Provedor considera que alteração do regime de subsídios a ex-combatentes não é inconstitucional

O Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, entende que as alterações introduzidas pela Lei n.º 3/2009, de 13 de Janeiro, ao regime jurídico dos períodos de prestação, para efeitos de aposentação e reforma, dos antigos combatentes nos territórios do ultramar, de serviço militar não é inconstitucional. O Provedor de Justiça analisou um conjunto de queixas apresentadas pelos mesmos, tendo concluído que as normas legais que foram aprovadas – na sequência de opções de natureza política – não violam os princípios constitucionais da protecção da confiança, da proibição de retrocesso social e da igualdade, pelo menos para efeitos da ponderação do envio, ao Tribunal Constitucional, de um pedido de fiscalização abstracta da constitucionalidade.

Foi também esclarecido que as prestações em causa são apenas complementos às pensões dos respectivos beneficiários, a que acresce a circunstância de não estar em causa a sua supressão mas a diminuição do montante que lhes estava associado, o que desfaz a possibilidade de invocação de uma eventual violação da proibição de retrocesso social.

Invocando jurisprudência do Tribunal Constitucional, considerou o Provedor de Justiça que no caso das prestações aos antigos combatentes consubstanciadas no Acréscimo Vitalício de Pensão e no Suplemento Especial de Pensão não se está, no que ao montante diz respeito, perante direitos adquiridos. Na verdade, embora os benefícios em causa sejam vitalícios, logo em si mesmos direitos adquiridos, não pode considerar-se que o valor concreto a que correspondam em cada momento tenha essa mesma natureza. Quando muito, seriam os beneficiários das prestações em causa detentores de meras expectativas no sentido da manutenção dos valores concretos dos benefícios.

Assim sendo, esse valor em concreto, que visa compensar os antigos combatentes pelos descontos realizados ou pelo facto de não sido possível proceder sequer a descontos, poderá sofrer vicissitudes em virtude designadamente da concepção de novos critérios para o respectivo cálculo, como sucedeu no caso da Lei n.º 3/2009.

Por outro lado, os constrangimentos de índole financeira, já evidentes à data da aprovação da Lei n.º 3/2009, são elemento incontornavelmente enquadrador da decisão política do legislador.

Finalmente, a Lei n.º 3/2009 não promove diferenciação de tratamento no seio do universo dos antigos combatentes ainda não aposentados ou reformados e no seio dos antigos combatentes já aposentados ou reformados que pagaram quotas e contribuições para verem o tempo de serviço militar contado ou que não tiveram sequer a possibilidade, pagando ou não, de verem esse tempo relevado para efeitos de reforma ou aposentação. Ou seja, a Lei n.º 3/2009 (e já antes o Decreto-Lei n.º 160/2004) trata de igual forma aqueles que se encontravam, à data da sua entrada em vigor, dentro de cada um dos dois universos referidos.

É certo que haverá neste momento antigos combatentes sujeitos a regras de aposentação e de reforma distintas. Tal facto decorre, no entanto, da sucessão de regimes jurídicos, que comporta por um lado a possibilidade de alteração da lei e, por outro, a não afectação de situações passadas. Decorrendo essa diferenciação da mera diacronia legislativa, e não operando o princípio da igualdade diacronicamente, ela não se mostra, por si, violadora do princípio da igualdade.

Actualmente são atribuídos aos antigos combatentes quatro tipos de benefícios:

a) Contagem do tempo de serviço militar sem encargos para o beneficiário, isto é, com dispensa do pagamento de quotas e contribuições, contabilizado desde a data da incorporação até à data da passagem à situação de disponibilidade. É concedido aos combatentes que não estivessem já aposentados ou reformados à data da apresentação do requerimento para a contagem do tempo em causa;


b) Complemento Especial de Pensão: prestação pecuniária atribuída aos antigos combatentes pensionistas do subsistema de solidariedade do sistema público de segurança social (que recebem uma pensão social ou uma pensão rural);


