Provedor de Justiça solicita ao Ministro da Agricultura que se pronuncie quanto a questões suscitadas pelo processo de selecção de pessoal a colocar em situação de mobilidade especial na Direcção-Geral de Veterinária

No âmbito da actual reestruturação da Direcção-Geral de Veterinária, foi requerida a intervenção do Provedor de Justiça quanto aos procedimentos aplicados na selecção de pessoal a colocar em situação de mobilidade especial. Após ter analisado a cópia integral do processo, Nascimento Rodrigues solicitou ao Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, que tome posição sobre certas questões suscitadas, em particular quanto aos vícios nucleares que afectam o referido processo de reestruturação. No entendimento do Provedor de Justiça, esses vícios podem resumir-se essencialmente nos seguintes pontos:


• Na selecção do pessoal a colocar em situação de mobilidade especial – que deve partir da comparação entre os postos de trabalho necessários e os efectivos existentes – o pessoal avençado está a ser considerado como integrando os “efectivos existentes”. Este procedimento é ilegal e inquina irremediavelmente as decisões que venham a ser tomadas em matéria de colocação de pessoal em mobilidade especial. Por outro lado, indicia que o pessoal avençado desempenha funções equiparadas às dos funcionários e agentes.

• A manutenção de contratos de avença para exercício de funções subordinadas, em simultâneo com a colocação de funcionários em situação de mobilidade especial, sem tornar claros os critérios usados nesta selecção, para além de ilegal, desvirtua os objectivos do processo de racionalização de efectivos e viola os mais elementares princípios da transparência administrativa, da justiça e da boa fé no relacionamento da Administração com os particulares.

Constata-se que já foram percorridas as fases nucleares de selecção de pessoal a colocar em situação de mobilidade especial, faltando apenas publicar a sua lista definitiva. No entanto, foi detectada a incongruência entre, por um lado, o mapa comparativo dos efectivos existentes e dos postos de trabalho necessários e, por outro, as listas nominativas de pessoal a reafectar e a colocar em situação de mobilidade especial. Na verdade, na maioria das unidades orgânicas, a soma dos funcionários constantes destas listas nominativas é inferior ao número de efectivos existentes inscrito naquele mapa. Tal incongruência resulta de ter sido incluído nos “efectivos existentes” o pessoal vinculado por contratos de prestação de serviços.

Assim, por exemplo, no que respeita à Divisão de Intervenção Veterinária de Setúbal, o mapa em causa indica existirem 23 médicos veterinários “efectivos”, sendo necessários, apenas, 18 postos de trabalho para o exercício das correspondentes funções. Ora, daqueles “efectivos”, apenas 14 possuem vínculo de emprego público, sendo os restantes nove avençados. Na verdade, as listas nominativas relativas a esta unidade orgânica indicam que, daqueles 14 médicos veterinários com a qualidade de funcionário ou agente, 12 serão reafectos à Direcção-Geral de Veterinária, enquanto dois passarão para a situação de mobilidade especial. Donde se pode igualmente inferir que, a fim de garantir os 18 postos de trabalho necessários, manter-se-ão em funções seis vinculados por contrato de avença, enquanto outros três contratos com esta natureza serão rescindidos ou caducarão no seu termo. Uma informação que está em consonância com outro facto que a instrução do processo permitiu apurar, nomeadamente a circunstância de ter sido proposta a manutenção ou prorrogação da vigência de 330 contratos de avença para exercício de funções na Direcção-Geral de Veterinária.

