Provedor de Justiça envia Recomendação à Assembleia da República sobre mandatos autárquicos

O Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, recomendou à Assembleia da República a urgente superação do debate existente quanto à interpretação do art.º 1.º da Lei 46/2005, de 29 de agosto, através da emissão de ato legislativo clarificador de hipotéticas dúvidas.
Esta tomada de posição decorre dos recentes desenvolvimentos na polémica, de índole essencialmente política, e na qual não há lugar à sua participação, sobre o regime de inelegibilidade estabelecido pela Lei n.º 46/2005.
Esclarece-se que, em devido tempo, se considerou possuir a ordem jurídica todos os instrumentos necessários à adequada resolução de eventuais conflitos interpretativos. Assim, as regras de contencioso eleitoral atribuem, em primeiro lugar, competência para a aceitação ou rejeição de candidaturas ao tribunal cível da comarca em causa, o qual tem escassos dias para uma decisão. Seja qual for a decisão, existe para as candidaturas interessadas o direito de reclamação, a decidir em dois dias, e direito de recurso para o Tribunal Constitucional. Este recurso, para o qual se dispõe de um período de 48 horas, é decidido pelo Tribunal Constitucional no prazo de dez dias após o recebimento do processo.
Todavia, reconhece o Provedor de Justiça que a manutenção, durante os meses que faltam até à realização das eleições em causa, da discussão não só mediática mas também académica, como decorre das posições públicas dos Professores Doutores Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa e Borges Gouveia, travada nos últimos dias, pode prejudicar a serenidade necessária ao diálogo público sobre os problemas que, a nível local, devam ser resolvidos pelas autarquias locais e, nessa medida, careçam da atenção do eleitorado, em momento prévio à sua escolha.
Nesse sentido, mostra-se conveniente que o Parlamento encerre a discussão em causa, através da demonstração da sua vontade, democraticamente legitimada, e enquadrada pelas normas constitucionais pertinentes. É esse o escopo da Recomendação que lhe foi dirigida pelo Provedor de Justiça, firmada no artigo 20.º, n.º 1 b) do respetivo Estatuto, para a interpretação / alteração do citado normativo.
O legislador deve ser claro e transparente: ou quis a inelegibilidade de autarcas com três mandatos sucessivos na mesma autarquia ou em qualquer outra autarquia.
Não se subscreve a tese tornada pública por alguns professores de direito de uma existência de inconstitucionalidade por omissão parcial cuja fiscalização pudesse ser suscitada no âmbito do poder de iniciativa estabelecido no art.º 283.º da Constituição. Na verdade, exigindo essa figura da inconstitucionalidade, por definição, a ausência de normas legais suficientes a conferir exequibilidade a norma constitucional preceptiva, ocorre notar que a norma constitucional que autoriza (mas não impõe) limitações no quadro ora em discussão tem uma natureza meramente permissiva. Por esta razão, nunca poderia estar em causa este mecanismo de tutela da Constituição.
 
Da mesma forma, a mera alegação de dúvidas sobre a correta interpretação de determinada norma não é, em si mesma, causa que fundamente pedido de fiscalização abstrata sucessiva, ainda que alguma das interpretações possíveis se considerasse violadora da Constituição. Sublinha-se que não compete ao Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização abstrata sucessiva, decidir qual a interpretação correta de determinada norma, tal só podendo suceder no âmbito, acima descrito, do contencioso eleitoral.
 
-0001-11-30