidas com os proprietários dos prédios servientes.


2. Contestava-se que a EDP, Distribuição de Energia, SA (EDP) e a Portugal Telecom (PT) permitissem o acesso a equipamento instalado em terrenos particulares e recebessem por esse facto proventos que não partilham com os proprietários particulares.


3. Em suma, referia-se o seguinte quanto à actividade da concessionária do serviço de distribuição de energia eléctrica:




a) A EDP tem vindo a celebrar contratos com empresas privadas, ao abrigo dos quais procede à locação dos postes de electricidade instalados em terrenos privados (em nome da utilidade pública), para o estabelecimento de linhas de comunicações, obtendo elevados benefícios económicos;


b) Tais negócios movimentam montantes avultados a favor da EDP;


c) Nestes casos, uma vez que não está em causa a utilidade pública, os proprietários dos prédios servientes também deveriam receber contrapartidas pela celebração desses contratos.


4. E relativamente à actividade da concessionária dos serviços de distribuição de telecomunicações, reclamava-se o seguinte:




a) A PT procede à locação de linhas telefónicas e postes que atravessam terrenos públicos e particulares a vários operadores de telecomunicações, auferindo lucros significativos com esses contratos;


b) A implantação, passagem e atravessamento de sistemas, equipamentos e demais recursos dos domínios público e privado municipal pode dar origem ao estabelecimento da taxa municipal de direitos de passagem (artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro – Lei das Comunicações Electrónicas) que reverte a favor dos municípios;


c) Ora, nas situações em que estão em causa interesses privados, os proprietários dos prédios servientes – à semelhança do que sucede com os municípios – deveriam receber contrapartidas pela celebração destes contratos;


d) A situação assemelha-se à da colocação de antenas por operadores privados em terrenos particulares, a qual dá lugar ao pagamento de uma indemnização.




§ 2.º
Justificação das entidades visadas



EDP



1. Em resposta ao pedido de esclarecimentos da Provedoria de Justiça, a EDP afirma já ter autorizado empresas de distribuição de televisão por cabo a utilizarem apoios das suas redes de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, para neles apoiarem os cabos das respectivas redes de transporte e distribuição de sinal de televisão.


2. Segundo a EDP, tal autorização salvaguardou sempre a afectação prioritária das infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em causa ao serviço público.


3. E acrescenta que, daquele modo, reduz-se o impacte ambiental da construção de novas infra-estruturas específicas para o transporte e distribuição do sinal de televisão, racionalizando infra-estruturas já existentes e evitando a constituição de ónus ou encargos para os prédios a utilizar.


4. Por outro lado, responde a EDP que tais autorizações foram condicionadas à obtenção prévia, pelos operadores, de todas as autorizações administrativas necessárias ao estabelecimento das redes, do acordo dos municípios e dos proprietários sempre que onerassem prédios privados (apesar de utilizarem preferencialmente bens do domínio público).


5. Finalmente, informa que as condições financeiras acordadas com os respectivos operadores visaram apenas compensar a descrita utilização de infra-estruturas da EDP, constituindo uma mera contrapartida pelos encargos associados à mesma, nomeadamente, deteriorações decorrentes da utilização e desgaste natural.



PT



6. A questão da cobrança de taxas pelos municípios por direitos de passagem e a sua inclusão nas facturas dos clientes finais (artigo 106.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro), está a ser objecto de estudo noutro processo da Provedoria de Justiça, a cargo da área 2 (R-1687/05).


7. Assim, das questões suscitadas pelo reclamante, relativamente à actividade da PT, circunscrevemo-nos à análise do regime aplicável ao acesso pelas “operadoras privadas” às instalações da concessionária colocadas em terrenos privados.


8. Sobre as questões suscitadas procedemos à audição da Portugal Telecom SGPS, SA.


9. Vem aquela empresa opor que as linhas e postes integram a rede básica de telecomunicações, cujo desenvolvimento e exploração se encontram atribuídos à PT Comunicações, SA, ao abrigo do respectivo contrato de concessão.


10. Nesse âmbito, constitui direito da concessionária requerer a constituição de servidões administrativas e aceder a terrenos privados, sempre que tal se mostre necessário ao cumprimento das obrigações da concessão (artigo 14.º, n.º 2, da Lei n.º 91/97, de 1 de Agosto (1)).


11. A PT contestou que fosse feita a locação de linhas a outros operadores, afirmando que as mesmas se destinam à prestação de serviços de telecomunicações aos seus assinantes.


12. No que respeita a postes, confirmou que tem vindo a ceder, pontualmente, a sua utilização a alguns operadores de televisão por cabo, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 241/97, de 18 de Setembro (2).