Como já foi referido, a integração do pessoal vinculado por contrato de prestação de serviços nos “efectivos existentes” evidencia uma utilização inadequada dos contratos de prestação de serviços, ao implicar o exercício de funções subordinadas mediante contratos de tarefa e avença. Aliás, esse é também o quadro traçado pelo funcionário que solicitou a intervenção do Provedor de Justiça, ao referir-se à permanência, no mesmo serviço, de avençados a desempenhar exactamente as mesmas funções, e com idêntica subordinação funcional, do que os funcionários e agentes. No ofício que agora dirigiu ao Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, Nascimento Rodrigues sublinha que “esta situação é, em absoluto, proibida por lei e tem por consequência não só a nulidade dos contratos, como a responsabilidade financeira (para além da civil e disciplinar) dos dirigentes que celebrem ou autorizem a sua celebração”.


Note-se que o próprio pressuposto e fundamento da colocação de pessoal em situação de mobilidade especial – a desnecessidade de todos os funcionários e agentes do serviço, em face das actividades a desenvolver – surge comprometido com a proposta, formulada quase em simultâneo, de manutenção de contratos de prestação de serviço, com fundamento na “inexistência de pessoal” para desempenhar as funções que constituem as atribuições nucleares da Direcção-Geral de Veterinária. É, pois, o fundamento material da decisão de passagem de funcionários para a mobilidade especial que é posto em causa. Concomitantemente, no processo de selecção de pessoal a colocar em situação de mobilidade especial não se encontra, à partida, determinado o número de funcionários e agentes (por carreira e unidade funcional) a colocar em situação de mobilidade especial. O mapa comparativo não fornece essa indicação porque não distingue entre funcionários e agentes e vinculados por contrato de prestação de serviços. Isto pode significar que, nos casos em que, na mesma unidade orgânica, desempenham funções idênticas, tanto funcionários, como avençados, a escolha teve que ser feita entre o pessoal dos dois grupos. Impõe-se saber quais terão sido os critérios que determinaram a selecção entre avençados e funcionários. Realce-se que o processo de selecção é, em absoluto, omisso sobre esta escolha, na medida em que, desta feita em obediência à lei, apenas abrangeu os funcionários e agentes.


A verdade é que, sob o manto de uma aparente conformidade legal – aparente não só porque os avençados foram indevidamente tidos em conta na avaliação das necessidades de pessoal, como porque se aplicou o regime legal da selecção como se estivessem em causa tão só funcionários e agentes –, operou-se uma encoberta selecção entre funcionários e avençados, levada a cabo sem a participação dos interessados, que desconhecem os respectivos critérios e fundamentos. Selecção que, deste modo, não é possível sindicar, no que toca ao cumprimento dos princípios fundamentais, da prossecução do interesse público, da igualdade, proporcionalidade, boa fé e justiça.


Recorde-se que o art. 10º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, na redacção conferida pela Lei n.º 25/98, de 26 de Maio, dispõe, com uma clareza que não admite dúvidas, que a celebração de contratos de prestação de serviços por parte da Administração só pode ter lugar para execução de trabalho com carácter não subordinado, ou seja, “o que, sendo prestado com autonomia, se caracteriza por não se encontrar sujeito à disciplina, à hierarquia, nem implicar o cumprimento do horário de trabalho”, sob pena de, nos termos do n.º 6 do mesmo preceito, os contratos serem nulos”. No mesmo sentido, o art. 17º, ns. 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro, preceitua que as duas modalidades de contratos de prestação de serviços – os contratos de tarefa e avença – só podem ser celebrados quando no próprio serviço não existam funcionários ou agentes com as qualificações adequadas ao exercício das funções objecto dos contratos.


Por último, e no que diz respeito à responsabilidade dos dirigentes envolvidos na celebração e autorização de contratos desta natureza, o projecto de diploma que define e regula os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, já aprovado em Conselho de Ministros (e disponível para consulta em www.min-financas.pt), vai mais longe do que o regime actualmente em vigor na previsão dos mecanismos destinados a efectivar tal responsabilidade.

Neste contexto, o Provedor de Justiça solicitou ao Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas uma urgente clarificação de todo o processo de colocação em mobilidade especial dos funcionários afectados pela reestruturação da Direcção-Geral de Veterinária.

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