Exma. Senhora
Presidente da Assembleia da República
Palácio de S. Bento
1249-068 LISBOA

Vossa Ref.ª Vossa comunicação Nossa Ref.ª
Proc. P 8/12
Assunto: Compensação por caducidade de contrato a termo certo
Clarificação dos critérios de aplicação da norma do art.º 252º do RCTFP, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro
Recomendação n.º 12/B/2012
[Artigo 20º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 9/91,de 9 de abril]

I
Objecto

Foram-me apresentadas várias queixas contra a atuação de diferentes serviços da Administração Pública, em particular, da Administração Local, no que concerne ao pagamento da compensação por cessação de contratos de trabalho a termo resolutivo.
Questionados no âmbito dos processos de queixa, aqueles serviços da Administração veicularam o entendimento segundo o qual a caducidade dos contratos a termo resolutivo que tenham atingido a sua duração máxima ou não sejam passíveis de (outra) renovação, não confere o direito à compensação previsto no nº 3 do artigo 252º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP).

Durante a instrução dos processos, foi solicitada a reapreciação das decisões que negavam aos trabalhadores em funções públicas o direito àquela compensação, à luz das considerações que nessa ocasião foram transmitidas aos serviços envolvidos. Foi igualmente pedido aos respetivos dirigentes máximos que comunicassem a este órgão do Estado a posição definitiva que viesse a ser assumida sobre o assunto em causa.
3 – Em resposta, descrevendo as características dos regimes de contratação em causa, foi reiterada por vários serviços a posição anteriormente adoptada, designadamente que «… a compensação não é devida, pelo facto de o contrato caducar independentemente da vontade de qualquer das partes (entidade empregadora e trabalhador)». Pode citar-se um dos pareceres jurídicos junto a um dos processos: «… numa primeira leitura, poderemos dizer que a cessação do contrato a termo certo com fundamento na sua caducidade, por se ter atingido o termo do prazo estipulado, dá sempre origem ao pagamento de uma indemnização ao trabalhador, nos moldes previstos no art.º 252º do RCTFP, quer se trate do termo do prazo inicial, quer se trate do termo do prazo de uma das suas renovações, e independentemente de o contrato ter sido celebrado antes ou depois da entrada em vigor do RCTFP, uma vez que a lei não opera qualquer distinção para cada uma das situações e é imperativa. Podemos, no entanto, interrogar-nos se o legislador não pretendeu consagrar a compensação apenas nos casos em que o contrato de trabalho a termo certo não seja renovado por falta da comunicação escrita por parte da entidade empregadora pública da vontade de o renovar, ou seja, apenas quando o contrato a termo certo é, ainda, susceptível de renovação por parte da entidade empregadora pública, nos termos dos art.º 103º a 105º do RCTFP e nos termos do art.º 14º do Preâmbulo da L n.º 59/2008. (…) Nesse caso, só quando a entidade empregadora pública puder, em abstracto, renovar o contrato a termo certo é que haverá lugar a compensação ao trabalhador pela não renovação do seu contrato. Caso a entidade empregadora pública não possa já renovar o contrato a termo certo, porque essa renovação lhe está vedada por lei, parece-nos que a compensação a que se refere o art.º 252º, n.º 3 do RCTFP não será devida» ( ).

4 – E assim, concluiu-se que, como a caducidade do contrato não decorre da não comunicação da entidade empregadora pública da vontade de o renovar mas sim do regime legal concretamente aplicável, fica afastada «a aplicação das normas gerais constantes do artigo 252º do RCTFP».