13. Tal diploma foi revogado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas) que também prevê a obrigação da concessionária do serviço público de telecomunicações disponibilizar, por acordo, às empresas que fornecem redes e serviços de telecomunicações acessíveis ao público, o acesso a condutas, postes e outras instalações e locais de que seja proprietária ou cuja gestão lhe incumba, para instalação ou manutenção dos seus sistemas, equipamentos e demais recursos.


14. E, ao contrário do que sucede com a implantação de infra-estruturas de telecomunicações nos domínios público e privado municipal, que podem dar lugar ao estabelecimento de uma taxa municipal de direitos de passagem, nenhuma disposição prevê o pagamento de qualquer forma de remuneração aos particulares nos casos em que ocorra a implantação de infra-estruturas em terrenos da sua propriedade.


15. Daqui conclui a PT não se encontrar obrigada a proceder ao pagamento de uma remuneração dos particulares.



ANACOM



 16. Precedeu-se ainda à audição da ANACOM, considerando as competências que a Lei das Comunicações Electrónicas lhe atribuiu, enquanto autoridade reguladora nacional, em matéria de fiscalização do cumprimento do mesmo diploma.


17. Veio esta entidade reguladora invocar, a propósito do acesso a terrenos privados, o direito que assiste às empresas que oferecem redes e serviços de telecomunicações (e não a PT) de requerer a expropriação e a constituição de servidões administrativas (3) indispensáveis à instalação, protecção e conservação dos respectivos sistemas, equipamentos e demais recursos (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro).


18. Quanto à concessionária, tal acesso encontra-se ainda legitimado pelas bases da concessão do serviço público de telecomunicações que conferem à PT Comunicações SA o direito de constituir servidões administrativas e aceder a terrenos e edifícios privados, sempre que tal se mostre necessário ao cumprimento das obrigações da concessão e em observância da legislação em vigor (artigo 14.º, n.º 2, alínea c), do anexo ao Decreto-Lei n.º 31/2003, de 17 de Fevereiro).


19. Contudo, o direito de requerer a expropriação e constituição de servidões administrativas não afasta a possibilidade/necessidade de a utilização de terrenos particulares se sustentar num acordo celebrado entre estes e as empresas proprietárias das infra-estruturas de telecomunicações, nomeadamente quanto à remuneração a atribuir pela utilização daqueles bens.


20. E eventuais conflitos que surjam entre proprietários dos terrenos e empresas que oferecem serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público serão resolvidos nas instâncias judiciais competentes.


21. Por outro lado, quanto ao acesso às condutas e outras infra-estruturas da concessionária do serviço público de telecomunicações por outras empresas, o mesmo deve basear-se num acordo, no qual as partes estabelecem as várias condições de utilização, incluindo o preço (artigo 26.º n.º 2 da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro).


22. Preço este, cobrado pela PT, que é orientado para os custos, em conformidade com a deliberação da ANACOM de 26 de Maio de 2006 (hppt://www.anacom.pt/template31.jsp?categoryld=193402). 



§ 3.º
Análise das questões controvertidas



EDP



23. A EDP tem o direito de solicitar a constituição de servidões sobre terrenos privados necessários ao estabelecimento das partes integrantes da rede eléctrica de serviço público, após aprovação dos projectos (artigo 12.º, n.º 3, alínea c), do Decreto-Lei n.º 29/2006, de 15 de Fevereiro) (4).


24. Trata-se de uma restrição ao direito de propriedade justificada pela satisfação da utilidade pública.


25. Isto, sem prejuízo do direito que assiste aos proprietários dos terrenos utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas, a serem indemnizados pela concessionária, por redução de rendimento, diminuição da área da propriedade ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas (artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 43.335, de 19 de Novembro de 1960).


26. Confirma a EDP autorizar a utilização de apoios das suas redes a empresas privadas, para nelas colocarem as suas infra-estruturas.


27. Porém, de acordo com os esclarecimentos prestados, a utilização de terrenos privados – ao que parece pouco frequente – é precedida do consentimento dos respectivos proprietários. Ora, havendo um acordo prévio, parece-me que as questões suscitadas pelo reclamante encontram resposta adequada.


28. Acresce que a EDP contesta que obtenha elevados lucros nestas situações, explicando que as condições financeiras acordadas com os operadores constituem uma mera contrapartida pelos encargos associados à utilização de infra-estruturas.





b. PT



29. A PT, enquanto concessionária do serviço público de telecomunicações deve disponibilizar, por acordo, às empresas que fornecem redes e serviços de telecomunicações acessíveis ao público o acesso a condutas, postes e outras instalações e locais de que seja proprietária ou cuja gestão lhe incumba, para instalação ou manutenção dos seus sistemas, equipamentos e demais recursos.


