Comunicações electrónicas: Provedor considera que municípios não podem cobrar mais taxas do que a lei permite

O Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, considera que – em matéria de taxas de passagem das redes de comunicações electrónicas – os municípios só têm direito a cobrar os valores definidos pelo Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 258/2009, de 25 de Setembro), sendo-lhes vedada a possibilidade de cobrar qualquer taxa ou valor adicional ao definido por lei.

O Provedor de Justiça analisou esta questão depois de ter recebido uma queixa a propósito do regime das redes de comunicações electrónicas decorrente do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de Maio (alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 258/2009, de 25 de Setembro).

O legislador estabeleceu, por lei da Assembleia da República – Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, Lei das Comunicações Electrónicas –, a denominada taxa pelos direitos de passagem. Essa taxa é, conforme resulta das normas do art.º 106.º do diploma em referência, de cobrança eventual e apenas pelos municípios – o Estado e as Regiões Autónomas não estão autorizados a cobrar essa mesma taxa, e os municípios não estão obrigados a fazê-lo.

Mais tarde, no âmbito do acima referido Decreto-Lei n.º 123/2009, o legislador viria a esclarecer que, para além da taxa definida naquele dispositivo da Lei das Comunicações Electrónicas, não é permitida a cobrança, pelos municípios, de quaisquer outras taxas, encargos e remunerações pela utilização e aproveitamento dos bens do domínio público e privado municipal que se traduza na construção ou instalação, por parte de empresas que ofereçam redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de infra-estruturas aptas ao alojamento de comunicações electrónicas. O legislador esclarece, ainda, que no caso de os municípios não cobrarem a taxa em causa, não poderão, em sua substituição ou complemento, isto é, pelo mesmo tipo de utilização e aproveitamento, aplicar e cobrar quaisquer outras taxas, encargos ou remunerações (art.ºs 12.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 123/2009).

Na queixa recebida alegava-se a inconstitucionalidade orgânica destas normas do Decreto-Lei n.º 123/2009, pelo facto de integrarem supostamente matéria da reserva relativa de competência da Assembleia da República, concretamente matéria da alínea q) do art.º 165.º, n.º 1, da Constituição, referente ao estatuto das autarquias locais (incluindo o regime das finanças locais), e terem sido emitidas pelo Governo sem a competente credencial parlamentar para o efeito.

Não o considerou assim o Provedor de Justiça. No fundo, o teor dos art.ºs 12.º e 13.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 123/2009 constituem apenas uma explicitação da norma do art.º 106.º da Lei das Comunicações Electrónicas no sentido, de resto conforme à Constituição, de que não poderá haver dupla tributação pelo mesmo facto, neste caso, pelos direitos de passagem conferidos no âmbito mencionado.

Nesta perspectiva, que integra uma interpretação conforme à Constituição, as normas mencionadas do Decreto-Lei n.º 123/2009 nada trazem de novo ao regime da Lei n.º 5/2004, constituindo uma mera explicitação desta.

Uma segunda questão que também foi abordada na queixa recebida, relacionava-se com a licitude dos poderes de supervisão do ICP-ANACOM junto dos municípios, decorrentes do mesmo Decreto-Lei n.º 123/2009, alegadamente conflituantes também com a autonomia regulamentar das autarquias locais. Também aqui não foi dada razão, pelo Provedor de Justiça, à entidade reclamante.

O ICP-ANACOM é a entidade reguladora das comunicações, detendo os poderes de regulação e supervisão, sancionatórios e regulamentares inerentes à função, constantes dos respectivos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de Setembro.

A Lei n.º 32/2009, de 9 de Julho, que habilitou o Governo a legislar sobre o regime de acesso às infra-estruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações electrónicas, e com base na qual o Governo alterou, através do Decreto-Lei n.º 258/2009 já referido, o Decreto-Lei n.º 123/2009, autorizou que o legislador conferisse poderes ao ICP-ANACOM para decidir, de forma vinculativa (sujeita a controlo judicial), e com recurso ao processo de resolução administrativa de litígios a que se refere a Lei das Comunicações Electrónicas, todas as questões relativas ao acesso às infra-estruturas em causa.

Materialmente, o ICP-ANACOM integrará o conceito constitucional de entidade administrativa independente a que se refere o art.º 267.º, n.º 3, da Lei Fundamental.

Os municípios, enquanto entidades titulares de bens adequados à construção e instalação de infra-estruturas para redes de comunicações electrónicas, estão sujeitos à regulação e supervisão do ICP-ANACOM e concretamente aos seus poderes de fiscalização. Aliás, isto mesmo decorre expressamente do art.º 89.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 123/2009. Nesta perspectiva, os municípios são, para efeitos da aplicação da legislação em apreço, entidades sujeitas à regulação do ICP-ANACOM como quaisquer outras, públicas e privadas.

Neste enquadramento específico, os municípios aparecem despidos das suas vestes de autarquias locais dotadas de autonomia regulamentar, para integrarem o rol de entidades sujeitas aos princípios orientadores da regulação e supervisão do sector das comunicações – uma das atribuições legais do ICP-ANACOM é promover a normalização técnica no sector das comunicações –, por serem as entidades gestoras dos bens dominiais a utilizar num serviço de interesse público notório. Tal situação integra-se, deste modo, no domínio próprio das relações entre entidade reguladora/entidade regulada, neste caso no âmbito das comunicações.

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