Exmo. Senhor:

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Praça do Município

1100-355 Lisboa

 

 

– por protocolo –

 

 

Lisboa, 20 de julho de 2016

 

 

Sua referência

Sua comunicação

Nossa referência

 

 

S-PdJ/2016/8727

Q/4042/2015

 

 

Recomendação n.º 2/A/2016

[alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril]

 

Assunto: Veículos de combustão em pontos de abastecimento de viaturas elétricas. Sinalização. Estacionamento em locais revestidos de especial perigosidade ou com grave perturbação para o trânsito. Articulação entre entidades fiscalizadoras

 

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e em face das motivações seguidamente apresentadas, recomendo a V. Exa. que:

i)                                   Seja colocada sinalização para o estacionamento de veículos em todos os pontos de abastecimento de viaturas elétricas no concelho de Lisboa, nos termos determinados pelo Regulamento de Sinalização de Trânsito;

ii)                      Seja realizado o inventário dos pontos de abastecimento elétrico na cidade de Lisboa, em conformidade com o disposto no regime jurídico da mobilidade elétrica;

iii)                    Seja definido e concretizado o procedimento de atuação que assegure a imediata comparência de membro de órgão de polícia no local onde tenha sido sinalizado o estacionamento indevido especialmente perigoso ou com grave perturbação para o trânsito, ainda que não seja, desde logo, possível a remoção legalmente prevista;

iv)                A definição e a operacionalização dos procedimentos para tal necessários se façam assegurando a articulação da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, E.M., S.A. (EMEL), e da Polícia Municipal com a Polícia de Segurança Pública (PSP);

v)                  No prazo de 180 (cento e oitenta) dias sejam uniformizados os procedimentos e a sistematização das matérias acima elencadas, através de postura ou regulamento municipal.

É a seguinte a motivação da minha Recomendação:

 

§ 1.º A Queixa

                 O assunto trazido à minha apreciação radica em uma situação ocorrida no mês de junho de 2015, durante o período noturno, motivando pedido de intervenção da 2.ª Esquadra da Polícia de Segurança Pública de Lisboa, junto ao Cais do Sodré.

                 Uma vez relatado telefonicamente o estacionamento indevido de veículo de combustão em ponto de abastecimento para viaturas elétricas, a queixosa foi informada de que seria acionado, no imediato, reboque para proceder à competente remoção, solicitando-se, contudo, a sua permanência no local para efeitos de identificação. O reboque, contudo, nunca chegou ao local.

                 Em consequência da queixa formulada, resultou clara a deficiente articulação entre as diferentes entidades fiscalizadoras, maxime no que respeita à verificação do estacionamento indevido de veículos em locais exclusivamente destinados a viaturas elétricas.

 

§ 2.º A Instrução do Procedimento

                 Em sede instrutória, foram solicitados esclarecimentos à Direção Nacional da PSP, à Polícia Municipal de Lisboa e à EMEL, com especial enfoque para os seguintes pontos:

a)                  Atuação em matéria de fiscalização de pontos de abastecimento de veículos elétricos e eventual articulação com restantes entidades para remoção de viaturas indevidamente estacionadas, na área concelhia de Lisboa;

b)                 Modelo de articulação com as restantes entidades fiscalizadoras;

c)                  Existência de mecanismos informáticos de identificação e acesso aos diversos pontos de abastecimento localizados no município.

 

                 A Direção Nacional da PSP[1] transmitiu que a consequência jurídica da prática de uma infração consubstanciada no estacionamento em terminais de abastecimento exclusivamente destinados a viaturas elétricas produzirá apenas a aplicação de uma coima e não a remoção do veículo, sempre que aí inexistir o uso da correta sinalização, não se afigurando subsumível o caso sub judice ao artigo 164.º do Código da Estrada.

            A Polícia Municipal[2] defendeu que:

«não se afigura legítimo proceder à remoção de veículos indevidamente estacionados, por não existir previsibilidade no artigo 164.° do Código da Estrada, sendo aqueles apenas autuados, com a coima no valor de 19,95€ a 99,76€, prevista no artigo 24.° do Regulamento de Sinalização do Trânsito».