30. Trata-se de uma imposição legal, num contexto de liberalização do mercado europeu de telecomunicações (5).


31. Isto, porque as entidades que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, que quisessem expandir a sua actividade, deparavam-se com dificuldades em replicar o investimento em condutas, de modo economicamente ineficiente.


32. O acesso às infra-estruturas da concessionária, além de racionalizar os meios já existentes, constitui um modo de reduzir o impacte ambiental na construção de novas infra-estruturas.


33. Do ponto de vista dos proprietários, evita-se a constituição de novos ónus ou encargos para os prédios a utilizar, bem como a realização de obras no solo, com as consequentes perturbações daí decorrentes.


34. A PT parece manifestar alguma resistência em facultar o acesso às suas infra-estruturas, conforme indiciam as queixas que foram apresentadas por outros operadores de redes telefónicas junto da ANACOM.


35. A entidade reguladora deliberou sobre o assunto, fixando, entre outros aspectos, os princípios e as condições gerais a que devem obedecer o acesso e a utilização de condutas e infra-estruturas da concessionária (6).


36. Segundo informação da ANACOM, o preço cobrado pela PT por esse acesso é orientado para os custos, em conformidade com a deliberação de 26 de Maio de 2006.


37. Esta deliberação visa promover a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações electrónicas e assegurar que os utilizadores obtenham o máximo de benefício em termos de escolha, preço e qualidade e encorajar investimentos eficientes em infra-estruturas.


38. Finalmente, refira-se que o acesso destas empresas a terrenos privados, para instalação e conservação dos respectivos equipamentos, pode ser realizado directamente, sem a utilização das infra-estruturas da PT.


39. Isto porque a lei, no respeito dos princípios da livre concorrência, confere-lhes o direito a constituir servidões para o efeito (artigo 24.º n.º 1, alínea b), da Lei das Comunicações Electrónicas).


40. A tais servidões aplica-se o Códigos das Expropriações que permite constituir sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de interesse público e prevê os casos em que as servidões dão lugar a indemnização (artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro).




§ 4.º
Conclusões



I. A utilização de terrenos privados pela EDP, PT e outras empresas que fornecem redes e serviços de telecomunicações acessíveis ao público ocorre através da constituição de servidões administrativas.



II. Os proprietários dos terrenos têm direito a ser indemnizados nos casos previstos na legislação aplicável.



III. No caso das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, assiste-lhes, ainda, o direito de acesso às condutas da concessionária.



IV. Realizada a instrução do processo, não se confirmaram as afirmações do reclamante no sentido de que as empresas concessionárias realizam elevados lucros quando facultam o acesso a infra-estruturas situadas em terrenos privados, tudo apontando a que os valores cobrados correspondam aos custos decorrentes da utilização de tais infra-estruturas.



V. Pelo exposto, parece-me não existirem elementos que justifiquem a adopção de outros procedimentos por parte da Provedoria de Justiça relativamente às questões suscitadas, pelo que proponho o arquivamento deste processo, de acordo com o artigo 31.º, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de Abril). 


 


 







Notas de rodapé:


(1) Definia as bases gerais a que obedecia o estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de serviços de telecomunicações. Este diploma foi revogado pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas).


(2) Define o regime de acesso e de exercício da actividade de operador de rede de distribuição por cabo, para uso público, no território nacional. Prevê o artigo 16.º n.º 1, alínea d) que constituem direitos dos operadores de rede de distribuição por cabo aceder, em condições de igualdade, à rede básica de telecomunicações, em condições de plena igualdade.


(3) Ao abrigo do regime previsto do Código das Expropriações (Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro).


(4) O direito a solicitar a constituição de servidões já se encontrava previsto no artigo 38.º, n.º 2 al. c) do Decreto-Lei n º 182/95, de 27 de Julho (alterado pelo Decreto-Lei nº 56/97, de 14 de Março, pelo Decreto-Lei n º 24/99, de 28 de Janeiro, pelo Decreto-Lei nº 198/2000, de 24 de Agosto, pelo Decreto-Lei nº 69/2002, de 25 de Março, e pelo Decreto-Lei nº 85/2002, de 6 de Abril).


(5) Sobre o assunto, vd. Decisão da ANACOM sobre oferta de acesso às condutas da concessionária PT http://www.anacom.pt/template20.jsp?categoryId=126480&contentId=215622


(6) Sobre o assunto vd. http://www.anacom.pt/template20.jsp?categoryId=126439&contentId=224506


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