O Provedor de Justiça, a prisão preventiva e os recentes protestos verificados em estabelecimentos prisionais.

1. Como é do conhecimento público, realizaram-se nos últimos meses algumas manifestações de protesto por parte de cidadãos reclusos, na maioria ou totalidade em situação de prisão preventiva, pontualmente traduzidas em greves de fome.


2. A intervenção do Provedor de Justiça foi solicitada em três momentos distintos, no primeiro por uma reclusa do EP de Tires, no segundo por um grupo de reclusos do EP de Lisboa e no terceiro por um outro grupo, desta feita do EP do Porto. No primeiro e terceiro casos ocorreu contacto pessoal de alguns colaboradores do Provedor de Justiça com os reclusos em causa, deslocando-se, no segundo caso, o grupo mencionado às instalações da Provedoria de Justiça.


3. Ouvida a matéria das reclamações que fundamentavam os protestos, verificou-se nos três casos que os queixosos, todos em situação de prisão preventiva, colocavam em questão o modo como esta medida de coacção é aplicada pelo sistema judiciário, aludindo não só ao problema em tese geral como dando como exemplo os seus casos concretos.


4. Colocada a questão nestes termos, foi sempre informado aos queixosos que não pode o Provedor de Justiça ter qualquer intervenção na actividade jurisdicional dos tribunais (art.º 22.º, n.º 2, da Lei 9/91, de 9 de Abril – Estatuto do Provedor de Justiça), assim não lhe cabendo discutir a aplicação, em cada caso, da medida de prisão preventiva.


5. No que diz respeito às possibilidades de intervenção a outro nível, foi dado a conhecer estar em estudo na Provedoria de Justiça a possibilidade de ser recomendada a alteração de alguns aspectos do regime legal hoje em vigor.


6. A investigação não está a ser conduzida no sentido da intervenção ao nível das condições legais de aplicação das medidas de coacção, já que, numa primeira abordagem, não parece ser essa a solução para melhoramento e afinação do sistema.


7. Está assim em estudo a necessidade e adequação de alterações normativas que permitam prevenir ou reparar situações de injustiça, actualmente não suficientemente acauteladas.


8. Tendo em todos os casos sido mencionada pelos queixosos o desejo de serem ouvidos por vários titulares de órgãos públicos, sob pena de recorrerem à realização de greves de fome, foi-lhes manifestada a não concordância de princípio do Provedor de Justiça com esta forma de protesto, essencialmente por não possuir conteúdo argumentativo apto a permitir a alteração consciente das atitudes alvo desse protesto, para além de não propiciar uma discussão serena das questões em apreço.


9. Mereceu particular estranheza a utilização da ameaça da greve de fome como forma de exigência de uma audiência com o Provedor de Justiça ou com um seu representante. Foi realçada a natureza informal deste órgão, sendo seu apanágio a proximidade em relação ao cidadão. Existindo fundamento bastante, nada obstaria à realização do encontro solicitado; não existindo motivo para tal, não teria a alusão à greve de fome a virtualidade de o forçar, atendendo ao seu vazio valorativo, conforme expresso no número anterior.


10. Desaconselhou-se, assim, a utilização da greve de fome ou da sua possibilidade como forma de pressão. Foi, no entanto, encorajada a utilização dos meios constitucionalmente previstos de defesa de direitos, tal como o exercício do direito de petição.


11. Em nenhum dos três casos, aludidos em 2), foi apresentada pelos reclamantes qualquer queixa contra os serviços prisionais, tendo-lhes sido dito que essa, precisamente, é naturalmente também uma área possível de intervenção do Provedor de Justiça.


12. De facto, tem o Provedor de Justiça, em especial desde 1996, dedicado uma atenção especial à observação ao sistema prisional, com feitura de relatórios periódicos, destes e dos dados actuais resultando, aliás, uma descida no número de reclusos em situação de prisão preventiva.


13. Do mesmo modo, foi também explicitada uma das orientações consideradas como primordiais pelo Provedor de Justiça, qual seja a da separação de reclusos, não só mas também em função da sua situação jurídica. Os acontecimentos ocorridos no início do corrente ano no EP de Caxias são, em boa parte, também explicáveis pela ausência muito generalizada dessa separação, fruto também da inadequação do actual parque prisional.

-0001-11-30