Provedor de Justiça recomenda ao Governo atribuição do abono de família e de outras prestações sociais a estrangeiros com autorização de permanência

O Provedor de Justiça dirigiu recentemente ao Governo uma Recomendação no sentido de que os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal e detentores de Autorização de Permanência não devem ser excluídos da atribuição das prestações familiares, nomeadamente o abono de família, e das prestações de solidariedade, como o rendimento social de inserção.


Na sequência de iniciativas de aferição das condições de integração de imigrantes em Portugal, e tendo recebido numerosas queixas por parte de cidadãos estrangeiros com Autorização de Permanência, aos quais foram recusadas as mencionadas prestações pelos Serviços de Segurança Social, o Provedor de Justiça recomendou ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social a revisão das normas internas seguidas por aqueles serviços ou, caso se revele necessária, a promoção de uma alteração legislativa.


Já no início do corrente ano, o Instituto da Segurança Social, I.P., pronunciara-se desfavoravelmente sobre a sugestão apresentada pela Provedoria de Justiça no sentido da adopção pelos serviços competentes de uma interpretação menos restritiva do conceito de residência constante dos preceitos legais aplicáveis e das orientações internas seguidas.


Às intervenções do Provedor de Justiça sobre esta matéria não foi alheio, no domínio do abono de família, que a titularidade do direito àquela prestação é reconhecido pelo legislador às próprias crianças e jovens – não aos seus progenitores – o que acentua uma discriminação injustificada.


Ao estipular como princípio geral do Direito, no seu art.º 15.º, n.º 1, a equiparação ou igualdade, no tocante aos direitos e deveres, entre os cidadãos portugueses e os estrangeiros “que se encontrem ou residam” no país (assim incluindo os cidadãos que aqui permanecem), a Constituição da República preconiza, no art.º 63.º, que “todos têm direito à segurança social”, desta forma sublinhando a universalidade da sua aplicação.


Todavia, a Lei de Bases da Segurança Social, os diplomas regulamentadores desta e as orientações técnicas entretanto emanadas da Direcção-Geral da Segurança Social, da Família e da Criança, restringiram progressivamente a plena equiparação entre estrangeiros e nacionais, consagrada constitucionalmente no que respeita ao direito à Segurança Social, por via do conceito de residência adoptado.


Este conceito, restritivo, seguiu o art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, considerando como residentes apenas os estrangeiros detentores de Autorização de Residência e como equiparados os cidadãos estrangeiros, refugiados ou apátridas portadores de visto de trabalho ou de título de protecção temporária válidos.


Refira-se que, ao invés, e para efeitos fiscais, o legislador adoptou um conceito de residente extremamente lato, com o art.º 16.º do Código do IRS a qualificar como residentes em território português (e, como tal, sujeitos a incidência fiscal), as pessoas que, no ano a que respeitem os rendimentos, aqui hajam permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados. Neste caso, nenhuma relevância foi atribuída à nacionalidade do sujeito nem, sequer, à existência de um título que o habilite a permanecer legalmente em Portugal.


Porque os subsistemas de protecção familiar e de solidariedade da segurança social são também financiados pelo Orçamento do Estado, portanto pelos contribuintes em geral – nos quais se incluem os estrangeiros que trabalham e pagam os seus impostos –, mais injusta se revela a discriminação a que estão sujeitos os cidadãos detentores de Autorização de Permanência, um título que visa a legalização da sua presença em território português.


Acresce que os cidadãos estrangeiros detentores da Autorização de Permanência e trabalhando em Portugal são objecto de deveres para com o Estado em tudo iguais, não só aos portadores de Autorização de Residência, como até aos cidadãos nacionais, que os obrigam, nomeadamente, a liquidar os seus impostos mas, também, a pagar as contribuições para a própria Segurança Social.


Assim, o Provedor de Justiça recomendou ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social que “providencie pela emissão da competente Orientação Técnica que – revogando o entendimento sobre a matéria versado nas Orientações Técnicas da Direcção-Geral da Segurança Social, da Família e da Criança n.º 6/2003 e n.º 2/2005 -, determine a interpretação alargada do conceito de residente constante dos artigos 7.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 e artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, bem como do artigo 6.º, n.º1, alínea a), da Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, por forma a que sejam abrangidos por tais diplomas e, por conseguinte, possam aceder às prestações sociais neles reguladas, os detentores de autorizações de permanência válidas (ou detentores de recibo emitido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do requerimento de renovação ou prorrogação desse título)”.


Propôs também que, caso o Ministro não entenda possível o recomendado no parágrafo anterior, “promova a alteração legislativa que modifique o conceito de residente, ou equiparado, constante dos artigos 7.º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 e artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 2 de Agosto, bem como do artigo 6.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, por forma a que sejam abrangidos por tais diplomas e, por conseguinte, possam aceder às prestações sociais enles reguladas, os detentores de autorizações de permanência válidas (ou detentores de recibo emitido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do requerimento de renovação ou prorrogação desse título)”.


O Provedor de Justiça recomendou ainda que, por uma ou outra das mencionadas vias, sejam também incluídos no âmbito pessoal de tais diplomas, “os estrangeiros habilitados com quaisquer outros títulos de permanência em território nacional que, pelas características que legalmente assumem, confiram aos seus portadores uma situação que materialmente se aproxime das dos nacionais ou estrangeiros portadores de autorização de residência ou permanência, designadamente os títulos que permitam aos seus portadores a possibilidade de trabalharem em Portugal, como será o caso do visto de trabalho e, em certos casos legalmente definidos, dos vistos de estada temporária e de estudo”.

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