Posição do Provedor de Justiça sobre o patrocínio judiciário obrigatório

Foi colocada ao Provedor de Justiça a questão da obrigatoriedade, que decorre da ordem jurídica nacional, de o arguido se fazer representar na sua defesa, no âmbito de um processo penal, por um advogado. De acordo com o alegado na queixa recebida, a possibilidade de auto representação do arguido em processo penal constituiria uma imposição decorrente de legislação internacional, concretamente da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

O Provedor de Justiça não deu razão às preocupações constantes da queixa desde logo esclarecendo que não decorrerá da referida legislação internacional qualquer imposição dirigida aos Estados que a ratificaram, incluindo Portugal, no sentido de a legislação interna permitir a auto representação do arguido em processo penal.

Na verdade, o art.º 6.º da Convenção estabelece que o acusado de uma infracção penal tem o direito de “defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem” [n.º 3, alínea c)].

A doutrina e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e do Tribunal Constitucional sublinham a expressão conjuntiva “ou” utilizada na redacção da norma – que reflecte a circunstância de os dois direitos mencionados se apresentarem em alternativa –, esclarecendo que o direito do acusado de se defender por si próprio não é um direito absoluto, podendo os Estados, pela via legislativa ou por decisão judicial, impor a obrigação de a defesa ser assegurada por um advogado. Afirmam que os Estados contratantes podem escolher os meios adequados para permitir ao seu sistema judiciário garantir os direitos de defesa, e exigir assim que a representação no processo penal seja assegurada por um advogado.

O legislador nacional optou por impor, na maior parte dos casos, a obrigatoriedade de constituição de advogado para representação do interessado – autor, réu, arguido, assistente – em processo cível e em processo penal.

De facto e em síntese, o legislador apenas excluiu da referida obrigatoriedade as causas judiciais que atendendo ao (baixo) valor da acção ou à (pouca) gravidade da situação, permitam fazer supor que a constituição de advogado representará um ónus desproporcionado à defesa dos direitos dos interessados colocados nas referidas circunstâncias. Ainda assim, a opção nestes casos pela auto representação é meramente facultativa, podendo, se assim o entender, o interessado fazer-se representar em juízo na defesa dos seus direitos.

Assim, para as causas judiciais que não se enquadrem nos parâmetros de “simplicidade” mencionados, o legislador entendeu – estabelecendo legalmente vários critérios para o efeito, designadamente o valor máximo das acções que permitirão a auto representação do interessado – que a “complexidade” inerente à esmagadora maioria das situações que motivam os processos judiciais não se compadecerá com uma intervenção directa dos interessados na defesa dos seus direitos.


Foram várias as ocasiões em que a questão colocada na queixa se pôs ao Tribunal Constitucional, tendo este sempre vindo a decidir no sentido de que as normas que impõem o patrocínio obrigatório não são desconformes à Constituição (também na perspectiva da aplicação à ordem jurídica interna da legislação internacional mencionada, conforme dito), utilizando essencialmente dois tipos de argumentos para justificar a opção do legislador interno.

O primeiro grupo de argumentos relaciona-se com a, aliás crescente, complexidade técnico-jurídica do nosso sistema jurídico, e concretamente da nossa lei processual, que recomenda que as questões sejam discutidas em juízo por profissionais com específica e adequada preparação, ao nível técnico e deontológico.

O segundo nível de argumentação prende-se com razões associadas à ideia de a representação por advogado permitir uma discussão das questões, sobretudo em matéria penal, com maior serenidade. Esta serenidade adviria de um maior distanciamento da pessoa que representa o interessado perante as circunstâncias que motivaram a acção em tribunal.

Diga-se ainda que não só o quadro legal interno não afronta as disposições constantes de instrumentos internacionais sobre a matéria, designadamente da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, como parece aquele cumprir as orientações dos mesmos decorrentes no sentido de que o acusado tem o direito de estar presente e intervir nos processos judiciais que contra o mesmo correm e, neste sentido, defender-se a si próprio.

Na verdade, é distinta a obrigatoriedade de constituição de advogado para a defesa do acusado em processo penal, concretamente assegurando aquele a defesa “técnica” deste, da possibilidade que o acusado tem, enquanto arguido, de estar presente e intervir directamente em vários momentos do processo que contra o mesmo corre, o que é amplamente assegurado pelo nosso processo penal.

-0001-11-30