Relatório anual de actividades apresentado à Assembleia da República: 2006 foi o ano com o maior volume de queixas, 87,5% das quais resolvidas positivamente

Ao longo do ano de 2006 foram organizados na Provedoria de Justiça 6377 novos processos, que correspondem a um total de 8227 reclamantes. Trata-se do maior volume de queixas de sempre a dar entrada na Provedoria, evidenciando um acréscimo percentual de 11% face ao ano anterior, conforme os dados que constam do Relatório Anual de Actividades relativo ao ano de 2006, que foi agora apresentado à Assembleia da República.

O Relatório inclui dados estatísticos sobre a actividade da Provedoria de Justiça e resume a componente processual mais relevante nas várias áreas sectoriais em que esta está dividida, incluindo as extensões nas regiões autónomas, a Linha Verde «Recados da Criança» e a Linha do Cidadão Idoso.

Sobre que assuntos incidiram as queixas em 2006?


A análise deste gráfico [ver relatório em formato PDF] sobre o peso relativo das várias matérias que são objecto de queixa por parte dos cidadãos evidencia como os assuntos de segurança social detêm a primazia, com 11,8% do total de reclamações. seguindo-se-lhe as questões relativas, à nacionalidade (10,7%), ao emprego público (10,4%), à fiscalidade (7,8%), à administração da justiça (7,3%) e ao consumo (6,9%). Reflectindo a enorme diversidade dos assuntos colocados à apreciação do Provedor de Justiça, 17,4% dos assuntos das queixas não são susceptíveis de agregação por grandes grupos de questões reclamadas. De facto, são colocadas à apreciação do Provedor de Justiça matérias tão heterogéneas como a ciência, a caça, os cemitérios, a utilização de símbolos nacionais para fins de publicidade comercial, a alegada inconstitucionalidade do casamento civil entre pessoas de sexo diferente e o pagamento de propinas no ensino superior, entre muitas outras.

Fazendo uma análise qualitativa dos dados constantes no Relatório, e tendo em conta uma perspectiva temporalmente ampla – portanto, mais sensível a possíveis tendências de fundo e menos influenciada por ciclos esporádicos de certo tipo de reclamações dos cidadãos – observa-se que as reclamações reportadas a assuntos de segurança social têm mantido um forte peso no conjunto das queixas dos cidadãos, assim como as queixas dos contribuintes, que subiram nitidamente a partir de 2003. As temáticas ligadas aos direitos dos consumidores estão a assumir um papel crescente e representaram 6,9% do total de queixas em 2006. O volume de queixas dos funcionários públicos (utilizada esta expressão em sentido lato, abrangente também das forças militares e de segurança) tem vindo, nos últimos anos, a perder importância absoluta e relativa no quadro geral das reclamações recebidas.

Quanto tempo demorou a instrução das queixas?

Setenta e quatro por cento dos processos abertos em 2006 ficaram concluídos nesse mesmo ano e 90% dos processos encerrados demoraram menos de um ano até serem concluídos. No total, foram encerrados 6384 processos ao longo do ano transacto. Indicadores que vão ao encontro do objectivo do controle da pendência processual, que Nascimento Rodrigues estabeleceu quando assumiu o mandato de Provedor de Justiça, em 2000. Apesar do sustentado crescimento anual do volume de queixas recebidas, no final de 2006 verificou-se uma pendência de apenas 2187 processos.

E afinal, teve sucesso, ou não, a intervenção do Provedor de Justiça nestes 6384 processos arquivados?

Se considerarmos as queixas procedentes (excluindo, portanto, as queixas que estão fora da competência do Provedor de Justiça, bem como as queixas improcedentes ou sem fundamento), verifica-se que a taxa de sucesso na resolução positiva dos processos foi de 87,5%. Esta é a mais alta taxa de sucesso desde sempre atingida e significa, considerando os 3% de desistências, que apenas 1,8 por cento das queixas procedentes não foram resolvidas pelo Provedor de Justiça. Conclui-se que baixa pendência processual e o encurtamento dos prazos de decisão não implicaram, portanto, o sacrifício da eficácia na actuação do Provedor de Justiça.

Quais foram as entidades públicas mais visadas pelas queixas?

