A
Sua Excelência
O Ministro da Solidariedade e
Segurança Social
Praça de Londres, 2
1049 – 056 Lisboa

V.ª Ref.ª
V.ª Comunicação:
Nossa Ref.ª
Proc. P-15/10 (A1)
Assunto: Cidadãos portadores de deficiência – estacionamento de veículos junto aos locais de residência e trabalho – baías para estacionamento reservado

RECOMENDAÇÃO N.º 13/B/2012
(artigo 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)

I
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

1. Dirijo-me a Vossa Excelência, tendo presente a missão incumbida a ao Ministério que superiormente dirige de definir, promover e executar políticas de inclusão de pessoas com deficiência e por entender que as atuais condições de estacionamento dos veículos particulares dos cidadãos portadores de deficiência justificam alguns aperfeiçoamentos normativos.

 

2. Para muitas pessoas, condicionadas na sua mobilidade, o transporte individual é o único meio de se deslocarem autonomamente, contribuindo de forma decisiva para a sua integração social e profissional.

3. Refiro-me aos casos em que a deficiência motora dificulta a locomoção na via pública, sem o auxílio de outrem nem o recurso a meios complementares, além do acesso ou a utilização dos transportes públicos convencionais.

4. Se, para o comum dos cidadãos, a proximidade do estacionamento junto da casa de morada ou do local de trabalho se reconduz a uma questão de conforto, para pessoas com problemas de mobilidade pode ser condição sine qua non para o uso do transporte particular.

5. A partir de uma situação concreta, foi-me dado observar que a regulação jurídica das formas de tratamento destes cidadãos suscita alguns problemas.

6. Com efeito, há alguns anos fora-nos apresentada uma queixa contra a Câmara Municipal de Tavira, por uma cidadã portadora de deficiência condicionadora da mobilidade, a quem fora negado o dístico de residente, numa zona histórica de estacionamento condicionado. Isto, em local onde o estacionamento privativo não é admitido.

7. O município em questão procurou justificar a sua decisão com a circunstância de não se encontrarem reunidos os pressupostos a que o regulamento municipal associa a atribuição de cartão de residente, considerando que o imóvel em que a interessada habita disporia de parqueamento privativo.

 

 

8. Naquele caso, não foi tido como determinante o facto de a interessada não possuir a robustez física necessária para operar o portão de acesso à garagem da sua habitação, em virtude da deficiência de que é portadora.

9. Condicionar o estacionamento de veículos destes cidadãos à verificação dos pressupostos da atribuição dos dísticos de residente suscita-me as maiores reservas. Em nome da justiça que reclama não atribuir permissão de estacionamento na via pública a quem dispuser de garagem, asfixia-se a equidade na apreciação dos casos concretos, esquecendo que a realidade ultrapassa, quase sempre, o horizonte do legislador.

10. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência prevê expressamente que as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não deverão ser consideradas discriminatórias (artigo 5.º, n.º 4).

11. Mais pude verificar que a matéria é tratada de forma distinta pelos vários municípios. Se, em alguns, são atribuídos lugares de estacionamento privativos, sinalizados por meio de placa com identificação da matrícula, junto da residência, ou do local de trabalho, em muitos outros municípios, os lugares reservados não estão afetos a um determinado veículo, em particular. As vias públicas e os parques são dotados de bolsas para estacionamento de pessoas com mobilidade reduzida. Em alguns casos, demasiado longe do local de residência ou de trabalho do cidadão com reduzida mobilidade.

12. Sou levado a crer que, perante a incerteza de um lugar de estacionamento para o veículo, muitos cidadãos nestas condições deixarão simplesmente de o utilizar, com o que perdem autonomia.

13. A minha preocupação acentua-se nos casos em que a oferta de lugares é menor do que a procura, como em zonas de estacionamento de duração limitada, que abundam nas nossas cidades.

14. Dir-se-ia que ao Governo não competiria adotar providências nesta matéria, por se encontrar confiado às atribuições municipais disciplinar o estacionamento nos respetivos territórios.

15. Todavia, a proteção dos cidadãos portadores de deficiência não consente um tratamento avulso de concelho para concelho. A descentralização não pode comprometer um mínimo de universalidade e de igualdade na concretização dos direitos fundamentais. De outro modo, as vantagens de proximidade voltar-se-iam contra os seus próprios fundamentos éticos e jurídicos.

