Provedor de Justiça recomenda obrigatoriedade de autorização da assembleia de condomínio para pedidos de alteração do uso de fracções autónomas

No âmbito da revisão em curso das normas regulamentares do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, o Provedor de Justiça solicitou ao Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades que sejam acautelados os direitos dos condóminos em procedimentos de alteração de uso de fracções autónomas. Para isso, entre os elementos instrutórios do pedido de autorização de alteração do uso de fracções autónomas, cujo objecto coincida com edifício constituído em regime de propriedade horizontal, Nascimento Rodrigues recomenda que a regulamentação prevista no artigo 9º, nº4, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, “possa determinar que deva ser junta prova de autorização pela assembleia do condomínio ou, em caso disso, da modificação do título constitutivo”.

A Recomendação surge na sequência de várias reclamações dirigidas ao Provedor de Justiça a respeito de estabelecimentos com actividades incómodas, instalados em fracções autónomas de edifícios multifamiliares e em desconformidade com o título constitutivo da propriedade horizontal. Tratam-se de casos em que é licenciada ou autorizada uma alteração ao uso de certa fracção autónoma – por exemplo, de comércio para serviços – sem que seja consultada a assembleia do condomínio, ou mesmo perante a oposição da maioria dos condóminos.

Poder-se-ia defender que o conflito, porque de natureza privada, nada teria a ver com o controlo municipal das operações urbanísticas, mas a verdade é que a actividade dos estabelecimentos em causa colide frequentemente com bens jurídicos protegidos por normas de direito público. Facto que justifica o controlo administrativo sobre o uso previsto para uma nova construção ou para parte de uma edificação já existente. Até porque, mesmo que não sejam executadas obras, é necessária uma autorização para a mudança de utilização.

A salubridade, a segurança e o bem-estar de terceiros são com frequência afectados por diferentes utilizações de fracções autónomas que, muitas vezes, na licença de utilização se prestam a um uso largamente indiferenciado. Os problemas surgem, normalmente, a respeito de estabelecimentos de restauração e bebidas (com ou sem sala de dança, com ou sem música ao vivo, com ou sem esplanada adjacente), estabelecimentos de comércio a retalho de géneros alimentares (em especial, talhos, charcutarias, supermercados e outros com ruído dos aparelhos de frio ou das cargas e descargas no fornecimento), oficinas industriais ou de reparação de veículos como motor, salões de barbeiro e de cabeleireiro, lavandarias e ginásios.

O início da actividade dos estabelecimentos referidos encontra-se, quase sempre, sujeito a licenciamento ou autorização e compreende, por norma, obras de instalação, configurando uma alteração do uso licenciado para a fracção. Verifica-se que, na análise dos requerimentos de licença e autorização de alteração do uso de fracções autónomas, as câmaras municipais se limitam verificar a observância de prescrições estritamente urbanísticas. Ora, o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação prevê – e continua a prever, na sua nova versão – um controlo preliminar da legitimidade do interessado, exigindo-lhe “indicação da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística” (artigo 9.º, n.º 1), pois, de outro modo, o pedido poderá ser indeferido por ilegitimidade, liminarmente ou até à decisão final (artigo 11.º, n.º 5). Ao verificar apenas mostrar-se indiciada a propriedade do edifício ou a titularidade de outro direito real de gozo (solicitando, por norma, apenas certidão da conservatória do registo predial), os municípios prescindem da apreciação do fim previsto na escritura de propriedade horizontal e da autorização do condomínio à alteração do uso requerida.

A verificação estritamente urbanística mostra-se insuficiente, dado que o a alteração de uso está condicionada pelas normas imperativas do Código Civil que impõem condicionantes à livre disposição das fracções autónomas, designadamente, o disposto no artigo 1422.º, n.º 3 e n.º 4 – autorização da assembleia de condóminos, por maioria qualificada, para “obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício” ou para alteração ao uso de certa fracção autónoma. Na Recomendação enviada ao Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, Nascimento Rodrigues salienta que “as câmaras municipais devem ter em conta as relações de interdependência dos condóminos no uso e fruição do prédio, pesando os inconvenientes que a viabilização de um uso não habitacional, não autorizado pelo condomínio, necessariamente acarreta para a comodidade e tranquilidade dos moradores, para a segurança do edifício e até para a paz social”.

Nota: O texto integral da Recomendação está disponível no sítio da Provedoria de Justiça, através da seguinte ligação:http://www.provedor-jus.pt/restrito/rec_ficheiros/Rec6B07.pdf

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