As entidades mais visadas nos processos são, por ordem decrescente, estruturas da Administração Central (59,8%), a Administração Local (14,1%) e a Administração Indirecta e Autónoma (9,4%). Na primeira, o Ministério da Justiça ocupa este ano o lugar cimeiro, em grande parte devido às queixas de residentes no ex-Estado da Índia e tendo como entidade visada a Conservatória dos Registos Centrais. Seguem-se-lhe o Ministério das Finanças e da Administração Pública e os Ministérios do Trabalho e da Administração Interna. Na Administração Local, as queixas contra os municípios de Lisboa, Porto e Sintra mantêm-se em lugar cimeiro, enquanto na Administração Indirecta e Autónoma são dirigidas, sobretudo, ao sector empresarial do Estado, às concessionárias e aos institutos públicos.

De onde vieram as queixas recebidas?

Quanto à distribuição geográfica das queixas, o maior número teve origem no distrito de Lisboa (2012), seguindo-se-lhe os distritos do Porto (827), Setúbal (403), Santarém (296), Braga (269) e Aveiro (245). Verificou-se um significativo aumento (superior a 180 por cento) das queixas oriundas do estrangeiro, que ascenderam a 678, quando em 2005 tinham sido 241. Estas reclamações provieram principalmente da União Indiana (Goa).

Considerando o número de queixas por 10 mil habitantes (de acordo com o Censo de 2001), persiste a primazia de Lisboa (9,43, face a 9,08 em 2005 e 8,62 em 2004), Santarém (6,53 face a 5,14 em 2005 e 6,09 em 2004) repete o segundo lugar de 2004, trocando assim com os Açores (5,47 face a 5,30 em 2005 e 5, 81 em 2004) a posição relativa detida em 2005. No pólo oposto, os distritos com índices mais baixos de queixas por 10 mil habitantes são Bragança (2,93), Beja (2,90) e Vila Real (2,80).

Quem foram os reclamantes?

Dos 8227 reclamantes, 94% (7741) eram pessoas singulares e 6% (486) pessoas colectivas, sendo que nestas últimas se destacam as sociedades, as associações e as organizações sindicais. Mantém-se a tendência de elevada percentagem de reclamantes individuais (que tem sido superior a 90% ao longo dos últimos anos), mas a novidade de 2006 consistiu no facto de as mulheres representarem 41,5% dos reclamantes singulares, num claro aumento face a anos anteriores (entre 34%, em 2000 e 39%, em 2005). Este dado aponta para uma aproximação dos reclamantes por género à realidade sociológica nacional.

Quantas Recomendações foram formuladas?

Em 2006, o Provedor de Justiça elaborou 25 Recomendações, das quais nove foram acatadas, quatro não acolhidas, aguardando as demais uma resposta, que em vários casos ultrapassa já o limite de tempo fixado para o efeito. Não foi formulado qualquer pedido de declaração de inconstitucionalidade, embora tenham sido apresentadas 31 queixas em tal sentido, 17 das quais respondidas negativamente, a que se deve acrescentar mais 21 de anos anteriores. Constam do Relatório os textos correspondentes.

Que iniciativas do Provedor de Justiça se destacaram ao longo do ano?

Para além do tratamento das queixas que lhe foram endereçadas, no ano passado o Provedor de Justiça levou a cabo diversas acções, das quais se destacam:

· O lançamento de um inquérito aos estabelecimentos de acolhimento de crianças e jovens da Região Autónoma dos Açores, a que se seguirão, em 2007, visitas de inspecção aos mesmos estabelecimentos.


· A realização de 11 visitas de inspecção a Serviços de Finanças e envio de questionários a 33 Serviços da Administração Fiscal do Continente e Regiões Autónomas, relacionados com procedimentos de execuções fiscais. Está em elaboração o relatório final desta acção inspectiva, cujas conclusões serão conhecidas em breve.


· A conclusão da inspecção aos serviços de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Santarém.


· Visitas inspectivas aos Centros Distritais de Segurança Social de Lisboa, Santarém e Setúbal, no âmbito da avaliação do acesso dos beneficiários ao recentemente instituído “complemento solidário para idosos” e do processamento e pagamento de prestações do “abono de família”.

· Nove deslocações a estabelecimentos prisionais para contactos com reclusos e averiguação de situações prisionais.


· Visitas de inquérito a alojamentos de estrangeiros nas áreas aeroportuárias de Faro, Lisboa e no centro de instalação temporária do Porto.


· A conclusão do inventário e tratamento sistemático dos regulamentos municipais de urbanização e edificação, cuja análise terá lugar em 2007, relativamente aos 308 municípios do continente e das regiões insulares.

