Saúde. Serviço de Adictologia. Atendimento

Data: 2010-12-21
Entidade: Centro de Adictologia do Hospital de...
Tipo de decisão: Anotação

R- 497/10 Objecto: Recusa de atendimento de utente de serviço público Decisão O serviço reconsiderou a anterior decisão, tendo utente sido readmitido a tratamento Síntese: O processo visou a apreciação das condições em que fora negado o acesso a consulta previamente marcada no Centro de Adictologia do Hospital de… O reclamante alegava que se tinha dirigido àquele Centro, a fim de ser atendido por profissional de saúde. A consulta visaria a confirmação de que não consumira estupefacientes no período relevante, de modo a que pudesse passar do tratamento em «baixo limiar» para o tratamento em «alto limiar». Contudo, sem razão aparente, e apesar de estar marcado o atendimento de 35 utentes desde as 08h30, ter-lhe-á sido recusada a consulta e adiantada a informação de que seria castigado com mais seis meses de tratamento em «baixo limiar», por ter sido mal-educado. O reclamante reconheceu ter-se comportado de forma incorrecta, mas alegou que só o fizera depois de tal recusa. A resposta do Hospital lembra que a toma de metadona implica o cumprimento de regras e que o incumprimento destas acarreta a ida para o programa de metadona de baixo limiar, como alternativa à expulsão. Mais lembrou que, em face de situação concreta era para reavaliação da situação clínica e não para passar para o programa em alto limiar. Já a recusa de atendimento ficara a dever-se ao facto de ter chegado ao Centro de Adictologia em altura em que o acesso à consulta terminado. Em face do contexto indicado, a intervenção deste órgão do Estado visou avaliar em que termos a decisão tomada poderia configurar uma alteração do tratamento com fins punitivos. O diálogo estabelecido com o Serviço de Adictologia permitiu concluir tanto pela importância e indispensabilidade de um comportamento correcto e respeitador por parte dos utentes, quanto pela necessidade de, em cada momento, no respeito pelas regras aplicáveis, o dito Serviço atender às circunstâncias dos casos concretos com que é confrontado. A argumentação apresentada por este órgão do Estado fundamentou-se nos princípios orientadores do Plano Nacional Contra a Droga e as Toxicodependências (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/2006, de 18 de Setembro). Assim, mantêm-se actuais os princípios definidos na Estratégia Nacional de Luta contra a Droga (aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de Maio). Desses princípios estruturantes cabe destacar o princípio humanista, que «significa o reconhecimento da plena dignidade humana das pessoas envolvidas no fenómeno das drogas e tem como corolários a compreensão da complexidade e relevância da história individual, familiar e social dessas pessoas, (…) sem prejuízo da responsabilidade individual» (sublinhados meus). Deste princípio decorre, por exemplo, que actuações concretas dos serviços têm de ter em conta que as políticas adoptadas neste âmbito visam a redução de danos para que se possa «preservar nos toxicodependentes a consciência da sua própria dignidade e constituir um meio (…) de minimização da respectiva exclusão social». A já citada resolução de 2006 continua a insistir na centralidade na pessoa humana, lembrando que a «intervenção em toxicodependências não constitui um fim em si mesmo, devendo descentrar-se das substâncias e assumir a centralidade no cidadão e nas suas necessidades objectivas e subjectivas.» Daí que «a excessiva burocratização por vezes constatada nos serviços prestadores e promotores de cuidados de saúde deverá ser agilizada e organizada em função da satisfação global dessas necessidades, tendo em conta que os indivíduos têm uma palavra activa e uma corresponsabilidade na definição do seu projecto de vida, em termos de equitativos direitos e deveres de cidadania.» Em face do que antecede — e pese embora a importância que não pode deixar de ser atribuída aos deveres e obrigações destes doentes em sede de disciplina e respeito nos processos de tratamento — a ponderação da situação concreta, seja, por um lado, a existência de um período de atendimento alargado, com um grande número de utentes, seja, por outro lado, a situação familiar e laboral reclamante, que não podia ser desconhecida do Serviço, levantaram a questão sobre até que ponto pôde ser adequada a recusa de tratamento com base na hora de chegada à consulta. O Provedor de Justiça lembrou ainda que o comportamento incorrecto do utente de um serviço público, seja qual for a sua natureza, não atribui aos responsáveis do mesmo o direito de, sem procedimento sancionatório legalmente previsto, recusar o atendimento. Em caso de comportamento que pela sua incorrecção e inadmissibilidade torne impossível a relação médico-paciente, têm de ser encontradas alternativas que garantam o tratamento em igualdade com os restantes doentes. A readmissão do reclamante ao tratamento em alto limiar, na pendência do processo, pareceu demonstrar que a prevalência de um entendimento gestionário congruente com os princípios acima enunciados. Foi recordado finalmente que a queixa ao Provedor de Justiça, enquanto exercício de um direito fundamental dos cidadãos, não sofre, não pode suportar, restrições ou entraves em função da concreta situação dos queixosos. A decisão de exercício de tal direito na situação apreço pode, assim, ser interpretada como um bom índice da consciência da própria dignidade por parte do reclamante e, nessa estrita medida, do sucesso dos esforços terapêuticos desenvolvidos pelo Serviço de Adictologia

[0.06 MB]