A Sua Excelência
O Ministro do Planeamento e Infraestruturas
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– por protocolo –

Lisboa, 13 de abril de 2018

Sua referência Sua comunicação Nossa referência
  S-PdJ/2017/25257
Q/6001/2016

 Assunto: Queixa ao Provedor de Justiça. Faltas justificadas a exames de código de condução. Cobrança de taxa. Omissão de medidas. Recomendação

Recomendação n.º 1/B/2018
(alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril)

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.º 9/91, de 9 de abril), e em face das motivações seguidamente apresentadas, RECOMENDO a Vossa Excelência que seja ponderada a alteração do regime constante do Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho, passando aquele diploma a prever a eventual falta de comparência a exames de condução em dois casos principais, a saber:

a) impossibilidade previsível, a ser comunicada e justificada até cinco dias antes da realização de prova, mediante documento idóneo, sob pena de renovação do procedimento administrativo;
b) impossibilidade não previsível, transmitida até à hora de realização do exame agendado, e comprovada mediante apresentação de meio idóneo até ao terceiro dia útil posterior, uma vez mais sob pena de renovação do procedimento administrativo;
c) Por outro lado, entendo que devem ser emanadas orientações destinadas a uniformizar o procedimento de cobrança de taxas de inscrição para situações idênticas, a praticar pelos diversos estabelecimentos destinados à prossecução do ensino da condução.

É a seguinte a motivação da minha Recomendação.

1.º § A Queixa

 Foi recebida na Provedoria de Justiça uma queixa respeitante à impossibilidade de justificação de faltas de comparência a exames para obtenção de carta de condução.

De facto, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 138/2012, de 5 de julho, que aprova o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, “[a]s faltas às provas componentes do exame de condução não são justificáveis, podendo o candidato requerer nova marcação, mediante o pagamento da taxa correspondente, prevista em portaria aprovada pelo membro do Governo responsável pela área da economia.”

Por outro lado, prevê ainda o n.º 2 do mesmo preceito que só será marcada data para a repetição do exame, sem pagamento de nova taxa, “[q]uando qualquer prova for interrompida por caso fortuito ou de força maior”. 

Decorre assim deste regime que, salva a hipótese (por natureza excecional) de interrupção de prova já iniciada, sobre quem quer que se se proponha a exame de condução impenderá sempre o ónus de requerer nova data de exame e de pagar nova taxa de inscrição, caso lhe venha a ser impossível – ainda que por razões de saúde – comparecer às provas em momento inicialmente fixado.  

Para além disso, merece ainda realce o facto de se não encontrarem uniformizadas as taxas de inscrição praticadas pelos diversos estabelecimentos que se dedicam ao ensino da condução automóvel, sendo possível identificar, para situações idênticas, a cobrança de valores substancialmente distintos, pois que a tanto não parece obstar o Regulamento de Taxas do Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 236/2008, de 12 de dezembro.

2.º § A Instrução do Procedimento

No cumprimento do dever de audição prévia previsto no artigo 34.º da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, esclareceu o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT), que «[a]s faltas às provas componentes do exame de condução, à semelhança das faltas a quaisquer outras provas de exame, não são susceptíveis de justificação. Contudo, a única consequência da falta será a necessidade de o candidato proceder à marcação de nova prova, com pagamento a respectiva taxa, porquanto:
 •  Sendo a taxa a contrapartida pelo serviço público prestado, se o candidato faltar no dia agendado para a prova, fica, no caso da prova teórica, um lugar vago e um computador sem uso que poderia ter sido usado por um outro, e no caso da prova prática, um examinador parado durante os 40 minutos previstos para a duração da prova, sendo que, em qualquer das situações é impossível convocar em cima da hora, outros candidatos que substituam o faltoso;
 •  Donde, a Administração disponibilizou o serviço requerido, não tendo o destinatário dele feito uso, sendo por isso razoável o justo pagamento de nova taxa quando o voltar a requerer;
 •  Outra realidade, completamente diferente, consiste na interrupção da prova por caso fortuito ou de força maior.
Aqui, ao contrário da falta, o candidato compareceu no dia e hora que lhe foram designados e iniciou a prestação da sua prova, a qual, por motivos exógenos à sua vontade ou domínio, veio a ser interrompida, designadamente, no caso da prova teórica, prestada em sistema multimédia, por quebra de energia ou falha do sistema informático e no caso da prova prática, por falha mecânica do veículo, ou imobilização durante longo período no trânsito, devido a interrupção momentânea da via. Nestas circunstâncias, e porque não houve qualquer intervenção voluntária do candidato no ocorrido, a lei permite a marcação de nova prova com dispensa do pagamento da respetiva taxa».

Ponderadas as explicações aduzidas pelo IMT, entenderam os serviços do Provedor de Justiça (o titular do cargo era, então, o meu ilustre antecessor, José de Faria Costa) dirigir-se ao Senhor Secretário de Estado das Infraestruturas, por meio de interpelação consubstanciada em ofício datado de 2 de dezembro de 2016 (Ref.: S-PdJ/2016/25829).

As sugestões ali formuladas não foram até ao dia hoje objeto de resposta, não obstante a insistência realizada em 6 de fevereiro de 2017 (Ref.: S-PdJ/2017/2552), bem como a multiplicidade de contatos informais tomados a cargo, desde então, pelo Gabinete do meu antecessor junto do seu homólogo.

