Provedor de Justiça recomenda medidas para ultrapassar discriminação nas situações de recusa de seguros de vida e crédito à habitação a deficientes e pessoas com riscos agravados de saúde

O Provedor de Justiça recomendou ao Ministro do Estado e das Finanças que emita orientações no sentido de que as empresas do grupo Caixa Geral de Depósitos (CGD) não recusem a celebração de contratos de seguro de vida associados a créditos à habitação, nem agravem excessivamente os respectivos prémios, tendo como fundamento o facto de os requerentes serem deficientes, ou de existirem especiais riscos agravados de saúde, como, por exemplo, acontece no caso de cidadãos que sofreram doenças do foro oncológico. “É incompreensível que o Estado português — o mesmo que fez aprovar o diploma legal que proíbe e pune as práticas discriminatórias dos cidadãos portadores de deficiência e de riscos agravados de saúde — não oriente as empresas de que é detentor no sentido do cumprimento do preceituado na lei”, defende Nascimento Rodrigues.

Apesar de os encargos resultantes da aplicação do regime bonificado para deficientes serem suportados pelo Estado, verifica-se, na prática, que o recurso ao crédito bancário pelos portadores de deficiência – e, em muitos casos, dos cidadãos com riscos agravados de saúde – está, quase sempre, inviabilizado. O Decreto-Lei n.º 230/80 estendeu a todos os portadores de deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60% o direito à aquisição ou construção de habitação própria em regime bonificado. Mas o acesso ao regime bonificado é impedido de forma directa, através da recusa de celebração do necessário seguro de vida, ou indirectamente, por via de um incomportável agravamento do prémio do seguro.

A Recomendação surge na sequência de reclamações contra estes procedimentos seguidos por bancos e seguradoras, que são discriminatórios relativamente a pessoas com deficiência, como se depreende do disposto na alínea c) do artigo 4.º da Lei n.º 46/2006. Tais práticas prejudicam ainda a aplicabilidade do direito constitucional dos portadores de deficiência e das suas famílias “a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.

Não teve efeitos a designação, operada pelo Decreto-Lei n.º 34/2007, de 15 de Fevereiro, do Instituto de Seguros de Portugal (ISP) como entidade administrativa com competência para instruir os processos de contra-ordenação e aplicar as coimas pela prática dos actos discriminatórios no sector dos seguros. De acordo com uma informação fornecida pelo próprio ISP, até 30 de Novembro de 2007 não havia sido instaurado nenhum processo de contra-ordenação em resultado da prática dos actos discriminatórios no sector dos seguros. O instituto sustenta que, para a actividade seguradora, a norma em questão “aparenta ser tendencialmente neutra”, tendo como únicas consequências a “proibição de recusa de negociação” e a “proibição de imposição arbitrária de condições mais gravosas”. Para o ISP, quaisquer condições impostas nos contratos são consideradas aceitáveis, desde que se fundem nos “manuais de risco”, em “situações clínicas diferenciadas”’ ou nos “fundamentos da técnica seguradora”. Mas tanto a deficiência como os riscos agravados de saúde constituem, “situações clínicas diferenciadas” que podem justificar exorbitantes agravamentos dos prémios de seguro, ou, mesmo, a recusa de celebração de contratos ou de concessão de crédito.

Concluindo que a publicação de legislação proibindo e punindo a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde “não levou ao fim das práticas discriminatórias”, Nascimento Rodrigues considera que cabe ao Estado a obrigação constitucional de realizar uma política nacional de integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, usando para isso os diversos meios de que dispõe. Para garantir que tal aconteça, uma das opções passaria por uma acção legislativa que assumisse os custos do fim das práticas discriminatórias descritas, caminho que não foi adoptado pela lei n.º 46/2006, de 28 de Agosto. O Estado poderia ainda criar um fundo público, accionável subsidiariamente às garantias reais, destinado a garantir as situações que, configurando um elevado risco para as empresas seguradoras, levam actualmente à recusa de contratação. Foi recomendada uma solução deste tipo a coberto da Recomendação n.º 4-B/2000, ao então Ministro das Finanças, em 2 de Março de 2000, mas que nunca mereceu acolhimento.

O Provedor de Justiça vem agora propor nova medida para ultrapassar as reiteradas práticas discriminatórias, recomendando que as empresas públicas especializadas na concessão de empréstimos para habitação e contratação de seguros de vida – como é o caso do grupo CGD – atendam às situações em causa, para o efeito de que devem observar-se regras técnicas de seguro apropriadas à aferição específica dessas situações, suportando-se o agravamento de custos que se revele viável. O cumprimento da Recomendação terá especial relevância enquanto não forem conhecidas as conclusões do grupo de trabalho criado por despacho conjunto do Secretário de Estado do Tesouro e Finanças e da Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação para analisar o sistema de seguros existentes, avaliar a sua aplicação às pessoas com deficiência, designadamente na área da habitação, e apresentar propostas de solução para ultrapassar os obstáculos encontrados neste domínio.

Nota: O texto integral da Recomendação está disponível no sítio da Provedoria de Justiça, através da seguinte ligação:http://www.provedor-jus.pt/restrito/rec_ficheiros/Rec3B08.pdf

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