Provedor de Justiça formula conclusões sobre o processo de reconstrução

No final da instrução de diversos processos suscitados pela aplicação do regime especial de apoios aos sinistrados do sismo de 1998 que afectou as Ilhas do Faial e do Pico, o Provedor de Justiça formulou as seguintes conclusões que constam da Recomendação nº 1-A/2003, enviada ao Senhor Presidente do Governo Regional dos Açores:

I. A reconstituição das situações habitacionais afectadas pelo sismo que, em 1998, afectou o Grupo Central da Região Autónoma dos Açores, com particular incidência nas Ilhas do Faial e do Pico, não podem deixar de ser analisadas à luz de um regime de apoio de cariz excepcional e com uma marcada vertente social, baseado no princípio da solidariedade regional e nacional.


II. O Provedor de Justiça não pode deixar de condenar, com veemência, os (poucos) casos que vão sendo relatados de pessoas que, tendo beneficiado de apoios públicos para a reconstrução de habitações afectadas pelo sismo, pretendem agora negociar a utilização ou a propriedade dos edifícios, com realização de mais valias. Para além das medidas de cariz legislativo que estão a ser ponderadas, limitando no tempo a venda das habitações apoiadas, este órgão do Estado sugere o enquadramento daquelas situações no instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º, e ss., do Código Civil), uma vez que, notoriamente, careceu de justificação todo recebimento de apoios que não se destinou à reconstituição do modo de vida afectado pelo sismo.


III. Para além dos aspectos jurídicos envolvidos, o Provedor de Justiça qualifica estas situações como moralmente condenáveis, até porque o recebimento de apoios por determinados beneficiários representou, sempre, a não atribuição a outros cidadãos afectados.


IV. As necessidades especiais de reconstrução geraram, igualmente, algumas situações de aproveitamento e motivaram queixas relativas ao aumento dos preços praticados por alguns empreiteiros e ao consequente desajustamento com os valores dos apoios públicos atribuídos. Aqui, diferentemente da situação anterior, foi o funcionamento das leis de mercado que impôs o aumento dos preços praticados por alguns empreiteiros, pelo que não era exigível à Administração senão que tomasse as medidas necessárias para acautelar os interesses dos particulares e, ao mesmo tempo, desincenticar novos aproveitamentos. Ainda assim, entende a Provedoria de Justiça que as medidas asseguradas pela Região no sentido da actualização dos valores dos apoios [fixado em 90 contos/m2] afiguram-se correctas e suficientes.


V. Relativamente aos casos de execução defeituosa das obras de construção contratadas directamente pelos sinistrados, o Provedor de Justiça, ao mesmo tempo que reconhece que as relações que se estabelecem entre os particulares e os empreiteiros são de direito privado, sugere a feitura de uma lista de empreiteiros incumpridores o que, na ausência de uma intervenção sancionatória directa por parte dos Serviços da S.R.H.E., constituirá um contributo na salvaguarda da qualidade da reconstrução e, também, na garantia da efectiva reposição das condições habitacionais dos sinistrados.


VI. Por outro lado, pese embora reconhecer-se a irregularidade formal dos casos em que não foi publicada a competente portaria que reduziu ou revogou apoios oportunamente concedidos, a Provedoria de Justiça entende não dever sugerir o pagamento de indemnizações nas situações em que se comprovou que os particulares foram atempadamente informados do novo enquadramento da respectiva situação, uma vez que aqueles casos afastam-se da actuação de boa fé fundada no desconhecimento. Contudo, o Provedor de Justiça entende que devem ser averiguadas, de forma exaustiva, todas as situações de revogação ou alteração dos apoios anteriormente concedidos, por forma a ser assegurada a correcção formal dos procedimentos.


VII. A Provedoria de Justiça aceitou o entendimento do C.P.R. relativamente à situação dos beneficiários que não puderam, por razões ambientais, urbanísticas e de segurança, reconstruir, reabilitar ou reparar as habitações sinistradas, até porque ele é mais favorável para os sinistrados do que aquele que resultaria da aplicação directa do DLR nº 15-A/98/A. Deste modo, ficou estabelecido que deveria ser respeitada somente a “tipologia” das habitações ainda que tal não signifique, também, a coincidência das áreas respectivas.


VIII. Contudo, veio a verificar-se que, numa situação particular, o C.P.R. não atendeu, nem à área da habitação sinistrada nem, tão pouco, à respectiva tipologia, pelo que se impõe recomendar a urgente reparação daquele procedimento.


IX. No que concerne às dependências, a Provedoria de Justiça entendeu dever aceitar o entendimento do C.P.R., segundo o qual existe justificação para a decisão de apoiar somente as dependências com utilidade exclusivamente habitacional (com o consequente afastamento daquelas utilizadas para o exercício de actividade agrícola, vitivinícola ou outra que confira às dependências “autonomia funcional relativamente à habitação).


X. A questão da dedução, ao montante dos apoios públicos, dos valores das indemnizações recebidas, ou a receber, em virtude de contratos de seguro, nenhuma relação tem com a eventual preexistência, em data anterior ao sismo, de quaisquer dívidas relativas ao imóvel afectado. Assim sendo, a Provedoria de Justiça concorda com a actuação do C.P.R. e com o entendimento de que a Administração não deve assumir o respectivo pagamento (nem considerá-lo como factor de diminuição do montante da indemnização recebida), sob pena do regime previsto no DLR nº 15-A/98/A passar a assegurar, também, o pagamento de outros apoios financeiros sem qualquer relação com o sismo.

Relativamente às situações merecedoras de intervenção, o Provedor de Justiça entendeu recomendar:

A. A urgente revisão do processo relativo à Senhora D… substituindo-se a decisão de atribuição de um T1, com 70m2 por uma habitação com uma tipologia T3;


B. A correcção, em termos formais, dos procedimentos relativos à revogação ou alteração dos montantes atribuídos, através da publicação de todas as portarias que estiverem em falta;


C. A averiguação das situações descritas pelo Senhor…, por forma a verificar se – conforme foi denunciado – elas configuraram casos de atribuição de apoios a cidadãos que, à data do sismo, estavam emigrados.

O texto integral da recomendação nº 1-A/2003/A está disponível em: http:/www.provedor-jus.pt

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