c) Acréscimo Vitalício de Pensão: prestação pecuniária atribuída a antigos combatentes pensionistas reformados ou aposentados, destinada a compensá-los pelo facto de terem pago contribuições e quotas para que o tempo de serviço militar ou o tempo de serviço militar bonificado (isto é, o tempo de serviço militar contado a mais por ter sido feito em condições especiais de perigo ou dificuldade) fosse considerado nas respectivas pensões;


d) Suplemento Especial de Pensão: prestação pecuniária atribuída aos antigos combatentes pensionistas de invalidez ou velhice, aposentados ou reformados, aos quais não seja concedido nenhum dos benefícios anteriores, designadamente os antigos combatentes, e respectivas viúvas pensionistas de sobrevivência, que não viram o tempo em causa considerado nas respectivas pensões de aposentação, de reforma ou de sobrevivência (abrange também os deficientes das Forças Armadas).

Após inúmeras vicissitudes da legislação que enquadra a questão, a Lei n.º 3/2009 veio introduzir modificações ao regime que se relacionam, em síntese, com dois tipos de situações contestadas pelos reclamantes nas queixas.

A primeira dessas situações reporta-se ao estabelecimento de um valor máximo anual, de €150,00, para o Acréscimo Vitalício de Pensão, anteriormente inexistente. Na verdade, os antigos combatentes aos quais era concedido, no âmbito da vigência do Decreto-Lei n.º 160/2004, de 2 de Julho (que definia em concreto os benefícios, actualmente revogado), o Acréscimo Vitalício de Pensão, tinham, antes pelo contrário, garantido o montante mensal correspondente a 3,5% do valor da pensão social por cada ano de bonificação ou duodécimo daquele valor por cada mês de bonificação (agora o valor mínimo é o estipulado para o Suplemento Especial de Pensão, de € 75,00).

A segunda situação refere-se à conversão do Complemento Especial de Pensão anteriormente previsto nos art.ºs 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 160/2004, no actualmente denominado Suplemento Especial de Pensão. Em virtude desta alteração, os antigos combatentes que, no âmbito da vigência do Decreto-Lei n.º 160/2004, tinham garantido o montante mensal correspondente a 3,5% do valor da pensão social por cada ano de bonificação ou duodécimo daquele valor por cada mês de bonificação, estão agora distribuídos por 3 escalões em função do tempo de serviço bonificado que lhes está atribuído, sendo-lhes aplicado o referido tecto máximo de € 150,00 anuais (e também o valor mínimo de € 75,00).

Para muitos dos antigos combatentes colocados numa das referidas situações, concretamente para os beneficiados com mais tempo de serviço militar ou mais tempo de serviço militar bonificado, o valor do benefício que actualmente auferem, seja a título de Acréscimo Vitalício de Pensão, seja a título de Suplemento Especial de Pensão, poderá ser significativamente inferior ao anteriormente recebido ao abrigo da legislação anterior à lei de 2009.

As novas regras decorrentes da aprovação da Lei n.º 3/2009 encontram-se enquadradas, por um lado, por novos critérios que orientam a determinação do montante concreto da compensação e, por outro, por preocupações associadas à sustentabilidade das finanças públicas.

A atribuição das prestações em apreço é actualmente feita com base no critério universal do tempo de serviço bonificado atribuído ao antigo combatente. De facto, a lei reconhece actualmente os direitos dos antigos combatentes independentemente do regime de protecção social pelo qual se encontrem abrangidos, com base no tempo de serviço associado ao risco corrido na prestação do serviço militar.

A imposição, por outro lado, de tectos máximos de valores a receber a título de Acréscimo Vitalício de Pensão e de Suplemento Especial de Pensão, aparece inevitavelmente associada aos constrangimentos actuais – já evidentes à data da aprovação da legislação aqui em análise – das finanças do Estado, o qual passou a suportar directamente os encargos com os pagamentos daqueles benefícios, por insuficiência do esquema de financiamento anteriormente determinado.

Assim sendo, a mudança de critérios no cálculo das prestações mencionadas e a imposição de valores máximos na atribuição desses benefícios resultam de opções políticas do legislador.

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