ANOTAÇÃO


Entidade visada: Direcção Regional da Cultura (DRC) e a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo (CMAH)
Proc.º: R-1823/06 (Aç)
Área: A1



Assunto: Urbanismo. Demolição de imóvel. Informação prévia. Parecer vinculativo.



Objecto: Indeferimento de demolição de prédio, depois de, em sede de instrução de pedido informação prévia, não ficar explícita a oposição a essa operação urbanística



Decisão: O Provedor de Justiça reconheceu que a Administração não estava vinculada pela informação prévia, cujo processo não foi concluído por decisão do particular. Mas, apesar disso, censurou a forma como as administrações regional autónoma e local veicularam ao particular as informações pertinentes, escamoteando os critérios decisivos para a sua decisão e realçando elementos que só seriam importantes se os seus pareceres vinclulativo e decisão final viessem a ser positivos, o que não aconteceu.



Síntese: Em nome e no interesse da empresa “A”, foi apresentada queixa contra a Direcção Regional da Cultura (DRC) e a Câmara Municipal de Angra do Heroísmo (CMAH), por ser tida como ilegal a actuação de ambas as entidades que conduziu à decisão de não autorizar a demolição do prédio “x”



Era alegado que a Administração havia sempre alimentando a esperança de que a demolição seria possível; só quando o particular já tinha elaborado o projecto de arquitectura, com os gastos inerentes, é que tal demolição foi recusada.



O Provedor de Justiça começou por salientar que não havia ilegalidade, susceptível de inquinar a decisão final, na actuação das administrações regional autónoma e local, se bem que merecesse reparo o modo como a DRC e a CMAH, deram cumprimento ao princípio da desburocratização e da eficiência a que estão sujeitas.



De facto:






 1. Deu entrada na CMAH um pedido de informação prévia, tendo em vista obter um juízo sobre a viabilidade da construção de um edifício de apartamentos. Para tal era pretendida a demolição de uma antiga quinta, dado o seu estado de degradação.


2. A CMAH deu início à recolha dos pareceres legalmente previstos. Para o que aqui importa, saliente-se o parecer da então entidade de tutela, o Secretário Regional da Educação e Cultura:






 “O requerente deverá apresentar os seguintes elementos em falta (…). As peças desenhadas não são suficientes para uma leitura adequada da proposta. (…) É necessário também entregar um relatório técnico (arquitectónico/estrutural) justificando a demolição pretendida. Para além disso deverá cumprir com o disposto no artigo 5.º do DLR n.º 11/2000/A, de 19 de Maio e o artigo 49.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro“.



3. Na posse de tais pareceres, deu o reclamante entrada a um pedido de licenciamento para execução de operação urbanística. Já nesta fase, a pronúncia da entidade de tutela da cultura foi: “(…) considero que é prioritária (…) a manutenção da fachada. Contudo os proprietários, invocando o pressuposto de ameaça de ruína, poderão propor a demolição (…).”.



4. Em sequência, o reclamante solicitou a realização de uma vistoria para verificação do estado de ruína. Do respectivo relatório, destaco:






 “(…) urbanisticamente, foi uma das quintas emblemáticas do espaço suburbano de Angra do Heroísmo, (…) ligado à guerra da restauração de Portugal. (…). Arquitectonicamente, realça-se a forma peculiar e composição do conjunto.



5. Daí que o parecer final/autorização comunicado pela DRC informe que:






 “(…) se considera imprescindível a recuperação das fachadas Sul e Poente do edifício existente, bem como de todos os elementos de arquitectura interior significativos, para os quais deve ser encontrada uma solução arquitectónica que os integre e valorize.”



6. Em consequência, a CMAH indeferiu o pedido de licenciamento apresentado por E, no que respeita à interdição da demolição, agiu correctamente.



7. Se bem que qualquer interessado possa “pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística e respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-estruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão”, o conteúdo da informação prévia só “vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou autorização da operação urbanística a que respeita“, quando “tal pedido seja apresentado no prazo de um ano a contar da data da notificação da mesma ao requerente“, mas, claro que antes de tudo se a informação prévia tiver sido aprovada (v. artigos 14.º, 16.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001, de 4 de Junho, rectificado este pela Declaração de Rectificação n.º 13-T/2001, de 30 de Junho).



Ora, o reclamante não dera seguimento ao pedido de informação prévia. Na posse do parecer mencionado em 2, supra, optou por avançar para o pedido de licenciamento, sem obter a vinculação das entidades públicas àquilo que, na qualidade de requerente, lhe pareceu ser uma concordância com a opção urbanística por si defendida.



8. E, materialmente, a Administração, designadamente a regional, já dera conta das balizas que tinham que determinar o seu juízo. Veja-se o conteúdo da legislação citada no parecer mencionado em 2 (sublinhados meus):






 a) O artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 11/2000/A, de 19 de Maio, dispunha que:

“Demolições – Novas construções
1 – As demolições só podem ser autorizadas pela câmara municipal após parecer prévio e vinculativo da Direcção Regional da Cultura.
2 –
Não podem ser autorizadas demolições sem que previamente esteja licenciado o projecto da nova construção.
3 – As novas construções devem respeitar a integração no conjunto, quer quanto à forma, quer quanto aos materiais.”



b) Por sua vez o artigo 49.º da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, sob a epígrafe “Demolição”, estabelece que:



“1 – Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, não podem ser concedidas licenças de demolição total ou parcial de bens imóveis classificados nos termos do artigo 15.º da presente lei, ou em vias de classificação como tal, sem prévia e expressa autorização do órgão competente da administração central, regional autónoma ou municipal, conforme os casos.


