Provedor de Justiça chama a atenção para a necessidade de suprir lacuna legislativa que leva à falta de fiscalização da actividade das amas que trabalham por conta própria

O Provedor de Justiça alertou o Secretário de Estado da Segurança Social para a necessidade de suprir a lacuna existente no ordenamento jurídico português relativamente ao processo de licenciamento e à actuação das amas por conta própria. De facto, ao contrário do que acontece quando o desempenho daquela função está integrado no âmbito da acção social da Segurança Social, ou sempre que é realizado em creches com fins lucrativos (estabelecimentos que acolhem um número de crianças igual ou superior a cinco), verifica-se uma omissão de fiscalização no caso das amas “privadas”, seleccionadas e remuneradas directamente pelos encarregados de educação, facto que é susceptível de pôr em perigo as crianças. Estando-se perante um universo de utentes tão desprotegido e vulnerável, física e psicologicamente, como o das crianças até aos três anos de idade, Nascimento Rodrigues sublinha a importância de ser criada legislação que permita que as entidades competentes possam fiscalizar a actividade daquelas amas “privadas”.

A actividade de ama por conta própria é exercida pela pessoa que, mediante remuneração, cuida de um número de crianças inferior a cinco, que não sejam suas, nem sejam parentes ou afins na linha recta ou no 2.º grau da linha colateral, por um período de tempo correspondente ao trabalho ou impedimento de quem tenha a guarda dos menores, sempre que tal função não se enquadre no regime jurídico previsto no Decreto-Lei n.º 158/84, de 17 de Maio. Este regime é aplicável quando o desempenho da actividade de ama é uma modalidade de acção social no âmbito da Segurança Social, encontrando-se a competência fiscalizadora e sancionatória atribuída aos centros distritais de segurança social, enquanto instituições de enquadramento.

O processo instruído pelo Provedor de Justiça, na sequência da recepção de uma reclamação através da Linha Verde Recados da Criança (1), dá conta de vários casos onde é patente a falta de normativo legal que permita a fiscalização das amas “privadas”. Por exemplo, a referida queixa sinalizava uma ama que acolhia na sua casa diversas crianças, alegadamente sem as devidas condições. Feita a acção inspectiva pelos Serviços de Fiscalização do Instituto de Segurança Social (ISS), foi apurado que o número de crianças acolhidas não excedia as quatro. Sendo assim, como pode ler-se no relatório do processo de inspecção, o serviço de fiscalização está impedido de actuar, “dada a ausência de normativo legal que se aplique à actividade das amas quando directamente seleccionadas e remuneradas pelos encarregados de educação”. Isto não obstante considerar-se “ser a alimentação proporcionada às crianças insuficiente e qualitativamente inadequada à sua idade sobretudo para os bebés” e ter-se verificado “que não foram tomadas quaisquer medidas com vista a assegurar as condições mínimas de segurança das crianças, tendo sido encontradas tomadas eléctricas desprotegidas, bem como janelas sem se encontrarem devidamente protegidas de forma a evitar a ocorrência de acidentes que possam pôr em causa a sua integridade física e ainda a presença de um aquecedor a gás, no hall da entrada [da] habitação”.

A superação da presente impossibilidade de fiscalização, por parte das autoridades competentes, das condições em que trabalham as amas em regime privado significará um “alargamento do âmbito de protecção das crianças acolhidas”, salienta o Provedor de Justiça. Até porque a única diferença substancial entre as amas enquadradas pelo Decreto-Lei n.º 158/84 e as amas “privadas” radica na circunstância de às primeiras ser devida uma retribuição mensal em regime de contrato de prestação de serviços, ao passo que a retribuição das segundas é exclusivamente devida pelas famílias, e já não pelo Estado.

Nascimento Rodrigues sugere que se sujeite o desempenho profissional das amas “privadas” a uma autorização administrativa, que teria um relevante papel de prevenção e de controlo. O processo prévio de licenciamento e a possibilidade de a actividade desenvolvida ser fiscalizada, tal como acontece no caso das amas que integram as respostas da Segurança Social, pretenderia assegurar que a actividade da ama é prestada num ambiente familiar e em condições adequadas ao desenvolvimento integral das crianças.

(1) O serviço telefónico do Provedor de Justiça destinado a acolher as queixas relativas a menores que se encontrem em situação de risco ou perigo.


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