Provedor de Justiça propôs ao Governo alteração do actual regime de reclassificação e reconversão profissionais na Administração Pública

O Provedor de Justiça propôs ao Governo a alteração do actual regime de reclassificação e reconversão profissionais na Administração Pública, no sentido de valorizar a qualificação de competências dos recursos humanos, defendendo um conceito de formação profissional que abranja o aferimento das competências básicas de cada um, adquiridas ao longo da vida.


Na sequência de queixas recebidas de funcionários da Administração Pública, relativas às questões suscitadas pela aplicação do actual regime de reclassificação e reconversão profissional, constante do Decreto-Lei n.º 497/99, de 19 de Novembro, o Provedor de Justiça entendeu, após avaliação da situação em apreço, dirigir-se ao Secretário de Estado da Administração Pública e propor a alteração da legislação aplicável.


Com efeito, o actual regime propicia situações inaceitáveis de reclassificação profissional, com a latitude das possibilidades de reclassificação e reconversão a darem azo a situações indesejáveis, como têm sido exemplo alguns dos casos detectados pela Provedoria de Justiça.


Através da figura da reconversão profissional, o DL n.º 497/99, pretendeu dar resposta às situações de desajustamento funcional em que o trabalhador não possua os requisitos habilitacionais exigíveis para o provimento no cargo que se encontre a desempenhar. Contudo, ao ser previsto que, para efeitos de reconversão, o trabalhador deve possuir uma determinada formação profissional, a determinar casuisticamente, o regime de reconversão foi inviabilizado.


De facto, a figura da reconversão profissional tornou-se impraticável, tendo mesmo a Direcção-Geral da Administração Pública (DGAP) defendido que são insusceptíveis de reconversão os trabalhadores que não possuam o 9º ano de escolaridade, na presunção de que, na falta deste elemento objectivo, não terão os mesmos capacidade para a apreensão dos conteúdos formativos a ministrar.


A posição assumida pela DGAP afasta, como elemento formativo base de qualquer trabalhador, a chamada “formação ao longo da vida”, que o legislador não deixou de acautelar, pretendendo harmonizar a formação a ministrar, tendo em conta as habilitações do trabalhador, sejam elas quais forem.


Ao referir-se, para efeitos de reconversão, à necessidade de ter em conta as habilitações literárias, a lei não terá pretendido que só pudessem ser objecto de reconversão os trabalhadores possuidores da escolaridade obrigatória, neste caso o 9º ano de escolaridade ou equivalente, mas antes harmonizar a formação a ministrar, tendo em conta as habilitações do trabalhador, sejam elas quais forem.


Trata-se, afinal, de um princípio básico inerente à forma de ministrar formação profissional, devendo esta ter em conta, para o trabalhador ou grupos de trabalhadores, um nível de formação homogéneo, na medida do possível.


Assim, como “pano de fundo” desta tomada de posição do Provedor de Justiça, está em causa uma determinada política de formação profissional supostamente adequada à qualificação dos recursos humanos da Administração Pública, partindo do pressuposto de que a formação a ministrar deve assumir uma função verdadeiramente estruturante para o desempenho individual.


Porque se trata de uma questão de natureza transversal à gestão dos recursos humanos, a formação é abordada incidentalmente, tendo em conta especificamente os temas a tratar – reclassificação e reconversão profissional, particularmente esta última.


Tendo por base a avaliação feita, e porque a formação profissional se insere no âmbito da chamada qualificação dos recursos, a posição assumida pelo Provedor de Justiça centra-se na necessidade de apontar vias destinadas à qualificação de recursos humanos, focalizando na questão subjacente à forma de ultrapassar a questão da existência de numerosos trabalhadores não detentores das habilitações adequadas ao cargo a prover.


A proposta do Provedor de Justiça vai no sentido da avaliação dos trabalhadores menos qualificados através de Centros de Reconhecimento e Avaliação de Competências (CRCV), que funcionam no âmbito do Ministério da Educação, sem prejuízo de posterior acção de formação profissional adequada.


Conexa com esta matéria está, também, a questão da certificação profissional no âmbito da Administração Pública, defendendo o Provedor de Justiça que a certificação deve ser susceptível de permitir a empregabilidade dos trabalhadores indiferentemente nos sectores público e privado.


Por outro lado, e no que concerne aos trabalhadores em relação aos quais se verifique a existência de categorias homólogas no mercado de trabalho, nada deve impedir ao Estado de providenciar ao seu recrutamento, facultando-lhes a formação inicial adequada ao desempenho das suas funções.