Permito-me concluir, Senhor Ministro, que a menor atenção prestada pela Secretaria de Estado das Infraestruturas às insistências levadas a cabo pelo meu antecessor no cargo se deverá, seguramente, a uma incompleta leitura do disposto no n.º 4 do artigo 23.º da Constituição da República e no n.º 1 do artigo 29.º da Lei nº 9/91, de 9 de abril (dever de cooperação dos órgãos e agentes da Administração Pública para com o Provedor de Justiça); e como reconheço toda a justeza à argumentação nessas insistências aduzida, retomo agora, perante Vossa Excelência, as razões então expostas.

 

3.º § Da pertinência de alteração legislativa ao Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir

Ao não contemplar a justificação das faltas a provas do exame de condução, o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir cria uma situação de manifesta injustiça. A desproporção existente entre, por um lado, a utilidade que a administração retira de tal situação e, por outro, o ónus que a mesma impõe ao particular afetado torna-se, aliás, tanto mais evidente quanto se tem em conta de que se tratará de uma solução tendencialmente isolada face aos quadros gerais do Direito vigente. 

Com efeito, e num sistema jurídico orientado pela tutela constitucional do bem jurídico saúde (artigo 64.º da Constituição), natural é que a comparência a atos devidos perante o Estado, nas suas diversas funções, ou perante entidades privadas às quais estejamos obrigados nos termos gerais do Direito, seja tratada pelos diferentes regimes jurídicos de molde a prever a falta justificada por motivos não imputáveis ao faltoso, mormente os respeitantes, justamente, à proteção da saúde. E, de facto, em geral assim é. Dou apenas dois exemplos. No domínio das relações jurídico-privadas, prevê a justificação da falta [à comparência ao trabalho] o n.º 2 do artigo 249.º do Código do Trabalho; e no domínio privilegiado das relações entre cidadãos e Estado que se estabelecem em virtude da existência de um dever de comparecer em juízo prevê o n.º 1 do artigo 117.º do Código de Processo Penal a possibilidade de ser justificada a falta, quando motivada por facto não imputável ao faltoso. Face a estes e exemplos, incompreensivelmente isolada é a solução contida no Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir, segundo a qual não terá em caso algum justificação a falta de comparência à prova para obtenção de licença de condução.

Tal condição de isolamento será tanto mais incompreensível quanto se tiver ainda em conta o facto de, independentemente da justificação da falta, a mesma desencadear por si só o dever, impendente sobre o particular, de pagamento de nova taxa, relativa à inscrição no novo exame a que se deverá candidatar. Recordo que a natureza bilateral inerente à taxa – e consubstanciada na existência de uma contrapartida específica assente numa prestação a cargo da Administração Pública – se não encontrará presente em casos de falta devidamente comprovada aos exames de condução; como recordo ainda que, no nosso sistema jurídico, se não considera critério legítimo para a imposição de taxas todos aqueles que tenham intuitos sancionatórios, precisamente por faltar, nessas circunstâncias, o caráter sinalagmático que fundamenta a previsão de existência deste tipo de tributos. Ademais, creio, será a este propósito de sublinhar o disposto no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 236/2008, de 12 de dezembro (que aprovou o já referido Regulamento de Taxas do Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres) que vem dispor muito claramente que «[a]s taxas a que se refere o presente decreto-lei visam remunerar, de forma objectiva, transparente e proporcionada, no respeito pelo princípio da equivalência, o exercício pelo IMTT, I. P., das suas atribuições de regulação e supervisão de actividades desenvolvidas no sector dos transportes terrestres, bem como a prestação de serviços aos utilizadores».

4.º § Conclusões

Em face do acima exposto, defendo que o procedimento de marcação de um exame de condução junto do IMT deveria contemplar um regime de exceção suscetível de possibilitar eventuais faltas de comparência, mediante a apresentação de meio de prova adequado, (v.g. atestado emitido por profissional de saúde), para que o formando possa realizar novo exame sem pagamento de taxa complementar.

Permito-me ainda sugerir que, à semelhança do que dispõem os n.os 2.º e 3.º do Código de Processo Penal, se distinga a este propósito entre

a) as situações de fácil conjeturabilidade, que deverão ser comunicadas e justificadas até cinco dias antes da realização das provas de exame, através da exibição de meio de prova idóneo.
 Será exigível que o documento em causa (v.g. atestado médico em caso de doença) venha a nomear a duração do impedimento e respetivo motivo, sob pena de renovação do procedimento administrativo e pagamento de nova taxa.

b) as situações de impedimento não expectável, que deverão ser transmitidas até à hora de realização do exame agendado, e comprovadas mediante apresentação de meio idóneo até ao terceiro dia útil posterior, uma vez mais sob pena de renovação do procedimento administrativo.

O regime agora proposto permitiria corrigir eventuais desvios ao princípio da proporcionalidade, no quadro das relações jurídico-tributárias geradoras da obrigação do pagamento da taxa de realização de exame para obtenção de título de condução aos respetivos candidatos, uniformizando ainda o procedimento de cobrança de taxas de inscrição praticadas pelos diversos estabelecimentos para situações objetivamente idênticas.

Tal uniformização será, a meu ver, ainda mais justificada após as recentes alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 151/2017, de 7 de dezembro, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2016/1106/UE da Comissão, de 7 de julho de 2016, e introduz um novo regime no que respeita ao título habilitante para a condução de veículos a motor de duas ou três rodas, por indivíduos com idade não inferior a 14 anos e que ainda não tenham completado os 16 anos.

Apresento-lhe, Senhor Ministro, os meus melhores cumprimentos. 

A Provedora de Justiça

(Maria Lúcia Amaral)