Provedor de Justiça considera inconstitucional a exclusão das misericórdias, e de outras entidades com fins sociais, do direito à propriedade das farmácias

O
Provedor de Justiça enviou ao Tribunal Constitucional um pedido com vista à
declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas
do regime legal das farmácias que excluem as entidades do sector social da
economia – misericórdias, mutualidades, cooperativas, instituições
particulares de solidariedade social, e outras entidades sem fins lucrativos – da
possibilidade de, enquanto entidades com a referida natureza, exercerem a
actividade económica da venda de medicamentos e demais serviços prestados pelas
farmácias.

O
actual regime jurídico das farmácias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2007,
de 31 de Agosto, impõe que as entidades proprietárias de farmácias sejam
pessoas singulares ou sociedades comerciais, proibindo que outras pessoas
colectivas, que não revistam o estatuto jurídico de sociedade comercial, possam
exercer a actividade em causa.

A
lei esclarece que as entidades do sector social que queiram ser proprietárias
de farmácias têm de submeter-se ao regime fiscal das sociedades comerciais, na
prática impondo que esse exercício se faça sem que as referidas entidades possam
beneficiar das isenções fiscais que lhes são conferidas por lei, desde logo da
isenção em sede de IRC. A lei define, ainda, um prazo para que as entidades
sociais que detivessem, à data da sua entrada em vigor, farmácias, procedam a
essa adaptação.

Entende o Provedor de Justiça
que esta solução legal viola princípios fundamentais da Constituição, como
os princípios da igualdade e da proporcionalidade, e, ainda, a garantia,
estabelecida no art.º 82.º da Constituição, da coexistência de três sectores
– público, privado, e cooperativo e social – de propriedade dos meios de
produção.

Concretamente,
considera-se que a solução legal encontrada pelo legislador para colocar em
situação de igualdade fiscal todas as entidades proprietárias de farmácias –
tendo em vista a garantia da concorrência num mercado privado – não se mostra nem
adequada nem proporcionada a este fim.

Não
se mostra adequada, na medida em que a questão da concorrência do sector social
e cooperativo, designadamente com o sector privado, se porá, da mesma forma, em
qualquer actividade económica, e não só na venda de medicamentos.

Não
é uma solução proporcionada, tendo em conta que a própria lei, desde logo o
Código do IRC, prevê já mecanismos que visam anular ou atenuar tais benefícios
quando as entidades do sector social actuem em domínios em que a concorrência,
designadamente com o sector privado, deva ser garantida, alcançando-se a
convergência, ou mesmo igualdade, de armas no domínio fiscal, sempre que estas
se justificarem.

Nascimento Rodrigues alerta,
ainda, para o interesse público e social da venda de medicamentos, desde
logo aos respectivos associados, por parte de instituições dedicadas a
objectivos de solidariedade social. Conforme refere no requerimento
apresentado, não se afigura “natural o legislador vedar àquelas instituições
o direito à propriedade de farmácias, obrigando-as a “travestir-se” de
sociedades comerciais se quiserem prosseguir uma actividade de saúde, com
finalidades sociais, ou seja, não lucrativas”. O objectivo de se garantir o
princípio da acessibilidade das populações à farmácia, nomeadamente em zonas
de populações carenciadas urbanas ou rurais – como, em recomendação de 2006
fora assinalado pela Autoridade da Concorrência – perpassa nesta posição do
Provedor de Justiça.

O texto integral do requerimento ao Tribunal
Constitucional encontra-se acessível, para consulta, em http://www.provedor-jus.pt/restrito/pedidos_ficheiros/R_6536-07_DI_RegimeJuridicoFarmaciasOficina.pdf

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