A Sua Excelência,

O Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

Estrada das Laranjeiras, 205

1649-018 Lisboa

 

– por protocolo –

 

 

Sua referência

Sua comunicação

Nossa referência

 

S-PdJ/2017/13207

Q/136/2016 (UT4)

Q/2336/2016 (UT4)

 

Lisboa, 17 de julho de 2017

 

Assunto: Estatuto do Bolseiro de Investigação. Recurso a bolseiros de investigação para assegurar a satisfação de necessidades permanentes dos serviços    

 

 

Recomendação n.º 2/B/2017

(alínea b), do n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da

Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)

 

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b), n.º 1, do artigo 20.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, e pelos motivos seguidamente expostos, recomendo a Vossa Excelência que promova o aperfeiçoamento do Estatuto do Bolseiro de Investigação[1], no sentido de:

     1. Reforçar as sanções pelo incumprimento da proibição de contratação de bolseiros para satisfação de necessidades permanentes dos serviços (n.º 5 do artigo 1.º do EBI);

    

2. Assegurar efetivos meios de controlo, preventivo e sucessivo, da regularidade dos planos de atividades adotados e executados ao abrigo de contratos de bolsa;

     3. Definir as consequências jurídicas de uma eventual declaração de invalidade dos contratos celebrados, designadamente acautelando a posição dos bolseiros abusivamente contratados para assegurar necessidades permanentes;

     4. Limitar os poderes próprios das entidades de acolhimento no âmbito da organização e disciplina das atividades desenvolvidas pelos bolseiros de investigação.

                  

Ao Provedor de Justiça vêm sendo constantemente apresentadas diversas queixas que denunciam o recurso abusivo a formas de contratação precária de trabalhadores pela Administração Pública. Tem, por isso, este órgão do Estado acompanhado com expetativa a execução em curso de novas medidas tendentes a remediar os efeitos da reincidência em tais práticas. Tenho especialmente presentes, neste contexto, não apenas o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública e no Setor Empresarial do Estado (PREVPAP), como também o dever imposto pelo artigo 23.º do novo regime de contratação de investigadores doutorados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/2016, de 29 de agosto.

A apreciação de queixas relativas à contratação aparentemente abusiva ou irregular de bolseiros de investigação tornou, todavia, evidente que há medidas legislativas que podem ser adotadas com vista a evitar que as entidades públicas continuem a mobilizar verbas, que deveriam ser destinadas à promoção do conhecimento e do desenvolvimento científico e tecnológico, para suprir carências de recursos humanos em prejuízo dos bolseiros precariamente contratados.

 

I A questão objeto do procedimento Q/136/2016 (UT4)

Foi apresentada uma queixa ao Provedor de Justiça pela Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), que solicitava a atenção deste órgão do Estado para diversos anúncios de bolsas de investigação, cuja descrição do plano de atividades indiciava o recurso à contratação de bolseiros para satisfação de necessidades permanentes dos serviços.

Além dos vários exemplos citados pela Associação, foram analisados diversos anúncios[2], que permitiram observar que é entre as bolsas de gestão de ciência e tecnologia e as bolsas de técnico de investigação, que se observam maiores semelhanças entre as atividades caracterizadoras dos planos de atividades financiados por bolsas e as atividades que recortam o conteúdo funcional de postos de trabalho das entidades promotoras.

Nos termos do disposto no Regulamento de Bolsas de Investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P.[3], as bolsas de gestão de ciência e tecnologia «destinam-se a licenciados, mestres ou doutores, com vista a proporcionar formação complementar em gestão de programas de ciência, tecnologia e inovação, ou formação na observação e monitorização do sistema científico e tecnológico ou do ensino superior, e ainda para obterem formação em instituições relevantes para o sistema científico e tecnológico nacional de reconhecida qualidade e adequada dimensão, em Portugal ou no estrangeiro.» (n .º 1 do artigo 9.º). Já as bolsas de técnico de investigação «destinam-se a proporcionar formação complementar especializada, em instituições científicas e tecnológicas portuguesas ou estrangeiras, de técnicos para apoio ao funcionamento e à manutenção de equipamentos e infraestruturas de caráter científico e a outras atividades relevantes para o sistema científico e tecnológico nacional.» (n.º 1 do artigo 11.º).

Sendo embora assinalavelmente aberta a caracterização regulamentar das bolsas em apreço, parece evidente que, tal como se afirma no relatório Levantamento dos instrumentos de contratação de natureza temporária na Administração Pública, também estas bolsas deveriam «revest[ir] a natureza de subsídios atribuídos por entidades de natureza pública e ou privada, destinados exclusivamente a financiar a realização de atividades de natureza científica, tecnológica e formativa.»[4]

Entre os vários anúncios analisados por este órgão do Estado, verificou-se todavia que o recrutamento de bolseiros visava a realização, em benefício das próprias entidades promotoras, de atividades essenciais para a prossecução dos objetivos ou funções das instituições. Permita-me, Senhor Ministro, que brevemente cite alguns dos mais ilustrativos exemplos:

 

