Provedor de Justiça recomenda que todos os cidadãos estrangeiros a residir legalmente no país em momento anterior ao do ingresso no ensino superior beneficiem dos sistemas de apoio social escolar

O Provedor de Justiça dirigiu uma Recomendação ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior para que seja promovida iniciativa legislativa que inclua como beneficiários do sistema de acção social das instituições de ensino superior todos os cidadãos estrangeiros que, anteriormente ao ingresso no ensino superior, tenham residido em Portugal, sendo titulares de autorização de residência, de permanência ou título equiparado. Para isso, deverá ser aditada ao art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 129/93, de 23 de Abril, norma que elimine esta discriminação em função da nacionalidade.

A iniciativa de Nascimento Rodrigues teve origem numa reclamação subscrita por um cidadão estrangeiro, residente em Portugal há anos e aluno de um curso de licenciatura ministrado por instituição pública de ensino superior. O reclamante terá sido informado da impossibilidade de acesso a bolsa de estudo pelos serviços de acção social da Universidade em causa, que invocaram a sua nacionalidade como motivo da exclusão.

O Decreto-Lei Lei n.º 129/93 reconhece como beneficiários do sistema de acção social no âmbito das instituições de ensino superior os cidadãos nacionais, os cidadãos de Estados membros da Comunidade Europeia, os apátridas ou cidadãos estrangeiros que beneficiem do estatuto de refugiado político e os cidadãos estrangeiros provenientes de países com os quais hajam sido celebrados acordos de cooperação, prevendo a aplicação de tais benefícios, ou que confiram reciprocidade aos estudantes portugueses.

Dessa forma, encontram-se excluídos do regime de apoios sociais escolares todos os cidadãos estrangeiros que, não obstante a titularidade de documento que os habilite a permanecer regularmente em Portugal (por exemplo, autorização de residência, ou visto de estudo) não sejam nacionais de um Estado membro da União Europeia, de país com o qual tenha sido celebrado acordo de cooperação, ou que confira igual tratamento aos estudantes portugueses.

No entanto, a Constituição estabelece, no seu artigo 15.º, n.º 1, que os cidadãos estrangeiros e os apátridas que residam em Portugal “gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”. A única excepção prevista no referido a artigo 15.º refere-se aos direitos políticos, ao exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e aos direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses. Mas a equiparação de direitos e deveres engloba os denominados “direitos de prestação”, dos quais faz necessariamente parte o direito ao ensino, também consagrado a nível constitucional.


 De acordo com o disposto no artigo 18.º, n.º.1 do Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril, a acção social escolar destina-se a promover o sucesso escolar de todos os estudantes, “visando promover uma efectiva igualdade de oportunidades”. A própria Constituição proclama a universalidade do direito à educação e à cultura, invocando que o Estado deverá assegurar “a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades” e para “a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais”. Ora, “essas desigualdades serão, natural e tendencialmente, mais acentuadas nas populações migrantes”, como sublinha o Provedor de Justiça. Para evitar que elas se verifiquem, a Lei Fundamental garante o acesso à acção social escolar para todos os alunos, independentemente da sua nacionalidade.

A questão em causa tem vindo a ganhar uma crescente relevância social, dado que, nos últimos anos, se registou um aumento significativo da presença das comunidades estrangeiras em Portugal. As mais recentes movimentações legislativas, quer as já concretizadas no domínio da Nacionalidade, quer a que ora está em discussão no Parlamento (para modificação das regras sobre as condições de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português) reconhecem, como se afirmava na exposição de motivos do anteprojecto deste último diploma, que “nas últimas duas décadas assistimos a um crescimento acentuado da imigração e à sua diversificação qualitiativa”, assistindo-se, deste modo, à “transformação de Portugal em País de acolhimento de fluxos migratórios significativos”, o que implicaria a criação de um estatuto jurídico que favorecesse a integração de imigrantes na sociedade portuguesa.

A Recomendação dirigida ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior aborda a situação dos cidadãos estrangeiros que, nascidos ou não em Portugal, aqui residam por um período significativo, integrando agregados familiares que aqui vivem, trabalham e pagam os seus impostos. Não está em causa a situação de alunos estrangeiros vindos dos seus países de origem para estudar em Portugal, dado que “é manifesta a diferença entre quem, residindo no estrangeiro, requer visto para ingressar no sistema de ensino superior português, estando, em regra, obrigado a possuir meios de subsistência para se manter no país [nos termos do artigo 13.º, n.º 5, do Decreto Regulamentar n.º 6/2004, de 26 de Abril] e, por outro lado, todos aqueles que, realizando a vida no nosso país, aqui estudando no ensino básico ou no secundário, vêem subitamente retirado o apoio no momento em que dele mais careciam”, argumenta Nascimento Rodrigues. “Sempre será bizarro, para um estudante que beneficia da acção social no âmbito do ensino não superior, ver negada com base tão arbitrária essa mesma acção social quando atinge um nível de qualificação mais avançado”, acrescenta.

Nota: O texto integral da Recomendação está disponível no sítio da Provedoria de Justiça, através da seguinte ligação:http://www.provedor-jus.pt/restrito/rec_ficheiros/Rec2B07.pdf

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