Defendendo a clarificação do regime legal em vigor, através da alteração do DL n.º 497/99, mas também de profundas alterações ao DL n.º 50/98, de 11 de Março, o Provedor de Justiça propôs que sejam consagrados, nomeadamente, os seguintes princípios:


– o funcionário deve exercer funções correspondentes à actividade descrita por remissão para a categoria na qual se encontra nomeado, devendo ser determinado que esta actividade compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais detenha uma qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional;


– a Administração poderá, excepcionalmente, quando o interesse público o exija e quando se verifique um facto objectivamente determinante da modificação, encarregar temporariamente o funcionário de funções não coincidentes com as do conteúdo funcional da carreira em que se encontra provido, sem que tal signifique modificação substancial na posição do trabalhador. O período temporário previsível deve ser comunicado ao interessado, podendo ser prolongado durante o tempo em que se verifique a necessidade;


– as circunstâncias atrás descritas possibilitariam a absorção, no direito administrativo, do instituto de “jus variandi”, acolhido sob a epígrafe de “mobilidade funcional” no art.º 314.º do Código do Trabalho;


– para além destes limites, a Administração Pública não pode, licitamente, exigir trabalho diferente daquele que foi pactuado;


– só a não coincidência entre o conteúdo funcional da carreira na qual o funcionário se encontra provido e as funções efectivamente exercidas, quando prolongada no tempo, de forma efectiva e contínua, poderá vir a gerar uma redefinição do objecto da sua prestação, mediante a atribuição de categoria e carreira diferentes: trata-se de uma verdadeira alteração do conteúdo funcional do trabalho a prestar, que excepciona os limites do “jus variandi”. Nesta medida convém destrinçar, com a maior clareza, a natureza das duas figuras;


– seria afastada a possibilidade, que actualmente o DL n.º 497/99 contempla, de considerar como causas de alteração definitiva do conteúdo funcional a introdução de métodos, processos de trabalho ou novas tecnologias, tal como a aquisição de habilitações, académicas e profissionais, ou ainda a inaptidão profissional. A causa específica de alteração definitiva de conteúdo funcional, decorrente de extinção, fusão ou reestruturação de serviços, encontra-se contemplada no DL n.º 193/2002, de 25 de Setembro, pelo que haveria que ponderar as alterações a este regime específico;


– a modificação definitiva de conteúdos funcionais deve configurar-se como faculdade que assiste à Administração e nunca como direito do funcionário e deverá realizar-se mediante a aplicação das figuras de reclassificação e de reconversão, consoante estejam, ou não, reunidos os requisitos legalmente exigidos para a nova carreira;


– os limites à reclassificação e reconversão profissionais, actualmente em vigor, apenas se justificam quanto a cargos dirigentes e de chefia, não se considerando justificadas as limitações à reconversão em cargos em corpos especiais ou em carreiras em cujo ingresso seja exigida licenciatura ou curso superior;


– a estas condições dever-se-á juntar, como pressuposto de aplicação das figuras de reclassificação e de reconversão, a exigência de um período de tempo mínimo em exercício de funções correspondentes à nova carreira pelo período legalmente fixado, não inferior a um ano e não susceptível de dispensa;


– o sistema actualmente previsto na lei, que teoricamente deveria permitir o suprimento da falta das habilitações literárias ou profissionais, para efeitos de reconversão, carece de reformulação, desde logo, através da substituição da lógica da formação estabelecida a priori, pela análise da sua necessidade;


– após o ano de desajustamento funcional atrás referido, propõe-se que seja efectuada uma análise de competências do funcionário, com especial incidência nos requisitos de capacidade: aptidão e talento para o desempenho da actividade, a capacidade de resposta e a aferição do desempenho do funcionário, seguida, se necessário, de uma despistagem de eventual necessidade de formação complementar;


– sendo a Administração Pública uma entidade empregadora, não se justifica o estabelecimento de um sistema de certificação profissional apenas para esta entidade, podendo considerar-se que a certificação em exclusivo não seria possuidora de todas as virtualidades inerentes a este tipo de títulos ou carteiras profissionais. No âmbito de um mercado de emprego alargado, o reconhecimento de títulos ou carteiras profissionais pode funcionar e funciona como elemento necessário e indispensável de acesso ao emprego, tendo em conta a supressão de barreiras à livre circulação de trabalhadores (Exceptuam-se deste âmbito, claro está, os profissionais que exerçam funções de autoridade: por exemplo, os agentes policiais e os funcionários de impostos ou de Justiça, cuja certificação cumpre exclusivamente ao Estado efectuar).

[ Texto integral desta tomada de posição do Provedor de Justiça pode ser consultado em www.provedor-jus.pt/restrito/recomendacoes/recomendacoes/Reclassificacao&reconversao.pdf  ]

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