Provedor de Justiça favorável a uniformização dos horários de encerramento de estabelecimentos no Bairro Alto

 O Provedor de Justiça é favorável a que o horário de funcionamento dos estabelecimentos compreendidos no núcleo histórico do Bairro Alto não vá além das duas da madrugada. Pronunciando-se acerca do projecto de postura municipal relativa a horários de funcionamento dos restaurantes, bares e discotecas daquela zona da cidade de Lisboa, Nascimento Rodrigues considera que a disciplina dos horários de abertura ao público “só se tornará eficaz se forem aplicadas sanções significativas para com os proprietários que não os observem, encerrados os estabelecimentos não licenciados e limitado o consumo de bebidas e alimentos na via pública”.

Muitos dos moradores do Bairro Alto têm solicitado ao Provedor de Justiça que intervenha junto da Câmara Municipal de Lisboa (CML) para que sejam encontradas soluções que minorem o excessivo ruído gerado pelos estabelecimentos visados e pelos seus clientes. Remonta a 1999 a primeira reclamação apresentada neste órgão do Estado, que foi subscrita por 768 moradores das freguesias da Encarnação e Mercês. Desde então, verifica-se que o problema do ruído nocturno na zona se tem vindo a agravar, impedindo os moradores de terem acesso a um nível mínimo de repouso. Trata-se de uma questão de saúde pública, e não apenas de incomodidade, já que a continuada exposição ao ruído diminui o sono, prejudica gravemente a saúde e compromete o rendimento profissional e escolar, para além de poder constituir factor de patologias psicológicas graves.

O fenómeno de elevada concentração dos estabelecimentos de restauração e bebidas no Bairro Alto começou a verificar-se na década de 1980. Desde então, têm sido muitos os bares e discotecas que abrem portas sem licença municipal, à revelia dos requisitos mínimos de funcionamento, e em desrespeito dos horários autorizados. A maior parte deles encontra-se instalada no piso térreo de edifícios habitacionais, construídos segundo técnicas que não tinham em conta o isolamento acústico. São, também quase sempre, de pequenas dimensões e reduzida lotação, de modo que é frequente encontrarem-se de portas e janelas abertas, com difusão de música gravada ou ao vivo, e com parte substancial dos clientes a dispersarem-se pela via pública.

É certo que a actividade dos estabelecimentos em causa cria riqueza e postos de trabalho e satisfaz a procura colectiva de locais de diversão nocturna. Isso nada tem de ilícito ou sequer reprovável, salvo nos casos de estabelecimentos abertos ao público sem licença municipal. Contudo, o seu funcionamento nos moldes actuais prejudica os moradores vizinhos, em termos de conforto, segurança, saúde física e mental. Torna-se premente encontrar um ponto de conciliação entre a protecção da qualidade de vida dos moradores e a livre iniciativa económica dos proprietários, para o qual muito contribuirá a uniformização dos horários de encerramento. Com todos os estabelecimentos fechados a partir das duas horas, a clientela tenderia a abandonar o local, por não lhe serem oferecidos espaços de diversão alternativos nas ruas e quarteirões adjacentes.

Pode argumentar-se que a causa principal para o nível elevado de ruído prende-se com a concentração de transeuntes que, após frequentarem os estabelecimentos, se mantêm nas suas imediações. Mas para tal também contribuem, em grande medida, os proprietários, que viabilizam o funcionamento de portas e janelas abertas para o exterior, difundem música em som elevado, nem sempre respeitam a lotação, nem deixam de prover o serviço de bebidas quando se mostra excedida a taxa de ocupação. Dessa forma, retiram do espaço aberto na rua uma mais-valia para os seus negócios. Ora, a prestação de serviços de restauração ou bebidas em espaço demarcado da via pública, adjacente ao estabelecimento depende de prévio licenciamento municipal.

Nascimento Rodrigues considera necessário avaliar os inconvenientes que, para a liberdade, salubridade e segurança da circulação, advenham da ocupação de uma parcela da rua para consumo de bebidas alcoólicas. Por isso, importará reflectir sobre a pertinência em estabelecer, em regulamentação municipal, a interdição do consumo de bebidas na via pública, e o funcionamento dos estabelecimentos de portas fechadas, de modo a obstar que, uma vez perfeita a lotação, a prestação de serviços se prolongue para a via pública. No mínimo, o consumo exterior em copos de plástico haveria de obrigatoriamente identificar o estabelecimento prestador.

No ofício enviado ao Presidente da CML, o Provedor de Justiça sublinha que as medidas enunciadas devem ser secundadas pelo encerramento dos estabelecimentos alvo de reclamações por parte dos moradores, sempre que verifique que os mesmos mantêm funcionamento em infracção aos requisitos de abertura ao público. De outro modo, a eficácia da actuação municipal ficará comprometida: não podendo ser decretada a redução do horário de estabelecimentos cujo funcionamento não se encontra devidamente licenciado, e coexistindo, a escassos metros, estabelecimentos legais e ilegais, de pouco adiantará a redução do horário de alguns dos responsáveis pelos distúrbios. Encerrados os estabelecimentos de diversão licenciados, a clientela dispersará para os bares e discotecas que mantêm exploração desordenada, com vantagem económica para os seus proprietários. Como tal, deve a CML começar por recensear os estabelecimentos incómodos que mantenham funcionamento ilegal, determinar o seu despejo e promover a execução coerciva das ordens que não se mostrem acatadas no prazo para o efeito fixado.

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