II
Apreciação

Dos contratos a termo certo.
1 – Dispõe o nº 3 do artigo 252º do RCTFP: «A caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de remuneração base por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respetivamente, não exceda ou seja superior a seis meses».
Por seu turno, estipulando que «… o contrato a termo certo dura pelo período acordado, não podendo exceder três anos, incluindo renovações, nem ser renovado mais de duas vezes, sem prejuízo do disposto em legislação especial», o diploma citado determina que «… o contrato a termo resolutivo não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no presente Regime ou, tratando-se de contrato a termo incerto, quando deixe de se verificar a situação que justificou a sua celebração». (cfr. artigos 103º e 92º nº 2, todos do RCTFP).
Cabe então averiguar da correção de uma interpretação do nº 3 do artigo 252º do RCTFP que restringe o dever de compensar o trabalhador aos casos em que a caducidade do seu contrato se funda na vontade da entidade empregadora de não o renovar.
2 – Desde logo, importa ter presente que, atentos os preceitos legais transcritos, a inadmissibilidade legal de renovação contratual existe e aplica-se em todos os casos em que a Administração celebre um contrato a termo certo pelo período de três anos ou o renove por duas vezes. Pelo que este caducará obrigatoriamente no seu termo, por imposição legal e independentemente da vontade da entidade empregadora.
Assim, verificado o condicionalismo acabado de referir, reduz-se a uma expressão residual o direito à compensação legalmente consagrado, e isenta-se o empregador público do encargo compensatório, justamente nas situações em que se prolonga até ao limite legalmente permitido uma relação laboral cuja existência o legislador – como se verá – claramente quis que fosse excepcional ( ).
3 – É certo que, de acordo com o nº 2 do artigo 9º do Código Civil, o intérprete não pode dar a uma norma uma interpretação «… que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso». E não é menos verdade que a primeira regra de interpretação, prescrita no n.º 1 do mesmo artigo, é a de que esta «…não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».
Deste modo, é à luz desta dupla exigência hermenêutica – que enquadra ou baliza toda a interpretação legal – que se impõe ao intérprete a presunção segundo a qual «… na fixação do sentido e alcance da lei, (…) o legislador consagrou as soluções mais acertadas (…)», constante do n.º 3 do citado artigo 9º Cód. Civ. Justamente por presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas é que o intérprete não deve cingir-se à letra da lei quando de uma interpretação estritamente literal resulte um desvirtuamento do pensamento legislativo e uma distorção da unidade do sistema jurídico.

4 – Nesta perspectiva, ao interpretarmos o nº 3 do artigo 252º RCTFP não podemos ignorar, por um lado, que a compensação aí prevista se insere no contexto do regime da contratação a termo e, por outro, que a matriz do RCTFP é o direito laboral privado, em concreto o Código do Trabalho (CT) de 2003, então em vigor. É este diploma que, na verdade, o RCTFP reproduz, limitando-se a adaptar algumas das suas disposições às especificidades decorrentes da natureza pública do empregador.
5 – Todo o regime da contratação a termo foi gizado tendo em atenção que esta modalidade contratual confere ao trabalhador um vínculo laboral precário, o que determina o seu carácter excepcional, em consonância, desde logo, com o princípio constitucional da segurança no emprego.
6 – A compensação pela caducidade do contrato foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 64 – A/89, de 27 de Fevereiro, diploma que aprovou, em anexo, o «…regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo» (conhecido como LCCT). Determinava o nº 3 do artigo 46º desse Regime que «…a caducidade do contrato confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a (…)».
Resulta de uma interpretação literal do preceito haver direito à compensação pela mera caducidade do contrato, independentemente da parte que lhe desse origem. No entanto, já à luz desta disposição alguns autores entendiam que tal compensação não era devida nas situações de caducidade decorrente da vontade do trabalhador, uma vez que nessa circunstância deixava de se verificar a razão que justificava a sua atribuição.
E assim era, uma vez que esta compensação é comummente entendida como correspetiva à própria natureza precária do vínculo de emprego e como um desincentivo ao recurso a esta modalidade contratual. Razão pela qual perderia o seu fundamento quando era o próprio trabalhador a pôr cobro à relação laboral, deixando de haver motivo para o compensar pela perda de emprego quando esta perda não ocorreria se não fosse o concurso da sua própria vontade.