Por fim, a EMEL[3] aduziu que:

«sempre que o ponto de abastecimento para veículos elétricos se encontre em zona de estacionamento sob gestão, e o local se apresente devidamente sinalizado como exclusivo para veículos em abastecimento elétrico, os agentes de fiscalização de estacionamento procedem à autuação do veículo em infração, e podem, nos termos e com fundamento no artigo 164.º, n.º 2, al. g), do Código da Estrada, promover à sua remoção».

 

Acrescenta a Empresa que:

«muitos dos lugares de estacionamento junto aos pontos de abastecimento para veículos elétricos não se encontram com a sinalização vertical a privatizar o espaço para veículos elétricos em carga, ou a proibir o estacionamento exceto a veículos para aquele efeito, o que impede a atuação da EMEL por falta de fundamento legal para o efeito».

 

No tocante ao modelo de articulação com as restantes entidades fiscalizadoras (v.g., Polícia Municipal e EMEL), a Direção Nacional da PSP esclareceu que qualquer tipo de intervenção decorria do regime previsto no Regulamento de Estacionamento na Cidade de Lisboa (quanto à EMEL) e no artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de fevereiro (quanto à Polícia Municipal).

Por seu lado, a Polícia Municipal de Lisboa reconheceu um défice de articulação com os restantes organismos, em razão da autonomia procedimental que lhe é reconhecida, divulgando que não possui «qualquer mecanismo informático de identificação e acesso aos diversos pontos de abastecimento existentes em Lisboa bem como a sua localização».

No exercício da respetiva atividade de fiscalização do estacionamento na cidade de Lisboa, referiu a EMEL que atua em articulação com a PSP e a Polícia Municipal, havendo contactos privilegiados entre todas as entidades mencionadas.

Relativamente a eventuais mecanismos informáticos de identificação e acesso aos diversos pontos de abastecimento localizados no município de Lisboa, todas as entidades visadas informaram desconhecer a existência de instrumentos suscetíveis de possibilitar a localização dos diversos terminais, em tempo real, desde o início das operações de remoção ao consequente depósito nos parques destinados a esse efeito.

Sem embargo, a instrução do procedimento permitiu verificar a existência de atuações, nem sempre concertadas, por parte dos órgãos que procedem à fiscalização do estacionamento de veículos em pontos de abastecimento exclusivamente destinados a viaturas elétricas, designadamente, da PSP e da Polícia Municipal.

Muito embora subsista a mesma unidade telefónica de atendimento[4], verificou-se que o processamento das chamadas não se efetiva de forma coordenada, dependendo, acima de tudo, da celeridade e prioridade conferida por cada uma das sobreditas entidades à situação concreta.

Por outro lado, ainda que a Câmara Municipal de Lisboa realize reuniões periódicas com a PSP e a Polícia Municipal para tratamento de questões relacionadas com o trânsito na cidade, não terá sido ainda abordada a necessidade de proceder à devida articulação interinstitucional para uma resolução mais célere e eficaz dos problemas suscitados neste âmbito.

Ademais, justificar-se-á o envolvimento da EMEL no sobredito processo de colaboração, atentas as respetivas competências em matéria de fiscalização de estacionamento na cidade de Lisboa, em decorrência do disposto no Regulamento de Sinalização de Trânsito.

Por último, face à inexistência de um inventário sistematizado dos terminais de abastecimento ativos no concelho de Lisboa, prevalece a necessidade premente de sinalização uniforme, para efeitos de regulação do estacionamento naqueles locais.

 

§ 3.º Da Sinalização Aplicável no Caso Concreto

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 20/2009, de 20 de fevereiro[5], criou o Programa para a Mobilidade Elétrica, o qual visou estabelecer as bases para a introdução do veículo elétrico em território nacional.

Por sua vez, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 81/2009, de 7 de setembro[6], instituiu os objetivos e as fases de desenvolvimento do sobredito Programa, prevendo-se, em uma etapa inicial (até ao ano 2011), a integração de pontos de carregamento de veículos elétricos, composta por 1350 terminais instalados em 25 municípios.

O estabelecimento e o acesso da rede piloto de mobilidade elétrica vieram a ser aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, na versão conferida pelo Decreto‑Lei n.º 90/2014, de 11 de junho.

Nos termos do n.º 1, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril:

«Consideram-se veículos elétricos o automóvel, o motociclo, o ciclomotor, o triciclo ou o quadriciclo, dotados de um ou mais motores principais de propulsão elétrica que transmitam energia de tração ao veículo, incluindo os veículos híbridos elétricos, cuja bateria seja carregada mediante ligação à rede de mobilidade elétrica ou a uma fonte de eletricidade externa, e que se destinem, pela sua função, a transitar na via pública, sem sujeição a carris».