Foram ainda efectuadas 464 reuniões (internas ou externas) e diligências no exterior, quer no âmbito dos processos de queixas, quer no quadro de outras iniciativas de Nascimento Rodrigues. No plano das relações internacionais, salientaram-se as visitas do Provedor de Justiça a Moscovo, para contactos com o Comissário dos Direitos Humanos da Federação da Rússia; e a Luanda, para participação num workshop internacional promovido pelo Provedor de Justiça de Angola. Realcem-se, também, os encontros em Lisboa com o Provedor dos Direitos do Homem e da Justiça de Timor-Leste e com a Adjunta do Comissário Contra a Corrupção de Macau.

Movimento processual nas diversas áreas de assessoria da Provedoria de Justiça


a) Urbanismo, ambiente e ordenamento do território

Em matéria de urbanismo, ambiente e ordenamento do território, a maioria das reclamações reportam-se a assuntos urbanísticos, em especial à oposição a obras particulares de construção ou de ampliação, por alegadamente comprometerem os níveis de insolação ou de ventilação natural das edificações vizinhas. Trata-se, no essencial, de aferir o cumprimento das regras sobre afastamentos e cérceas das edificações urbanas, aplicando o Regulamento Geral das Edificações Urbanas e os mais diversos planos urbanísticos.

Outra tipologia muito frequente de queixas nesta área prende-se com os incómodos provocados pelos deficientes sistemas de evacuação dos fumos e gases em estabelecimentos de restauração e bebidas instalados em edifícios multifamiliares, assim como pelo ruído ali produzido. Tem-se constatado que as autoridades municipais demonstram uma atitude de generalizada tolerância para com estabelecimentos sitos em edifícios ou fracções inapropriados. É feita vista grossa à caducidade de anteriores alvarás e a iniciativa meramente formal de legalização faz interromper procedimentos de intimação contra a utilização desconforme.

b) Finanças, economia e direitos dos consumidores

A área das finanças, economia e direitos dos consumidores manteve a predominância dos assuntos relacionados com fiscalidade (principalmente com o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e com execuções fiscais), que representam mais de metade das queixas ali instruídas. Seguiram-se por ordem decrescente, as reclamações sobre direitos dos consumidores, assuntos financeiros, responsabilidade civil e fundos europeus e nacionais.

O acréscimo de queixas em matéria de execuções fiscais foi consequência dos novos procedimentos implementados pela Direcção Geral de Contribuições e Impostos (DGCI) com o objectivo de aumentar a eficiência da máquina fiscal no tocante à cobrança de créditos tributários. Contrariamente ao que ocorreu em 2004 e 2005 com o aumento das queixas sobre a Reforma da Tributação do Património, originado pelas mudanças legislativas de finais de 2003, este aumento não decorre de qualquer alteração legislativa, mas da forma como a DGCI passou a recorrer a meios e expedientes há muito previstos na lei em matéria de execuções fiscais.

c) Assuntos sociais

As queixas chegadas à área dos assuntos sociais (segurança social, direito do trabalho e habitação social), englobaram maioritariamente questões sobre os Regimes da Segurança Social, nas quais se destacam as relacionadas com pensões de velhice, de invalidez e com subsídios de desemprego. Registou-se um ligeiro acréscimo das queixas relativas aos Regimes de Protecção Social da Função Pública (aposentações por velhice, por invalidez, inscrições, quotas, dívidas e contagens de tempos de serviço na Caixa Geral de Aposentações), o que ficou a dever-se às reclamações sobre as novas regras para a aposentação e atrasos na atribuição de pensões e de outras prestações.

d) Assuntos de organização administrativa e relações laborais no âmbito da Administração Pública

Os concursos de pessoal docente dos ensinos básico e secundário foram o principal tema das reclamações tratadas na área de assessoria relativa a assuntos de organização administrativa e relações laborais no âmbito da Administração Pública. O número de reclamações de docentes foi superior ao do ano transacto, certamente devido ao facto de o concurso para o ano lectivo de 2006/2007 ter sido efectuado pelo período de três anos.

Nesta área, o Ministério da Educação representa 38,28% do total das queixas, continuando a ser a entidade mais visada pela actuação do Provedor de Justiça. Seguem-se-lhe os Ministérios da Saúde, Defesa Nacional e Administração Interna. Assinale-se que a falta de pagamento da indemnização compensatória no termo da prestação efectiva de serviço dos militares contratados motivou mais de metade das queixas visando o Ministério da Defesa Nacional.

e) Assuntos judiciários, defesa nacional, segurança interna e trânsito e registos e notariado