II
ANÁLISE

– PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO DA ACESSIBILIDADE –

16. A Constituição da República Portuguesa atribui ao Estado a obrigação de promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real e jurídico-formal entre todos os portugueses (artigo 9.º, alínea d), e artigo 13.º), bem como a prossecução de uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência (artigo 71.º).
17. Por sua vez, a Lei de Bases da Prevenção, Habilitação, Reabilitação e Participação das Pessoas com Deficiência (Lei n.º 38/2004, de 18 de agosto) incumbe ao Estado a “promoção de uma sociedade para todos através da eliminação de barreiras e da adoção de medidas que visem a plena participação da pessoa com deficiência” (artigo 3.º, alínea d)).

18. Isto, sem esquecer a atribuição do Estado de coordenação e articulação da referida política relativa aos cidadãos portadores de deficiência e de adoção de medidas e ações setoriais, ao nível nacional, regional e local (artigo 16.º, n.º 2 da Lei n.º 38/2004, de 18 de agosto).

19. Nem tudo o que é local deixa de assumir interesse nacional.

20. O XVII Governo aprovara a Resolução do Conselho de Ministros n.º 9/2007, de 17 de janeiro, que estabeleceu o Plano Nacional de Promoção da Acessibilidade (PNPA).

21. Um dos objetivos do PNPA é, precisamente, promover a acessibilidade nos transportes e, quanto ao transporte individual em veículo adaptado (entre outros), proporcionar condições de estacionamento, mesmo em locais onde seja restrito, atribuindo, sempre que necessário e possível, lugares reservados devidamente assinalados (ponto 2.2.3).
22. O PNPA determina a criação de programas municipais de estacionamento para pessoas com deficiência, no âmbito dos quais se prevê a criação de um plano de oferta de estacionamento dedicado a pessoas com deficiência e como tal devidamente identificado, que tenha em conta as suas necessidades mais prementes (ação 3.1.b).

 

23. Sobre o desenvolvimento daquela ação, pedimos informações ao Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P. (INR, I.P.), organismo que se
encontra sob superintendência e tutela de Vossa Excelência, e que está incumbido de dinamizar a execução das medidas constantes do Plano.

24. De acordo com os esclarecimentos prestados, os municípios não prestaram informações ao INR, I.P. sobre estado de execução da medida (ofícios n.º 7046, de 24.05.2011 e n.º 1930, de 16.05.2012). Isto, quando, para esta ação, o PNPA previa como “data de início – Fevereiro de 2007” e como “Duração – 36 meses”.

25. Todavia, não me foi dado a observar que este facto tivesse justificado da parte do INR, IP, concretas medidas para a avaliar a sua execução, numa atitude que vai grassando de alguma confusão entre a autonomia administrativa municipal e a plenitude das atribuições do Estado, ao nível político e legislativo.

III
ENQUADRAMENTO

26. A reserva de lugares de estacionamento para os veículos de pessoas portadoras de deficiência encontra-se prevista em vários diplomas.

27. O Código da Estrada estabelece que “nos parques e zonas de estacionamento podem, mediante sinalização, ser reservados lugares ao estacionamento de veículos (…) utilizados no transporte de pessoas com deficiência” (artigo 70.º, n.º 3, na redação dada pelo Decreto-lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro).

28. O regime relativo à utilização dos parques de estacionamento também reflete a mesma preocupação com o estacionamento de veículos conduzidos por pessoas portadoras de deficiência, prevendo que devem ser reservados lugares para os mesmos nos parques, próximos dos acessos pedonais e mediante sinalização (artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 81/2006, de 20 de abril).

29. E o número de lugares reservados para veículos em “espaços para estacionamento de viaturas” em que um dos ocupantes seja uma pessoa com mobilidade condicionada encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de agosto (Vd. Anexo, secção 2.8).

30. Por outro lado, em 2003, foi instituído em Portugal o cartão de estacionamento para pessoas com deficiência, condicionadas na sua mobilidade, segundo um modelo comunitário uniforme, conforme recomendado pelo Conselho da União Europeia (Decreto-lei n.º 307/2003, de 10 de dezembro). De acordo com informação obtida junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I.P., desde então, foram registados cerca de 20.300 cartões sob modelo comunitário.

