Provedor não requer a inconstitucionalidade de norma sobre suplementos remuneratórios na PSP

O Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, considera que não existem fundamentos para requerer a inconstitucionalidade do artigo 121º – nº 2, do Decreto-lei nº 299/2009, de 14 de Outubro, que procedeu à conversão do corpo especial de pessoal com funções policiais da PSP em carreira especial, introduzindo um novo quadro legal referente aos suplementos remuneratórios, extinguindo alguns e reformulando outros. Concretamente foram extintos o suplemento do Corpo de Intervenção e Grupo de Operações Especiais e o suplemento de risco agravado, ambos anteriormente previstos no Decreto-Lei n.º 248/87, de 19 de Junho.

O Provedor de Justiça considera que, tanto o novo regime de suplementos remuneratórios atribuídos ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, como o regime transitório que envolve suplementos remuneratórios anteriormente concedidos ao mesmo pessoal, representam uma concretização das orientações gerais que sobre a matéria estão estabelecidas na Lei n.º 12-A/2008.

No caso dos suplementos da PSP mencionados não se está perante direitos adquiridos, no sentido de que os mesmos deverão ser salvaguardados independentemente das eventuais vicissitudes fácticas e legislativas que ocorram posteriormente à atribuição dos benefícios dos mesmos decorrentes.

Esclarece o n.º 2 do art.º 121.º do Decreto-Lei n.º 299/2009 que o pessoal policial que, à data da entrada em vigor deste diploma, exercesse funções de apoio operacional, designadamente no Corpo de Intervenção e no Grupo de Operações Especiais, manteria, sem quaisquer alterações e enquanto permanecer no exercício dessas funções, o mencionado suplemento do Corpo de Intervenção e Grupo de Operações Especiais que vinha já recebendo.

Por outro lado, o mesmo Decreto-Lei n.º 299/2009 criou o denominado suplemento especial de serviço, fixado em €462,66 para as funções operacionais no Grupo de Operações Especiais da Unidade Especial de Polícia.

Decorre das disposições legais citadas que o pessoal que, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 299/2009, isto é, em 1 de Janeiro de 2010, prestava funções de apoio operacional no Grupo de Operações Especiais, e que posteriormente a esta data deixasse de exercer essas mesmas funções, cessava também, imediata e automaticamente, de receber o antigo suplemento previsto no revogado Decreto-Lei n.º 248/87. Por este motivo, foram apresentadas queixas ao Provedor de Justiça alegando-se a violação da protecção da confiança.

Invocava-se também nas exposições recebidas a violação do princípio da igualdade, consubstanciada na possibilidade de dois elementos, colocados nas mesmas funções de apoio operacional no Grupo de Operações Especiais, virem, por motivo da aplicação das referidas regras, contemporaneamente, a auferir remunerações globais distintas, bastando que um deles já exercesse essas funções em 1 de Janeiro de 2010 e o outro passasse a exercê-las apenas a partir desta mesma data.

Esta solução poderia implicar, até, que um elemento policial com maior antiguidade na carreira ou categoria, venha a auferir uma remuneração global inferior à de outro elemento policial com menor antiguidade, pese embora exercendo ambos, como se disse, as mesmas funções, ao mesmo tempo e no mesmo serviço.

A primeira conclusão transmitida pelo Provedor de Justiça aos reclamantes foi a de que, tanto o novo regime de suplementos remuneratórios atribuídos ao pessoal com funções policiais da PSP decorrente do Decreto-Lei n.º 299/2009, como o regime transitório também aí previsto no que toca aos suplementos remuneratórios anteriormente concedidos ao mesmo pessoal, representam uma concretização das orientações que sobre a matéria estão estabelecidas na Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (diploma que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas), para a atribuição de suplementos remuneratórios em geral aos trabalhadores que exercem funções públicas.

Na essência, procurou o legislador, no âmbito do novo regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 299/2009, premiar aqueles que exercem efectivamente actividades associadas a um risco maior, obviando à generalização ou banalização da atribuição de suplementos, que abrangiam anteriormente tanto os operacionais como os administrativos. Nesta medida, os novos suplementos estão associados ao exercício efectivo das mencionadas funções de maior risco (e não à integração em carreiras ou à titularidade de categorias), e apenas enquanto esse exercício se verificar.

Há que mencionar, ainda, que o legislador garantiu expressamente, no âmbito do Decreto-Lei n.º 299/2009, concretamente na norma do respectivo art.º 114.º, sob a epígrafe “salvaguarda de direitos”, que da aplicação do novo regime em geral decorrente daquela legislação não poderá resultar redução das remunerações auferidas, à data da entrada em vigor da mesma legislação, pelo pessoal policial. Em sentido inverso, deverá entender-se que uma eventual futura redução de remunerações terá de resultar inevitavelmente da ocorrência de modificações ao nível da realidade fáctica, desde logo, no que respeita em particular aos suplementos remuneratórios, relacionadas com o exercício futuro de funções distintas das anteriormente exercidas.

