Provedor de Justiça salienta ser necessário alterar a forma de apuramento dos rendimentos dos trabalhadores independentes para efeito de atribuição de abono de família

O Provedor de Justiça chamou a atenção do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social para a necessidade de elaborar legislação que altere a forma como são apurados os rendimentos de trabalhadores independentes considerados para efeitos de atribuição do abono de família, no sentido de que sejam deduzidos os custos inerentes à sua actividade. A tomada de posição surge na sequência de reclamações de trabalhadores independentes que integram nos seus agregados familiares crianças e jovens e que vêem negado o acesso à referida prestação social.

Em ofício enviado ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Nascimento Rodrigues sublinha a duvidosa constitucionalidade da aplicação que é feita do Decreto-Lei n.º 176/2003, que institui o regime do abono de família para crianças e jovens. Está em causa a interpretação da expressão “rendimentos anuais ilíquidos”, que determinam o total de rendimentos do agregado familiar a considerar no cálculo do escalão de abono de família atribuível. Tal expressão, constante do artigo nono do referido Decreto-Lei, tem sido interpretada como correspondendo aos rendimentos brutos dos trabalhadores, sem qualquer tipo de desconto, dedução ou abatimento. Os reclamantes queixam-se da injustiça dessa interpretação, que os discrimina em relação a outras categorias de rendimentos resultantes de trabalho ou substitutivos do mesmo, tais como os rendimentos de trabalho dependente, de pensões ou de outras prestações sociais. Entendem não ser o valor total dos proveitos, no caso dos rendimentos empresariais e profissionais, o que está ao seu dispor para fazer face às suas necessidades e encargos.

Para efeitos de atribuição do abono de família para crianças e jovens, o Provedor de Justiça defende que “os rendimentos empresariais e profissionais, porque são considerados em termos brutos, não reflectem a mesma realidade que os rendimentos brutos das restantes categorias, uma vez que integram os custos da própria actividade em termos que não podem ser comparáveis”. No caso dos trabalhadores independentes, aos rendimentos brutos têm de ser subtraídas as despesas inerentes ao exercício da actividade profissional ou da exploração empresarial em causa, seja através da aplicação de coeficientes objectivos, seja através da dedução dos custos com a matéria-prima usada, com os bens instrumentais, salários, rendas, e outros. Só então é possível encontrar o lucro, cujo valor, esse sim, é tributável em sede fiscal. O reflexo dos rendimentos brutos nesta categoria não é, por conseguinte, o mesmo nos agregados familiares dos respectivos titulares, para os fins de satisfação dos seus encargos e necessidades, pelo que ao apuramento dos rendimentos empresariais e profissionais para efeitos de atribuição do abono de família para crianças e jovens tem forçosamente de ser conferido um tratamento diferente. De outra forma estão postos em causa os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.

Em resultado das diligências levadas a cabo pela Provedoria de Justiça, o Gabinete do Secretário de Estado da Segurança Social informou, através de um ofício datado de Maio de 2007, que o Governo tinha a intenção de “apresentar a proposta do Código das Contribuições à Assembleia da República” ainda no decurso do ano passado, o que não aconteceu. Até à publicação desse código, e dada a urgência de acautelar as situações das crianças e jovens inseridas em agregados familiares que auferem rendimentos empresariais e profissionais, Nascimento Rodrigues chama a atenção para a necessidade de adoptar uma medida legislativa, ainda que esta seja transitória e possa depois ser integrada no referido Código das Contribuições. Torna-se também pertinente ponderar a adopção de uma medida nos mesmos termos para a atribuição das restantes prestações sociais que tenham em consideração os “valores ilíquidos” dos rendimentos empresariais e profissionais, sob pena de violação do princípio da igualdade com discriminação dos respectivos titulares.

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