31. Tal cartão é reconhecido no espaço comunitário e permite aos seus titulares beneficiarem de condições de estacionamento e acessibilidade, nos locais especialmente reservados para o efeito. O seu principal objetivo é o da livre circulação dos cidadãos com estas limitações no Estados membros da União Europeia.

32. Creio que, com alguma precipitação, o Decreto-lei n.º 307/2003, de 10 de dezembro (artigo 12.º) revogou a Portaria n.º 878/81, de 1 de outubro que havia criado um sinal rodoviário (painel adicional n.º 11 d)) destinado “a indicar os veículos afetos ao serviço de deficientes motores” e aprovado o “dístico de identificação de deficiente motor.”

33. Como veremos, um e outro mecanismo não são incompatíveis. Antes pelo contrário.

34. O regime do cartão de estacionamento de modelo comunitário apresenta a vantagem de poder ser utilizado em veículo que transporte a pessoa com deficiência (artigo 9.º), independentemente da titularidade do veículo.

35. Além disso, o estacionamento com utilização do cartão é permitido fora dos locais reservados para o efeito, em situações de absoluta necessidade, por curtos períodos de tempo e desde que não se prejudique a normal e livre circulação de peões e de veículos (artigo 10.º).

36. O INR, no seu sítio eletrónico, em resposta a “perguntas frequentes” divulga que, para além do direito de estacionamento nos locais assinalados nos parques de estacionamento e via pública em geral, existe a possibilidade de requerer um lugar de estacionamento junto da habitação ou do local de trabalho, sendo que isso não significa o seu uso privativo. Conforme se explica no mesmo sítio eletrónico, qualquer automóvel com o cartão de estacionamento de modelo comunitário ou dístico pode estacionar no mesmo local .

IV
CONDIÇÕES DE UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE ESTACIONAMENTO

37. Os diplomas atrás referidos não dispõem, especificamente, sobre os termos da atribuição dos tradicionais lugares reservados (placa de sinalização com inscrição da matrícula) junto à residência ou local de trabalho das pessoas com mobilidade reduzida, matéria que encontra soluções ao nível municipal, de forma distinta.

38. A criação de um cartão de estacionamento europeu para pessoas deficientes, reciprocamente reconhecido, não teve certamente como propósito afastar ou abolir a adoção de medidas complementares, ao nível municipal, que facilitem o acesso de pessoas com mobilidade reduzida à sua habitação ou ao local de trabalho.

39. Em resposta dada em 13 de janeiro de 2012, a uma interpelação dirigida à Comissão Europeia, por Deputado ao Parlamento Europeu sobre a sinalização dos lugares de estacionamento para pessoas com deficiência, foi respondido pela Senhora Comissária Viviane Reding que são os Estados membros a emitir o cartão de estacionamento e são os Estados que definem onde e como pode ser utilizado, bem como enquadram a organização das bolsas ou baías coletivas de estacionamento.

40. Mais foi esclarecido que, em vários Estados membros, alguns espaços de estacionamento para deficientes são individualizados e, além do símbolo internacional de acesso, o local é marcado com um nome ou matrícula do veículo.

41. Aliás, como se refere em publicação informativa da Comissão Europeia sobre as condições de utilização nos Estados membros do cartão de estacionamento para pessoas com deficiência , elaborada em 2008,à semelhança de Portugal, em vários países persistem os espaços reservados (com a matrícula do veículo ou com o nome de uma pessoa), advertindo-se que outros veículos não deverão ser estacionados nesses locais.

42. Para estudo desta questão, os meus colaboradores contataram vários municípios portugueses, verificando que em alguns deles são atribuídos, em bem, lugares privativos de estacionamento. Isto é, o requerente, titular do cartão de estacionamento de modelo comunitário, pode obter autorização para colocação de painel adicional de onde consta a matrícula do seu veículo . Refiram-se, a título de exemplo, os municípios de Lisboa, Porto, Oeiras e Funchal.

43. Lamentavelmente, esta solução está longe de ocorrer na generalidade dos municípios. Com efeito, vários regulamentos municipais limitam-se a reservar lugares indiferenciados para estacionamento por cidadãos portadores de deficiência condicionadora da mobilidade.