Assim sendo, a mudança de critérios na atribuição de suplementos remuneratórios, em geral aos trabalhadores que exercem funções públicas e em particular ao pessoal com funções policiais da PSP, resultaram de opções políticas do legislador.

Os suplementos em causa, embora constituindo uma das componentes da remuneração, são por natureza apenas justificados pelo facto de o trabalhador se encontrar em determinado momento no exercício das funções por motivo das quais se entende serem aqueles devidos. Não se encontra a figura do suplemento, por definição, associada à integração em determinada carreira ou à titularidade de certa categoria na Administração Pública, mas às funções que são em cada momento efectivamente exercidas pelos trabalhadores, embora naturalmente investidos em determinadas carreiras e titulares de certas categorias.

Quando muito, o pessoal que exercia determinadas funções por motivo das quais a lei anterior atribuía um suplemento remuneratório que viria a ser extinto pelo novo diploma, seria detentor de meras expectativas no sentido da manutenção dos referidos suplementos – e correspondentes montantes – enquanto se mantivesse nessas mesmas funções, o que veio a ser salvaguardado pelo legislador quanto ao pessoal que exercia, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 229/2009, funções de apoio operacional.

Assim sendo, a atribuição dos referidos suplementos poderá sofrer vicissitudes em virtude designadamente da concepção de novos critérios – no caso, aparentemente dotados de uma maior racionalidade e justiça – para a respectiva atribuição, como sucedeu na situação do Decreto-Lei n.º 229/2009.

A respeito da eventual violação do princípio da igualdade, como atrás referido, foi esclarecido que o pessoal colocado numa e noutra circunstância – o que, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 229/2009 estava já a exercer funções de apoio operacional e o que as veio a exercer apenas após aquela data – não estava, à data da entrada em vigor da legislação, em situação verdadeiramente idêntica, não ocorrendo assim o pressuposto necessário para se aferir de uma eventual violação deste princípio fundamental da Constituição.

É certo que após a vigência do Decreto-Lei n.º 229/2009 dois elementos da PSP em situação similar – desde logo exercendo, no mesmo serviço, as mesmas funções, concretamente de apoio operacional – poderão surgir enquadrados por regimes de suplementos remuneratórios distintos, desde logo se à data da entrada em vigor das soluções legais pertinentes integravam universos distintos de destinatários das normas: o universo dos que, em 1 de Janeiro de 2010, já exerciam as referidas funções, e o universo dos que só após aquela data vieram a exercê-las.

Em teoria, esta solução poderá implicar que um elemento policial com maior antiguidade na carreira ou categoria, venha a auferir uma remuneração global inferior à de outro elemento policial com menor antiguidade, bastando que aquele primeiro tenha passado a exercer as funções mencionadas apenas após 1 de Janeiro de 2010, não sendo, por motivo da reformulação dos suplementos remuneratórios operada pelo Decreto-Lei n.º 229/2009, abonado com o valor que o segundo continuará a receber enquanto se mantiver nas mesmas funções (neste caso, por aplicação do n.º 2 do art.º 121.º do Decreto-Lei n.º 229/2009).

No entanto, não poderá argumentar-se que ocorre, mesmo nesta hipótese teórica, violação da igualdade. Com a entrada em vigor das soluções legais do Decreto-Lei n.º 229/2009 o que ocorre é uma alteração de regime jurídico que, por um lado, extingue determinado suplemento remuneratório – por motivo da tomada de uma decisão política do legislador nesse sentido – e, por outro, salvaguarda as expectativas daqueles que, estando à data da entrada em vigor da nova lei a exercer as funções por motivo das quais era atribuído o suplemento remuneratório extinto, continuarão a receber esse mesmo suplemento se e enquanto se mantiverem nas mencionadas funções, até ao limite da respectiva vida activa.

Sendo certo que poderá teoricamente haver, já neste momento, elementos da PSP com as mesmas funções dentro do mesmo serviço sujeitos a regras distintas associadas aos suplementos remuneratórios, a verdade é que tal facto decorre da sucessão de regimes jurídicos, que comporta por um lado a possibilidade de alteração da lei e, por outro, a não afectação de situações passadas, em homenagem ao princípio da confiança. Decorrendo essa diferenciação da mera diacronia legislativa, ela não se mostra, por si, violadora do princípio da igualdade plasmado no art.º 13.º da Constituição.

-0001-11-30