Provedor contesta participação do Banco de Portugal em sociedades imobiliárias e urbanísticas

O Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, recebeu uma queixa apresentada por um particular em que foi suscitada a questão da legalidade e da adequação da participação do Banco de Portugal – ainda que por via indireta – em sociedades de gestão e promoção imobiliária e urbanística.

Efetivamente, o Banco de Portugal é socio maioritário da sociedade “FINANGESTE – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A.” que, por sua vez, detém a totalidade do capital social de várias empresas comerciais que se dedicam, na sua esmagadora maioria, à gestão e promoção de empreendimentos imobiliários e urbanísticos.

Foi esta questão por diversas vezes suscitada junto do Banco de Portugal, solicitando que fossem revistos os termos da sua participação na “FINANGESTE”, porquanto:

a) a Lei Orgânica do Banco de Portugal e o Decreto-Lei n.º 250/82, de 26.06, só autorizam esse Banco central a participar, a título excecional, no capital social da “FINANGESTE”, sem que exista legitimação legal para a sua participação indireta nas empresas comerciais por aquela detidas;

b) o conceito de participação indireta não se mede, apenas, pela percentagem de titularidade do capital social, já que o controlo societário pode ser exercido por quem dispõe de condições para exercer uma influência significativa na gestão da sociedade participada, sendo o Banco de Portugal sócio maioritário da “FINANGESTE” e, simultaneamente, entidade de supervisão dos demais acionistas (BPI, BCP e CGD);

c) nos termos dos Estatutos da “FINANGESTE”, esta só pode participar a título acessório no capital social de outras empresas, já que o seu objeto dominante é a atividade de aquisição e cobrança de créditos;

d) contudo, a “FINANGESTE” detém a totalidade do capital social de empresas cujas firmas autorizam a presunção – que será a única legalmente válida – de que se dedicam, maioritariamente, à gestão e promoção de empreendimentos urbanísticos e turísticos;

e) a isenção e distanciamento legalmente exigíveis ao Banco de Portugal, e que foram expressamente previstos no respetivo Código de Conduta, enquanto entidade encarregue da supervisão de instituições de crédito e sociedades financeiras, poderão ser postos em causa pelo facto de ser sócio de uma empresa que é também simultaneamente detida por Bancos comerciais;

f) é que, para atingir a imagem de rigor e transparência que se espera do Banco de Portugal, basta a mera possibilidade de se estabelecer associações conflituantes entre a sua intervenção enquanto Banco central e a atividade imobiliária e urbanística.

Não obstante, o Banco de Portugal manteve-se irredutível na sua posição, continuando a defender que existe cobertura legal para a sua participação na “FINANGESTE” e acrescentando que não interfere nas decisões de aquisição, gestão e alienação de quaisquer ativos dessa empresa.

Atenta a ausência de poder decisório ou de caráter vinculativo das decisões do Provedor de Justiça, foi determinado o arquivamento do processo, ainda que se mantenha a convicção da falta de suporte legal e de manifesta incorreção institucional da participação indireta do Banco de Portugal em sociedades comerciais de gestão e promoção imobiliária e urbanística.

Aguarda-se agora pelo desfecho de um processo de inquérito que se encontrará em curso, aberto com base numa queixa-crime de um particular que denunciou precisamente esta situação junto do Ministério Público.

 

-0001-11-30