7 – O CT de 2003 veio entretanto clarificar a questão no sentido apontado, passando a determinar, no nº 2 do artigo 388º, que «… a caducidade do contrato a termo certo que decorra de declaração do empregador confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a três ou dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do vínculo, consoante o contrato tenha durado por um período que, respetivamente, não exceda ou seja superior a seis meses».
Daqui resulta ser inequívoco que no regime laboral comum quando a caducidade do contrato não decorra da sua vontade o trabalhador tem sempre direito à respetiva compensação.
À luz da norma acabada de transcrever, Júlio Gomes ( ), questionando-se sobre «… qual é, no fim de contas, a razão de ser desta compensação?», afirma que «… ela poderá ser pensada como um mero instrumento de política legislativa para encarecer o contrato a termo e, deste modo, desencorajá-lo. Mas parece que se trata de algo mais, variando, como varia, em função da antiguidade: parece que o que se pretende é compensar o trabalhador pela precariedade do contrato a termo.»; e fundamenta: «Com efeito, a contratação a termo tem custos sociais elevados: a programação da vida das pessoas, pelo menos do comum dos mortais que ganha o pão com o suor do seu rosto, é feita em torno do seu trabalho ou é, em grande medida, feita em função deste. A instabilidade no trabalho que a contratação a termo obviamente gera (…) repercute-se em muitas outras facetas da vida, mormente na vida familiar e até em aspectos patrimoniais (maior ou menor facilidade em obter crédito, etc.)».
Do mesmo modo, João Leal Amado ( ) afirma tratar-se de um direito cuja ratio consiste em compensar o trabalhador pela situação de precariedade contratual, destinando-se ainda a desincentivar a contratação a prazo.

No mesmo sentido, Luís Manuel Teles Menezes Leitão ( ), considera que a atribuição pecuniária prevista se trata de uma compensação pela natureza precária do vínculo que o trabalhador celebrou, através da qual se visa tornar mais onerosa para o empregador a contratação a termo.
Em suma, parece-me pacífico, como afirma este autor, que «… a compensação assume uma função especial de tutela face a uma situação que a lei quis que fosse excepcional – a contratação a termo».
8 – Aqui chegados, importa então verificar se a transposição da disposição delineada no nº 2 do artigo 388º do CT de 2003 para o nº 3 do artigo 252º do RCTFP traduziu uma alteração substancial de regime quanto aos efeitos compensatórios decorrentes da caducidade do contrato. E, bem assim, se uma redução da tutela compensatória ali prevista poderia encontrar alguma justificação na natureza pública do empregador e no interesse público que este visa prosseguir.
9 – Ora, nesta questão não se afigura difícil reconstituir o pensamento legislativo.
Com efeito, na Exposição de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.º 209/X, que viria a dar origem ao RCTFP, é claramente enunciado:
«A presente proposta de lei pretende aprovar o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP), seguindo de muito perto o regime fixado no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e na sua regulamentação, constante da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, o que decorre do objectivo de aproximação do regime de trabalho na Administração Pública ao regime laboral comum. Todavia, e como não podia deixar de ser, a aplicação daqueles textos legais aos contratos de trabalho em funções públicas é feita com as adaptações impostas pela natureza destes contratos e, em especial, pela sua subordinação ao interesse público, bem como pelas especificidades que decorrem da entidade empregadora ser um órgão ou serviço da Administração Pública».