     1. Tipo de bolsa: Bolsa de Técnico de Investigação[5]

     Entidade promotora e local de trabalho: Faculdade de Ciências da Universidade Nova de Lisboa, Departamento de Química

     Entidade(s) financiadora(s): Não identificadas no anúncio

     Plano de atividades, tal como descrito no anúncio:

     «Garantir o bom funcionamento das aulas práticas, nomeadamente:

     a)    Actualização dos protocolos necessários;

     b)    Acompanhamento das aulas laboratoriais e garantir o bom funcionamento dos turnos;

     c)    Limpeza e arrumação do material e equipamento;

     d)    Manter os stocks de material e reagentes;

     e)    Apoio na gestão dos laboratórios (montagens, operação de equipamentos, pedidos de orçamentos, preenchimento de requisições de reagentes e material e requisições para os serviços técnicos).»

     Necessidades identificadas: tarefas de apoio indispensáveis à realização de aulas práticas.

 

     2. Tipo de bolsa: Bolsa de Técnico de Investigação

     Entidade promotora e local de trabalho: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Tec Labs – Centro de Inovação

     Entidade(s) financiadora(s): Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

     Plano de atividades, tal como descrito no anúncio:

·      «Receção e encaminhamento de visitantes;

·      Atendimento telefónico;

·      Apoio às atividades de acolhimento empresarial;

·      Apoio à manutenção do edifício;

·      Outras tarefas de apoio à Gestão.»

     Necessidades identificadas: Tarefas coincidentes com o conteúdo funcional de postos de trabalho de assistente operacional, tal como descritos no mapa de pessoal para 2016 da FCUL[6].

 

     3. Tipo de bolsa: Bolsa de Técnico de Investigação

     Entidade promotora e local de trabalho: Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Unidade de Investigação

     Entidade(s) financiadora(s): Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa

     Plano de atividades, tal como descrito no anúncio:

«O bolseiro irá desenvolver tarefas no âmbito do apoio ao funcionamento de equipamentos, infraestruturas e projetos de investigação com relevância científica para a Unidade de Investigação da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, incluindo as seguintes atividades:

– Apoiar os Órgãos de Gestão da FPUL na realização das respetivas atividades e recolher, elaborar e sistematizar a informação de apoio à decisão;

– Garantir o apoio à organização dos processos relativos à divulgação de oferta formativa de formação graduada/pós-graduada e formação contínua, à candidatura e às inscrições, em articulação com os Serviços Académicos;

– Elaboração dos mapas de distribuição do serviço docente, horários e de mapas de exames, enquadradas por directivas ou orientações dos Órgãos de Gestão da FPUL;

– Conhecer e aplicar a legislação em vigor aplicável ao Ensino Superior ao 1.º, 2.º e 3.º ciclo de estudos e regulamentos internos aplicados na FPUL;

– Apoiar a realização de atividades de avaliação interna e externa e a acreditação de cursos de formação graduada e pós-graduada;

– Coligir informação de carácter estatístico para fornecer internamente e a entidades externas;

 – Elaborar estatísticas e relatórios (e.g. análise do sucesso/insucesso escolar nas unidades curriculares do Mestrado Integrado em Psicologia);

– Operar com os Sistemas de Informação que apoiam a gestão administrativa académica (Fénix, SIGES);

– Organização e manutenção de bases de dados e arquivos relativos à gestão académica;

– Manutenção e gestão de conteúdos do website e redes sociais institucionais.»

     Necessidades identificadas: Assessoria, secretariado e coadjuvação aos Núcleos de Gestão Académica (cf. as atividades descritas no Regulamento Orgânico da Faculdade de Psicologia n.º 507/2015[7], artigos 4.º, al. q), 5.º, al. p); 17.º, 18.º, 20.º, 22.º, al. g), e 27.º).

 

4. Tipo de bolsa: Bolsa de Gestão de Ciência e Tecnologia

Entidade promotora e local de trabalho: Universidade de Coimbra, Administração da Universidade de Coimbra

Entidade(s) financiadora(s): Universidade de Coimbra (receitas próprias)

Plano de atividades, tal como descrito no anúncio:

     “Promover a aquisição de competências, através de processo de estágio e formação hands-on, no domínio da gestão e administração dos procedimentos de cobrança coerciva de dívidas de propinas e de regularização de reembolsos e outros que careçam de regularização. Propor metodologias de inovação e modernização que contribuam para melhorar a gestão dos procedimentos associados à gestão de propinas, incrementando a antecipação da cobrança ao prazo prescricional das referidas dívidas e a melhoria dos serviços prestados no âmbito da atividade.”

Necessidades identificadas: Funções compatíveis com o conteúdo e carreira de técnico superior nas áreas de gestão financeira e de tesouraria.

 

 

5. Tipo de bolsa: Bolsa de Gestão de Ciência e Tecnologia

Entidade promotora e local de trabalho: Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P.

Entidade(s) financiadora(s): Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P., Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

Plano de atividades, tal como descrito no anúncio:

     “O/A candidato/a a selecionar será integrado no Departamento de Apoio às Instituições incidindo a sua formação nas seguintes áreas: 1. Gestão e acompanhamento dos instrumentos de promoção do emprego científico; 2. Implementação e organização dos processos de avaliação da responsabilidade do Departamento de Apoio às Instituições.”