2 – A autorização de demolição por parte do órgão competente da administração central, regional autónoma ou municipal tem como pressuposto obrigatório a existência de ruína ou a verificação em concreto da primazia de um bem jurídico superior ao que está presente na tutela dos bens culturais, desde que, em qualquer dos casos, se não mostre viável nem razoável, por qualquer outra forma, a salvaguarda ou o deslocamento do bem.


3 – Verificado um ou ambos os pressupostos, devem ser decretadas as medidas adequadas à manutenção de todos os elementos que se possam salvaguardar, autorizando-se apenas as demolições estritamente necessárias.


4 – A autorização de demolição por parte do órgão competente da administração central, regional autónoma ou municipal não deve ser concedida quando a situação de ruína seja causada pelo incumprimento do disposto no presente capítulo, impondo-se aos responsáveis a reposição, nos termos da lei.


5 – São nulos os actos administrativos que infrinjam o disposto nos números anteriores.”



c) Aliás, à data do pedido de licenciamento, já o diploma regional de 2000 fora revogado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 29/2004/A, de 24 de Agosto, que era ainda mais claro quanto às limitações impostas às demolições em sítios classificados e suas zonas de protecção (v. artigo 28.º), reproduzindo aliás o disposto no diploma que estabeleceu o regime de protecção e valorização do património cultural da zona classificada da cidade de Angra do Heroísmo (v. artigo 14.º do Decreto Legislativo Regional n.º 15/2004/A, de 6 de Abril):


1 – Sem prejuízo dos processos de eliminação de dissonâncias, a destruição ou demolição de qualquer estrutura edificada considerada como representativa dos valores patrimoniais a preservar só será permitida em caso de ruína técnica e apenas quando o estado de degradação seja considerado irreversível.  


2 – A demolição apenas poderá ser autorizada depois de aprovado o projecto de execução do imóvel ou estrutura que substituirá o imóvel ou estrutura a demolir.



3 – Exceptua-se do disposto no número anterior as demolições que devam ocorrer por razões de segurança ou de protecção civil, como tal reconhecidas por despacho do membro do Governo Regional com competência em matéria de cultura.


 4 – Em caso de demolição coerciva, por força da aplicação do presente diploma, o proprietário fica obrigado a executar o projecto aprovado para o imóvel no prazo que seja estabelecido na decisão que obrigue à demolição.”



9. Porque é que o Provedor de Justiça entende que, embora não haja ilegalidade no processo em análise, é censurável a actuação da Administração?



Porque, balizada pela legislação acima transcrita e pelo também já referido dever de desburocratização e eficiência, em face do pedido apresentado pelo reclamante a Administração deveria ter começado por sublinhar que a legislação que a vincula dá inequívoca preferência à preservação dos edifícios, contra a sua demolição, conforme resulta das normas acima transcritas.



10. Em vez disso o que houve? Da parte da CMAH, uma mera referência às regras do estacionamento colectivo. Da parte da DRC, detalham-se os elementos constantes da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro, em falta na instrução do pedido de informação prévia, mas faz-se apenas menção das leis que só excepcionalmente não inviabilizariam a pretensão.



11. A Administração tinha a obrigação de fazer melhor.



Desde logo porque há muito foram fixadas medidas de modernização administrativa que impõem outro comportamento.



O Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, ao fixar os princípios de acção dos serviços e organismos da Administração Pública, determinou no seu artigo 1.º que: 


“Os serviços e organismos da Administração Pública estão ao serviço do cidadão e devem orientar a sua acção de acordo com os princípios da qualidade, da protecção da confiança, da comunicação eficaz e transparente, da simplicidade, da responsabilidade e da gestão participativa, tendo em vista:



a) Garantir que a sua actividade se orienta para a satisfação das necessidades dos cidadãos (…);



c) Assegurar uma comunicação eficaz e transparente, através da divulgação (…) das formalidades exigidas, do acesso à informação, (…);



d) Privilegiar a opção pelos procedimentos mais simples, cómodos, expeditos e económicos; (…)”



12. Ainda mais claramente, dispõe-se sob a epígrafe “suportes de comunicação administrativa”, no n.º 4 artigo 14.º do mesmo diploma:



Quando nas comunicações dirigidas aos cidadãos se faça referência a disposições de carácter normativo ou a circulares internas da Administração, é obrigatório transcrever a parte que é relevante para o andamento ou resolução do processo ou anexar-se fotocópia do documento que a consubstancia.


Foi com fundamento nas razões expostas que, embora concluindo pela desnecessidade de realização de diligências adicionais no âmbito do processo oportunamente aberto neste órgão do Estado, ao abrigo da competência que me é conferida pelo artigo 33.º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, o Provedor de Justiça transmitiu quer à Direcção Regional da Cultura quer à Câmara Municipal de Angra do Heroísmo o seu reparo pela actuação de ambas no âmbito deste processo.