E concretiza:
«O RCTFP que agora se apresenta inspira-se nas seguintes preocupações fundamentais:
– Aproximação ao regime laboral comum;
– Combate às situações de precariedade no domínio do emprego público;
– Manutenção e reforço dos direitos dos trabalhadores;
– Criação de condições para o desenvolvimento da contratação colectiva na Administração Pública;
– Consagração de um quadro jurídico claro da intervenção das associações sindicais e da ação dos seus dirigentes».
Especificando, mais adiante é dito ainda:
«Como já estabelece a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, o contrato de trabalho é, por regra, celebrado por tempo indeterminado. O contrato a termo resolutivo é a excepção. Assim mantêm-se as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo previstas na Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que visam, no essencial, adequar o regime de contratação a termo no âmbito da Administração Pública às exigências de interesse público e, sobretudo, conformar aquele regime com o direito constitucional de “acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”. Assim, o contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo só pode ser utilizado nas situações expressamente previstas no RCTFP, tem exigências qualificadas de forma, não está sujeito a renovação automática, caducando no termo do prazo estipulado, e não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado».
10 – Como expressamente assumido, na verdade mantiveram-se no RCTFP as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo previstas na Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho.
11 – Ora, já na vigência deste diploma, a questão que nos ocupa foi objecto de exaustiva análise pela Procuradoria-Geral da República, no parecer nº 79/2004 ( ), em termos que não merecem reparo.
A Lei n.º 23/2004 – que definia o regime jurídico do contrato de trabalho nas pessoas colectivas públicas – determinava, no nº 1 do artigo 2º, que «… aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respetiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei».
E, de entre essas especificidades, constavam justamente as regras especiais aplicáveis ao contrato de trabalho a termo resolutivo, constantes do artigo 10º, no qual se determinava:
«1 – O contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não está sujeito a renovação automática.
2 – O contrato de trabalho a termo resolutivo celebrado por pessoas colectivas públicas não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho.
3 – A celebração de contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho».
Na inexistência de qualquer disposição nesta lei sobre a compensação pela caducidade do contrato, nesta matéria havia lugar à aplicação do CT, atenta a expressa remissão que para este diploma era feita no nº 1 do artigo 2º, acima transcrito.
Assim, uma vez que nos termos do nº 2 do artigo 388º do CT (2003) o direito à compensação apenas existia quando a caducidade do contrato a termo certo decorresse de declaração do empregador, já então se colocava a questão de saber se na Administração Pública tal compensação era devida. Já que – exatamente como agora -, o contrato não estava sujeito a renovação automática e caducava no termo do prazo máximo de duração legalmente previsto – a caducidade nunca decorria de declaração do empregador, operando ope legis.
A colher o método interpretativo defendido pela Administração Pública, seríamos forçados a concluir que à luz daquela lei a compensação se encontrava excluída, visto esta depender de um requisito que nunca se verificava – a declaração do empregador geradora da caducidade do contrato.
Não foi este, contudo, o entendimento a que se chegou.
Na verdade, traçando, por um lado, a evolução histórica do regime de compensação pela caducidade do contrato no direito laboral comum e da contratação a termo na Administração Pública e, por outro, assinalando o fundamento subjacente à compensação apontado por inúmeros autores – e a que aqui já fiz referência -, no parecer aludido a Procuradoria-Geral da República conclui:
O regime jurídico do Código do Trabalho será, assim, de aplicação subsidiária, «excepto naqueles pontos em que não se afigura adequada ou viável a aplicação direta das suas normas, por uma de duas razões: porque as normas têm um substrato impossível de transpor, sem mais, para o âmbito das pessoas colectivas públicas; porque as normas não ponderam ou acautelam suficientemente o interesse público subjacente à atividade das pessoas colectivas públicas».
E concretiza:
«As razões que se apontam como fundamento dessa atribuição pecuniária compensatória, oportunamente indicadas, podem ser, sem qualquer dificuldade, objecto de transposição para o âmbito dos contratos a termo resolutivo celebrados no seio da Administração Pública. Configurando-se, sem dúvida, como uma indemnização/compensação por intervenções lícitas, essa atribuição patrimonial não pode deixar de ser também associada à natureza precária do vínculo contratual sujeito a termo resolutivo. Ora, a situação de precariedade que emerge do contrato a termo é, no essencial, idêntica, seja ele celebrado com uma pessoa colectiva pública, seja ele outorgado com um empregador privado».