E dispõe o n.º 2 daquele preceito que «Os veículos elétricos estão sujeitos, em função da respetiva categoria, às regras previstas no Código da Estrada e demais legislação aplicável».

A situação de estacionamento de viatura em lugar reservado a veículo de diferente categoria é regulada pela alínea c), do n.º 1, e pela alínea g), do n.º 2, do artigo 164.º, do Código da Estrada. Enquanto a citada alínea c) integra a tutela dos elementos de perigosidade e perturbação para o trânsito, resulta, por sua vez, da alínea g) a possibilidade de remoção de veículos que se encontrem estacionados em local destinado ao estacionamento de viaturas de certas categorias (cf. ainda o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 71.º, do Código de Estrada).

Sendo certo que o ilícito resultante da violação das disposições do artigo 71.º (que compele à existência de sinalização no local) consubstanciará a aplicação da referida alínea g), do n.º 2, do artigo 164.º, a violação do regime ínsito nas alíneas c) e d) daquele primeiro preceito justificará a remoção do veículo, desde que afixada a correta sinalização[7].

Não está aqui em causa a proibição de estacionamento adveniente da colocação dos sinais «C15»[8] ou «C16»[9], já que em tal situação, a violação do regime vertido no artigo 26.º do Regulamento de Sinalização do Trânsito conduz apenas à prática de uma contraordenação, não pressupondo a remoção do veículo. Ou seja, com a colocação do sinal de informação de estacionamento autorizado «H1a» e aposição de dístico adicional adequado, o desrespeito da afetação do lugar de paragem a uma categoria de veículos não comportará uma mera sanção resultante da previsão de uma coima subsumível ao evento concreto, resultando, antes, da aplicação do disposto nas alíneas c) e d), do artigo 71.º, do Código da Estrada a consequente admissibilidade de se proceder à remoção, conjunta ou alternadamente, com o bloqueamento do veículo nos termos do artigo 164.º do mesmo diploma legal.

Neste sentido, o n.º 1, do artigo 55.º, do Decreto-Lei n.º 39/2010, de 26 de abril, introduziu uma alteração ao artigo 46.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, passando a prever-se, no quadro dos painéis adicionais representados no quadro XXXV do respetivo anexo, destinados a completar a indicação dada pelos sinais verticais, a utilização dos Modelos «10c» e «11l». No primeiro caso, está em causa uma prescrição não aplicável ou apenas aplicável a veículos elétricos; no segundo caso, o dístico destina-se a informar que a indicação ou a prescrição constante do sinal apenas se aplica à categoria de veículo que figura no painel.

Assim, a autuação e remoção de viaturas, indevidamente estacionadas em locais para uso exclusivo de veículos elétricos em abastecimento, estará legitimada pela utilização de sinalização aferidora de estacionamento autorizado apenas para veículos daquela categoria.

 

§ 4.º A Fiscalização e Remoção de Veículos

Aqui chegados, julgo pertinente sublinhar os excessivos tempos de resposta que envolvem o processo de remoção de viaturas na cidade de Lisboa[10], sobretudo quando estejam em questão meios humanos afetos à PSP e à Polícia Municipal. Os elementos instrutórios carreados para o presente procedimento permitiram concluir que, em regra, não se afigura possível concluir a intervenção em menos de três horas, mostrando-se impraticável que o particular que formaliza a queixa, e cuja presença se revela imperiosa, seja forçado a permanecer no local por idêntico período. Acresce que, na maioria das situações, o infrator não sofre qualquer tipo de sanção, uma vez que a excessiva dilação na resposta possibilita a deslocação do veículo em infração em momento anterior.

No sentido de precaver um contexto de duplo prejuízo para o queixoso, será, pois, premente uma intervenção alternativa, de natureza urgente, em contexto prévio à remoção, sempre esta que não se revele exequível nos termos da legislação vigente.