44. Em resultado, a sua maior ou menor proximidade ao centro de interesses do condutor (domicílio ou local de trabalho) é fruto do acaso. Tudo depende, fortuitamente, do local onde se fixou o aparcamento reservado. Por outro lado, encontrando-se completa a utilização daqueles lugares, não dispõe o condutor da garantia de, para pretender estacionar, encontrar um lugar compatível com os seus problemas de mobilidade.

45. Tais condicionalismos, limitando a utilização de veículo particular, são suscetíveis de colocar as pessoas com deficiência numa situação de desvantagem comparativamente com os outros condutores.

46. Tenho fundado receio de que os interesses dos cidadãos com mobilidade reduzida não estejam a ser devidamente acautelados, designadamente por falta de regulamentação adequada, com prejuízo para a sua mobilidade e para a possibilidade de organizarem o seu quotidiano sem a dependência de terceiros.

47. E entendo que as competências atribuídas aos órgãos próprios dos municípios, para regulamentar, em termos gerais, o estacionamento de veículos não podem levar a negligenciar as atribuições conferidas ao Estado relativamente à integração dos cidadãos portadores de deficiência condicionados na sua mobilidade.

48. Até porque a questão da acessibilidade das mesmas pessoas reconduz–se a um problema social de inclusão que requer, necessariamente, soluções diversificadas e transversais.

49. De forma a evitar que, em nome do reconhecimento mútuo dos cartões de estacionamento para pessoas com deficiência pelos Estados membros da União Europeia, tenha lugar um retrocesso social para as pessoas com deficiência condicionadas na sua mobilidade, residentes em Portugal, seria desejável que o regime do cartão de estacionamento de modelo comunitário, por um lado, e o do dístico de identificação de veículo usado por deficiente motor, por outro lado, se completassem, a nível nacional e, por conseguinte, em todos os municípios do continente, dos Açores e da Madeira.

50. Creio que o legislador, em 2003, contribuiu de forma pouco feliz para criar a convicção de que o regime do cartão de estacionamento de modelo comunitário esgotaria as facilidades concedidas às pessoas com deficiência condicionadas na sua mobilidade neste domínio, ao revogar a Portaria n.º 878/81, de 1 de outubro (artigo 12.º do Decreto-lei n.º 307/2003, de 10 de dezembro).

51. Ao cabo de nove anos de vigência do diploma, pondero que essa revogação tenha sido precipitada. A consequência foi a de muitos municípios terem considerado que ficaram impedidos de atribuir lugares de estacionamento privativo junto aos locais de residência e/ou de trabalho, para além da criação de locais de estacionamento reservados para os utilizadores do cartão de estacionamento de modelo comunitário na via pública e em parques de estacionamento.

V
CONCLUSÕES

Estando em curso a definição de novas medidas e ações para um novo quadriénio no âmbito do PNPA, e no uso do poder que me é conferido pelo disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, RECOMENDO a Vossa Excelência, Senhor Ministro, adote as seguintes providências:

a) Esclarecimento de que a aprovação do cartão de estacionamento de modelo comunitário para pessoas com deficiência condicionadas na sua mobilidade não inviabiliza outras medidas que favoreçam a acessibilidade dos mesmos cidadãos;

b) Inclusão no PNPA de uma referência a que a reserva de lugar de estacionamento privativo na via pública para veículo de pessoa com deficiência junto à habitação ou local de trabalho constitui uma boa prática administrativa;

c) Repristinação da Portaria n.º 878/81, de 1 de outubro, com exceção do n.º 8, e com as necessárias adaptações, de modo a assegurar que, a nível nacional, os interessados que satisfaçam os pertinentes requisitos poderão requerer lugar privativo de estacionamento junto do seu local de residência e/ou de trabalho, com afixação da matrícula do veículo usado.

Apenas por dever de ofício recordo a Vossa Excelência que a Recomendação determina, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 38.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, transmitir-me, no prazo de 60 dias, a posição que vier a ser assumida em face das respetivas conclusões.
Com os melhores cumprimentos,
O PROVEDOR DE JUSTIÇA

(Alfredo José de Sousa)