12 – O entendimento transcrito é inteiramente válido à luz do RCTFP.
Com efeito, como salientei e é expressamente referido na respetiva exposição de motivos, o atual regime da contratação a termo é, em substância, o que já se encontrava previsto na Lei nº 23/2004.
A única diferença é que, enquanto este último diploma remetia para o CT a regulação de todos os aspectos que nele não se encontrassem especificamente previstos, o RCTFP incorporou o que no CT se dispunha, limitando-se, no que respeita à contratação a termo, a «… adequar o regime no âmbito da Administração Pública às exigências de interesse público e, sobretudo, conform[á-lo] com o direito constitucional de “acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”».
Ora, nem as exigências de interesse público nem a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública colidem com o regime legal da compensação pela caducidade do contrato consagrado no CT e à data aplicável à Administração Pública, nos termos da Lei nº 23/2004.
Aliás, dir-se-á que bem pelo contrário: são essas mesmas exigências de interesse público que concorrem para fundamentar o direito à compensação existente, na medida em que tal direito visa igualmente «… em conjugação com outros aspectos de regime do contrato a termo certo, garantir a harmonização da situação precária de trabalho emergente com o princípio da estabilidade e segurança do emprego plasmado no art.º 53º da Constituição», como bem assinalou a Procuradoria-Geral da República no Parecer n.º 23/97 ( ).
O que as exigências de interesse público e a conformação com o direito constitucional de acesso à função pública ditaram, isso sim foi a impossibilidade de conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado. Daí resulta a necessidade de adaptar a essa circunstância as regras de renovação e de caducidade do contrato, previstas no CT.
Pelo que o disposto no nº 3 do artigo 252º do RCTFP mais não é do que uma transposição mutatis mutandis do que estava prescrito no nº 2 do artigo 388º do CT (2003). Ou seja, para que os efeitos compensatórios decorrentes da caducidade do contrato não deixassem de ser iguais – e os mesmos que à data já vigoravam na Administração Pública – houve que reformular os termos da respetiva previsão normativa de forma a tornar exequível a sua estatuição.
E assim, onde o Código do Trabalho – por prever a renovação automática dos contratos (e subsequente conversão, ultrapassados os limites legais) – dispôs que «… a caducidade do contrato a termo certo que decorra de declaração do empregador confere ao trabalhador o direito a uma compensação (…)», o RCTFP determinou que … a caducidade do contrato a termo certo que decorra da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de o renovar confere ao trabalhador o direito a uma compensação (…)» ( ). Deste modo, reformulando o preceito do CT em termos correspondentes, o RCTFP compatibilizou-o com o seu específico regime de caducidade, decorrente da inexistência de renovação automática e de conversão contratual.
13 – Resulta deste percurso hermenêutico que a interpretação que faço do nº 3 do artigo 252º do RCTFP não só respeita o princípio vertido no nº 2 do artigo 9º do Código Civil como é a única que traduz o pensamento legislativo. Na verdade, no caso em apreço, aquele pensamento encontra na letra da lei bem mais que um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
Defendo pois que, à semelhança do regime laboral comum, sempre que a caducidade do contrato não decorra da sua vontade, o trabalhador tem direito à respetiva compensação. Pelo que, numa interpretação correta, a previsão do nº 3 do artigo 252º só pode ser lida no sentido de que a verificação do requisito da não comunicação, pela entidade empregadora pública, da vontade de renovar o contrato se afere formalmente. Ou seja, não havendo a comunicação que a lei refere, o trabalhador terá direito à compensação pela caducidade do respetivo contrato, independentemente da causa que motiva o silêncio do empregador.
Note-se que, no fundo, é o que se passa em todos os casos em que a renovação do contrato ainda seria permitida mas já não se verifiquem, no momento da renovação, as exigências materiais que ditaram a sua celebração. Seja por não se ter esgotado a sua duração máxima ou atingido o limite de renovações permitido.
A aceitar-se a interpretação veiculada pela Administração (o que não se concede), teríamos de concluir que também nestes casos, como a caducidade do contrato decorre de imperativo legal, estaria excluído o direito à compensação. Isto porque, determinando o nº 3 do artigo 104º do RCTFP que a renovação do contrato – sob pena de nulidade – está sujeita à verificação das exigências materiais da sua celebração, sempre se poderia afirmar que na inexistência deste requisito a caducidade do contrato opera forçosamente, independentemente da vontade do empregador.
14 – Refira-se ainda que o entendimento perfilhado pela Administração é questionável face ao determinado pelo Direito Comunitário, nomeadamente no que respeita às disposições contidas na Diretiva 1999/70/CE, do Conselho e no acordo-quadro anexo, relativos ao contrato de trabalho a termo.