Reconhecendo a insuficiência de recursos materiais suscetíveis de viabilizar o bloqueamento imediato do veículo sinalizado, para posterior remoção, entendi recomendar ao Senhor Diretor Nacional da PSP (por meio de expediente que faço juntar em anexo, para melhor conhecimento de V. Exa.) que fosse definido e concretizado procedimento de atuação que assegure a imediata comparência de membro de órgão de polícia no local onde tenha sido sinalizado o estacionamento indevido especialmente perigoso ou com grave perturbação para o trânsito, possibilitando que o queixoso se ausente do local, ainda que não seja, desde logo, possível a remoção legalmente prevista.

Em tal enquadramento, a contribuição do executivo camarário a que V. Exa. superiormente preside assume um papel central na articulação permanente entre a PSP, o contingente pertencente à EMEL e a Polícia Municipal, designadamente para efeitos de atuação em situações de estacionamento indevido em locais revestidos de especial perigosidade ou envolvendo grave perturbação para o trânsito no município de Lisboa. A intervenção de cada uma das entidades deverá desencadear-se à luz das competências legalmente definidas na presente matéria.

 

§ 5.º Conclusão

Considero, assim, que a questão da remoção de veículos, indevidamente estacionados em terminais de abastecimento de viaturas elétricas, encontra-se legitimada pela correta utilização de sinalização nos locais em apreço.

A regulação do estacionamento em tal enquadramento deverá ser complementada pelo registo de todos os pontos ativos no concelho de Lisboa, reforçando, por este modo, a capacidade de resposta das entidades fiscalizadoras.

Em um contexto de atuação coordenada entre as principais entidades que exercem a regulação do estacionamento na área concelhia, revela-se, também, premente o reforço da articulação da PSP, da EMEL e da Polícia Municipal, em todas as situações de estacionamento indevido em locais revestidos de especial perigosidade ou envolvendo grave perturbação para o trânsito.

Para uniformização de procedimentos e sistematização das matérias acima elencadas, creio revelar-se útil a elaboração de postura ou regulamento municipal, a submeter à apreciação da Assembleia Municipal.

Com efeito, tendo presente que, nos termos do disposto na alínea g), do n.º 1, do artigo 25.º, da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, «compete à Assembleia Municipal, sob proposta do município, aprovar as posturas e os regulamentos com eficácia externa do município», e na medida em que a regulação da sinalização rodoviária comporta eficácia externa, deverá o executivo camarário, superiormente presidido por V. Exa., elaborar e submeter à aprovação da Assembleia os projetos regulamentares externos tendentes à consecução de tal desiderato, em decorrência do estabelecido na alínea k), do n.º 1, do artigo 33.º, do mesmo diploma.

Em cumprimento do disposto no n.º 2, do artigo 38.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, dignar-se-á, por fim, V. Exa., transmitir-me, dentro de sessenta dias, a posição que vier a assumir em face da presente Recomendação, maxime, quanto à decisão de execução dos procedimentos ora fixados, sem prejuízo do posterior acompanhamento dos termos da operacionalização das sobreditas medidas.

Com os meus respeitosos cumprimentos,

 

 

O Provedor de Justiça,

 

 

José de Faria Costa



[1] Comunicação escrita datada de 5 de fevereiro de 2016.

[2] Resposta circunstanciada de 2 de novembro de 2015 (ofício n.º 052044.15.5.1).

[3] Comunicação com data de 20 de janeiro de 2016.

[4] Concluiu-se que a PSP e a Polícia Municipal partilham a mesma central, sendo a resolução das queixas atribuída em função da ordem de atendimento.

[5] Cf. Diário da República, 1.ª série, N.º 36, de 26 de fevereiro de 2009.

[6] Cf. Diário da República, 1.ª série, N.º 173, de 7 de setembro de 2009.

[7] Cf. Farinha, Luís et al., Código da Estrada Anotado, 1.ª Edição, Lisboa, Encontro da Escrita, 2014, pp. 233 e ss.

[8] Estacionamento proibido.

[9] Paragem e estacionamento proibido.

[10] Refiro-me a situações que envolvem não apenas o estacionamento indevido em locais de abastecimento de veículos elétricos, mas, igualmente, do estacionamento que envolva situação de perigo ou grave perturbação para o trânsito, designadamente, em passadeiras (alínea c), do n.º 2, do artigo 164.º) e garagens (alínea f), do n.º 2, do artigo 164.º). Nestes dois casos, a remoção de viaturas processa-se a coberto do regime previsto na alínea c), do n.º 1, do artigo 164.º, do Código de Estrada.