Aumentou exponencialmente o número de processos recebidos na área de assuntos judiciários, defesa nacional, segurança interna e trânsito e registos e notariado. Esse incremento justifica-se pelo acréscimo do número de pedidos de atribuição e aquisição de nacionalidade feitos por cidadãos oriundos do antigo Estado Português da Índia. Assumiram também relevância quantitativa as queixas relacionadas com o regime de autoliquidação das taxas de justiça inicial. Desde 2004 que vinham chegando à Provedoria de Justiça reclamações por ser possível, mesmo nas causas que não importassem a constituição de mandatário, o pagamento com multa das referidas taxas, sem notificação prévia do interessado. De acordo com informação prestada pelo Ministério da Justiça, o futuro Regulamento das Custas Processuais irá alterar a situação.

f) Assuntos político-constitucionais, direitos, liberdades e garantias, assuntos penitenciários, estrangeiros e educação

O direito dos estrangeiros mantém a primazia na área responsável pelos assuntos político-constitucionais, direitos, liberdades e garantias, assuntos penitenciários, estrangeiros e educação. A apreciação de pedido de autorização de residência com dispensa de visto e o reagrupamento familiar são as situações que motivam a maior parte das queixas relacionadas com cidadãos estrangeiros. Seguem-se-lhe reclamações ligadas às áreas da saúde e educação, que suplantaram os assuntos penitenciários. Na saúde, assumiram importância as queixas respeitantes ao enquadramento nos subsistemas de saúde (devido às recentes alterações nos Serviços Sociais do Ministério da Justiça e nos sistemas privados das Forças Armadas e de Segurança), enquanto na educação dominam as reclamações sobre o acesso ao ensino superior e a sua frequência. Em termos de assuntos penitenciários, as temáticas que mais concitaram a preocupação dos reclamantes são a assistência sanitária, a afectação a certo estabelecimento prisional e a aplicação de mecanismos de flexibilização da pena. Registou-se ainda um aumento da heterogeneidade das queixas, que, inclassificáveis nos temas da área, são indexadas na categoria de “Diversos”.

g) Unidade de Projecto

Criada em Abril de 2004, a Unidade de Projecto (UP) é o sector da assessoria especialmente vocacionado para instruir os processos relativos aos direitos das crianças e jovens, dos cidadãos idosos, das pessoas com deficiência e aos direitos das mulheres, agregando também os serviços de atendimento telefónico do Provedor de Justiça (a Linha Verde Recados da Criança, que recebeu 986 chamadas e a Linha do Cidadão Idoso, com 3098 chamadas recebidas). Durante 2006, verificou-se um crescimento superior a 60% em termos do número de processos distribuídos à UP. Os assuntos da infância e juventude corresponderam a 45,7% do número total de processos novos, ao passo que os assuntos relacionados com idosos representaram 27,1% e a matéria da deficiência motivou 25,7% das reclamações.

g) Extensões dos Açores e da Madeira

A Extensão dos Açores da Provedoria de Justiça comemorou em 2006 o seu décimo aniversário e tem cumprido o objectivo inicialmente traçado de reforçar a cidadania dos açorianos, como comprovam os 1500 processos instruídos ao longo desta primeira década de existência. Relativamente ao ano passado, as interpelações dos funcionários públicos foram responsáveis por 25% das queixas entradas, seguidas pelas queixas relacionadas com urbanismo, ordenamento do território e ambiente, que representaram 20% das matérias analisadas pela Extensão. A exemplo dos anos anteriores, os departamentos regionais que tutelam as áreas da educação, segurança social e habitação e equipamentos foram os mais visados. Quanto às autarquias, as Câmaras Municipais de Angra do Heroísmo, Praia da Vitória, Ponta Delgada e Ribeira Grande concitaram mais queixas. Como já foi referido, no final de 2006 teve início, por iniciativa do Provedor de Justiça, uma inspecção às instituições de acolhimento de crianças e jovens dos Açores.

Cerca de 42% das queixas admitidas pela Extensão da Madeira tiveram como alvo as Câmaras Municipais e 30% visaram os órgãos jurisdicionais, principalmente devido a atrasos judiciais. Os assuntos objecto das queixas repartem-se, em percentagem igual (38%), por questões ambientais e urbanísticas e pela administração da justiça. Reflectindo a multidisciplinariedade desta Extensão, seguem-se as queixas relativas a direitos, liberdades e garantias (12%), à relação de emprego público (8%) e a assuntos financeiros e fiscalidade (4%).

Notas:1. O Relatório Anual de Actividades está disponível no sítio da Provedoria de Justiça, através da seguinte ligação: http://www.provedor-jus.pt/relatoriosan.php


2. Pode obter esta Nota à Imprensa em formato PDF (que inclui gráficos ilustrativos) através da seguinte ligação:http://www.provedor-jus.pt/restrito/pub_ficheiros/NotaImprensaRelatorioAnual2006.pdf

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