A Diretiva referida «… tem como objectivo a aplicação do acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrada a 18 de Março de 1999 entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP)» (artigo 1º). Encontra-se igualmente vocacionada para a aplicação junto do sector público, como tem evidenciado a jurisprudência do TJUE ( ). A jurisprudência deste Tribunal internacional tem esclarecido que «… o benefício da estabilidade do emprego é concebido como um elemento da maior importância na proteção dos trabalhadores». ( ) Além do mais, «… o acordo-quadro destina-se a enquadrar o recurso sucessivo a esta última categoria de relações de trabalho, considerada fonte potencial de abusos em prejuízo dos trabalhadores dependentes» ( ).
Abusos que se manifestam, além da precariedade da situação laboral pelo prazo da sua duração em si mesmo considerado, na progressão de carreira (não existe progressão em situações de contrato a termo) e na prática, as mais das vezes, de salários mais reduzidos do que os que são pagos aos trabalhadores efetivos.
Em síntese, o facto de as partes terem conhecimento da necessária caducidade do contrato a termo, não promove o afastamento da incerteza quanto à sua situação no mercado laboral. Contrariamente à tese ora defendida por alguns serviços da Administração e em alguns sectores da doutrina juslaboral.
O trabalhador cujo contrato de trabalho a termo caducou tem, na verdade, uma única certeza: está desempregado. Por isso, desconhece quando e como poderá ser novamente integrado no mercado de trabalho. Trata-se de uma incerteza que se manifesta independentemente da certeza quanto ao termo/caducidade do contrato de trabalho. É esta incerteza que quer o Código do Trabalho quer o RCTFP expõem e não aquela que alguma doutrina tem vindo a referir. Para estes últimos, «… quando inexista qualquer incerteza na relação juslaboral porque as próprias partes assim o estipularam, não é devida qualquer compensação ao trabalhador». ( ) Esta perspectiva mostra-se contrária à necessidade de proteção dos trabalhadores, tal como se extrai quer da legislação nacional quer da legislação comunitária, máxime através da Diretiva 1999/70/CE, do Conselho. Pelo que, nessa medida, a compensação mostra-se como necessária para acautelar os direitos e interesses do trabalhador a termo.
Numa economia de pleno emprego, esta assunção poderia manifestar-se como irrelevante uma vez que os mecanismos de oferta e procura se equilibrariam. No entanto, não é essa a realidade atual. E, manifestamente, tanto o Direito nacional como o Direito europeu têm demonstrado uma maior preocupação com a situação de desemprego em que o trabalhador é colocado quando termina a relação laboral a prazo.
Neste mesmo sentido se tem vindo a pronunciar a jurisprudência nacional, a propósito dos contratos de trabalho docente a termo resolutivo, como se confirma através, entre outras, das decisões proferidas pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (4ª UO, Proc. n.º 39/11.0BELSB, de 30.03.2011 e Proc. n.º 544/11.9BELSB, de 27.01.2012), pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco (Proc. n.º 684//10.1BECTB, de 29.06.2011), pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (UO1, Proc. n.º 219/11.9BEBRG), pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (UO1, Proc. n.º 180/11.0BEALM), pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (Proc. n.º 1928/10.5BESNT, de 23.11.2011).
15 – De todo o exposto resulta que o entendimento da Administração, mormente a Administração Local, ao reduzir o direito à compensação pela caducidade do contrato a uma expressão residual, transforma em excepção o que no nº 3 do artigo 252º do RCTFP claramente se pretendeu estabelecer como regra. E assim, chega a um resultado que, de todo, não posso subscrever: o de que o Estado enquanto entidade empregadora permitiu-se, sem razão plausível, isentar-se do encargo compensatório que, ditado em razões de interesse público a que já aludi, impôs à generalidade dos empregadores.
Importa, pois, densificar e clarificar o sentido do art.º 252º, n.º 3 RCTFP por forma a evitar o propalar de interpretações prejudiciais ao verdadeiro sentido e melhor entendimento da norma em causa.

III – Recomendação

Assim sendo, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo, nos termos e fundamentos acima expostos, que:
seja promovida uma revisão do artigo 252º, nº 3 do RCTFP, esclarecendo-se que o direito à compensação se verifica sempre que a caducidade do contrato a termo não decorra da vontade do trabalhador.

Agradecendo a Vossa Excelência que queira dar conhecimento, aos diversos Grupos Parlamentares, do teor da presente Recomendação, bem como diligenciar no sentido de a mesma ser publicada no Diário da Assembleia da República (art.º 20º, n.º 5, do Estatuto do Provedor de Justiça). Muito grato ficaria que me fosse comunicado o eventual seguimento que por ventura venha a ser dado a esta recomendação.
Aproveito ainda a oportunidade para apresentar a Vossa Excelência os meus mais respeitosos cumprimentos,

O PROVEDOR DE JUSTIÇA
(Alfredo José de Sousa)