Provedor de Justiça propõe que prisão preventiva dê lugar a indemnização quando não haja condenação, bem como a alteração nas regras de desconto da prisão preventiva na pena de prisão aplicada e da duração máxima da prisão preventiva no âmbito do con

Tendo presente o Relatório sobre o Sistema Prisional 2003, e para efeitos de ponderação no contexto dos trabalhos de revisão do Código Penal e do Código do Processo Penal, respeitantes ao regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado, o Provedor de Justiça apresentou ao Governo um conjunto de recomendações respeitantes à prisão preventiva.


Em ofício endereçado à Ministra da Justiça, o Provedor de Justiça diz entender que as iniciativas legislativas em curso, tal como são conhecidas neste momento, não são suficientes para dar resposta satisfatória ao leque de preocupações concretamente respeitante àquela medida de coacção.


As recomendações agora apresentadas – iniciativa anunciada no Relatório sobre o Sistema Prisional, entregue ao Governo no passado mês de Novembro – dizem respeito ao sistema judiciário e com elas o Provedor de Justiça propõe uma reflexão ponderada sobre o regime legal que actualmente enquadra a medida de prisão preventiva.


Sobretudo no que respeita à própria privação de liberdade e aos danos, pessoais e sociais, que esta situação acarreta, em termos familiares e profissionais, sem esquecer a integração num ambiente em que se conjugam, e sentem já, todos os elementos próprios da situação de reclusão para expiação de verdadeiras penas de prisão, acrescendo, mais tarde, as questões suscitadas pela necessidade de reinserção dos mesmos na família e na sociedade das quais estiveram, mesmo que temporariamente, privados.


A este propósito, no ofício é citada a Constituição da República Portuguesa, cujo art.º 27.º, nº 5, refere que “a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer”, bem como o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 160/95, que a este propósito consagra o alargamento da responsabilidade civil do Estado a factos ligados ao exercício das função jurisdicional e não limitando essa responsabilidade ao clássico erro judiciário cometido no âmbito da aplicação da prisão preventiva.


Citada também é a Recomendação nº R (80) 11 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, que definiu algumas orientações para os Estados-membros em matéria de prisão preventiva e na qual se defende “a previsão ou alargamento da indemnização de quem tendo estado em prisão preventiva não venha a ser condenado”. Grande parte dos países membros da União Europeia segue já esta orientação do Conselho da Europa.


Nesta conformidade, o Provedor de Justiça recomenda que “o Governo promova, junto da Assembleia da República, no quadro da anunciada revisão parcial do Código de Processo Penal, iniciativa legislativa tendo em vista a modificação do art.º 225.º deste Código, estabelecendo que ao arguido que tenha cumprido, no decurso de um processo penal, um determinado tempo em prisão preventiva, e que não venha a ser condenado nesse mesmo processo, pelo crime que a motivou, seja atribuída uma indemnização pelos prejuízos sofridos na sequência da aplicação da referida medida de coacção”.


Esta recomendação sublinha que, “da referida previsão deverão ser excepcionadas situações como as referentes a arguidos que venham a beneficiar efectivamente de uma amnistia ou de perdão genérico”.


Quanto ao ressarcimento do arguido em função dos prejuízos resultantes da aplicação da medida de prisão preventiva ele deve ser automático, não estando sujeito a qualquer limitação que envolva uma prévia qualificação dos tipos de prejuízos admissíveis para a atribuição da indemnização, embora naturalmente o valor desta deva atender aos prejuízos efectivamente sofridos em cada situação concreta.


O desconto do tempo cumprido pelo arguido em sede de prisão preventiva no tempo de cumprimento da pena concretamente aplicada é também objecto de duas recomendações do Provedor de Justiça, que refere ter a jurisprudência entendido que tal imposição legal só vale para as situações em que o desconto da medida processual em causa ocorre no mesmo processo em que o arguido vem a ser condenado.


Os tribunais não têm considerado que a prisão preventiva sofrida pelo arguido num processo no qual mais tarde vem a ser absolvido possa ser descontada na pena que ao mesmo tempo for aplicada noutro processo em que, por sua vez, vem a ser condenado, e no âmbito do qual não lhe foi aplicada tal medida de coacção.


Assim, o Provedor de Justiça recomenda “que o Governo tome a iniciativa de propor à Assembleia da República, mais uma vez no âmbito da anunciada revisão da legislação penal, que esta passe a explicitar, na situação do concurso de infracções em que os crimes foram julgados em processos autónomos, que o tempo de prisão preventiva cumprido no âmbito dos processos em que o arguido veio a ser absolvido, possa ser descontado na pena única aplicada no âmbito do cúmulo jurídico que se venha a efectivar relativamente aos crimes pelos quais, nas condições referidas, o mesmo arguido veio afinal a ser condenado”.


“Idêntica solução legal se recomenda, por razões de coerência da legislação que enquadra a matéria (v. art.º 80.º do Código Penal), para as medidas processuais correspondentes à detenção e à obrigação de permanência na habitação”, adianta o Provedor de Justiça no seu ofício.


A última deste conjunto de recomendações diz respeito aos prazos de duração máxima da prisão preventiva no âmbito do concurso de infracções e pretende obviar à possibilidade de um cidadão ser colocado, por aplicação sucessiva da medida de coacção correspondente à prisão preventiva, numa situação manifestamente desviante do espírito do legislador constituinte sobre a matéria.


A situação em análise reporta-se ao caso em que um arguido a cumprir a prisão preventiva no âmbito de um determinado processo, e no decurso de tal cumprimento, vem a ser constituído também arguido no âmbito de um outro processo, sendo-lhe neste caso aplicada uma medida de coacção distinta da prisão preventiva. A questão coloca-se quando, mais tarde – e designadamente quando o cumprimento da primeira prisão preventiva se mostrar terminado –, uma nova prisão preventiva vem a ser aplicada ao mesmo arguido, no âmbito do segundo processo.


Assim, é recomendado “que o Governo submeta à aprovação da Assembleia da República, no contexto dos trabalhos de revisão anunciados, proposta no sentido de vir a ser incluída na lei penal a possibilidade de, na situação descrita, poder o tempo decorrido desde a aplicação, neste segundo processo, da primeira medida de coacção, ser contabilizado para efeitos, e unicamente para estes, da contagem dos prazos de duração máxima da segunda medida, ou seja, da prisão preventiva, que o arguido vem igualmente a sofrer no segundo processo”, nos termos explicitados anteriormente.

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