Necessidades identificadas: Funções parcialmente coincidentes com as elencadas e descritas no artigo 4.º da Portaria n.º 216/2015, de 21 de julho, que aprova os Estatutos da Fundação, e para o qual remete o mapa de pessoal aprovado para 2016[8].

 

Depois de confrontar a Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC), bem como a Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. (FCT), com este tipo de casos, apurou-se que ao longo dos últimos cinco anos não foi promovida neste contexto qualquer ação inspetiva, nem aplicada qualquer sanção às entidades promotoras.

De acordo com as informações prestadas pela IGEC, a realização de ações específicas «visando apurar eventuais violações da proibição estatuída pelo n.º 5, do artigo 1.º do Estatuto do Bolseiro de Investigação» não foi contemplada nos planos de atividades dos últimos anos, nem foi recebida qualquer denúncia[9].

Também a FCT alegou não ter registo de «denúncias formais» deste tipo de casos, embora tenha reconhecido «ter tomado conhecimento, designadamente por órgãos de comunicação social, de algumas situações isoladas em que tudo apontava para a intenção de celebrar um ou outro contrato de bolsa com plano de trabalhos idêntico aos que se propunham nos editais remetidos por V. Exa.»[10].

Não surpreende, na verdade, que casos como os descritos supra não sejam, com frequência, denunciados. Note-se que, a ser detetada a celebração abusiva de um contrato de bolsa para satisfazer necessidades correspondentes a postos de trabalho, as principais consequências da declaração de nulidade do contrato celebrado recairiam sobre os próprios bolseiros, os quais muitas vezes e como é sabido são jovens altamente qualificados que, na ausência de ofertas adequadas de emprego, encontram nas bolsas de investigação a oportunidade de se manterem ligados às instituições ou às respetivas áreas de investigação, e obter algum rendimento, ainda que em condições precárias.

Efetivamente, o EBI não prevê, nem regula, as consequências da violação da proibição contida no n.º 5 do artigo 1.º: nem se encontra nenhuma disposição semelhante à incluída na Lei Geral do Trabalho em Função em Públicas sobre a celebração de contratos a termo irregulares (artigo 63.º), que claramente impute responsabilidades aos dirigentes das instituições; nem os efeitos da invalidade do contrato de bolsa são objeto de disciplina normativa que, nomeadamente, salvaguarde a posição dos trabalhadores irregularmente contratados, na eventualidade da nulidade do contrato vir a ser declarada.  

É certo que o EBI prevê que possa ser aplicada uma sanção de inibição de contratação de bolseiros, durante um período de um a dois anos, em caso de incumprimento grave e reiterado dos deveres que do Estatuto resultam para as entidades de acolhimento (n.º 1 do artigo 18.º do EBI). Porém, de acordo com os esclarecimentos prestados pela FCT, esta sanção não foi aplicada nos últimos cinco anos a qualquer entidade de acolhimento.

Aduziu também a Fundação, em esclarecimentos prestados a este órgão do Estado, que «todos os avisos de abertura de concursos de bolsas que venham a ser financiados no âmbito do apoio a unidades de investigação e a projetos têm que ser previamente validados pelos serviços da FCT, I.P. (…). Caso seja submetido um aviso de abertura de concurso que contenha quaisquer disposições que contrariem as normas imperativas do Estatuto do Bolseiro de Investigação, o referido aviso de abertura de concurso não é aceite no âmbito do financiamento atribuído pela FCT, I.P. (…).»

Foi, no entanto, possível verificar que, em alguns dos casos analisados por este órgão do Estado de que emergiam fortes indícios de violação da proibição inscrita no n.º 5, do artigo 1.º, do EBI, as bolsas eram também financiadas pela FCT. Acresce que esta entidade, como supra se referiu no exemplo citado em 5., promove também o recrutamento de bolseiros, designadamente de bolseiros de gestão de ciência e tecnologia, pelo que importaria assegurar que a verificação preventiva dos planos de trabalhos não pudesse ser, nestes casos, confiada à própria entidade de acolhimento dos bolseiros.

 

 

II – A questão objeto do procedimento Q/2336/2016 (UT4)

Foi também apresentada a este órgão do Estado uma queixa em que era contestado o Despacho do Magnífico Reitor da Universidade do Minho n.º RT-25/2016, de 4 de maio, nos termos do qual os bolseiros de gestão de ciência e tecnologia contratados pela Universidade do Minho passariam a «cumprir as suas funções ao abrigo do Regulamento de funcionamento, atendimento e horário de trabalho do pessoal não docente e não investigador da Universidade do Minho» e consequentemente a estar sujeitos ao cumprimento de horário de trabalho, controlo de assiduidade e pontualidade, bem como às regras relativas à aprovação de férias, aplicáveis a qualquer trabalhador não docente e não investigador da instituição.

Ouvida a Reitoria, veio o Magnífico Reitor invocar que «resulta expressamente do Estatuto do Bolseiro que o desempenho de