Comunicado sobre inspecção aos lares de crianças e jovens/casas de acolhimento temporário na Madeira
Em 25 de Janeiro de 2010, o Provedor de Justiça – Alfredo José de Sousa –, determinou a realização de uma inspecção aos lares de crianças e jovens e centros de acolhimento temporário existentes na Região Autónoma da Madeira. Essa acção inspectiva, teve como principal objectivo aferir as condições de acolhimento oferecidas pelos estabelecimentos que, na Região Autónoma da Madeira, asseguram institucionalização colectiva com carácter permanente ou temporário de crianças e jovens.
Num primeiro balanço, o Provedor salienta o “papel preponderante que tem vindo a ser desempenhado pelas diversas instituições de acolhimento da Região Autónoma da Madeira, em particular, pelos seus responsáveis, elementos técnicos e restantes funcionários». Apesar disso, considera “insuficiente o acompanhamento pelas entidades que determinam a aplicação de medida de acolhimento institucional, do quotidiano nas instituições de acolhimento, relevando-se imperiosa a necessidade de organização de visitas regulares às diversas valências, compreendendo sempre que possível, a audição dos menores acolhidos”.
Foram inspeccionados nove Lares de Acolhimento Prolongado, três Centros de Acolhimento Temporário, uma Residência de Autonomização e o caso específico do Centro de Reabilitação Psicopedagógica da Sagrada Família. Em todos estes locais, procurou-se verificar as condições físicas proporcionadas pelas instalações, designadamente, através da realização de visitas de inspecção.
I
OBJECTIVOS
1. Presidiram, assim, a este processo os seguintes objectivos:
i) caracterização do perfil da população acolhida ;
ii) aferição do cumprimento dos direitos das crianças e jovens institucionalizados;
iii) análise do estado das instalações dos lares e centros de acolhimento, respectiva organização administrativa e prossecução aos fins legais prosseguidos;
iv) apreciação das instalações e recursos humanos reunidos pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) a figurar nos diversos concelhos da Região Autónoma da Madeira.
II
METODOLOGIA
A inspecção desenrolou-se por cinco fases distintas.
A primeira fase consistiu no envio de questionário aos Directores de cada instituição, procurando recolher dados gerais sobre a residência e o modelo de organização do lar. O questionário geral integrava ainda uma ficha individualizada, tendo em vista a identificação das crianças e jovens institucionalizados.
A segunda fase da acção inspectiva teve início com as visitas de inspecção, uma vez recebidos os dados solicitados por escrito. Naquela, apreciaram-se, em especial, os elementos qualitativos do acolhimento, sendo em conformidade, elaborado um “Guião”, cujo teor consta da documentação anexa ao presente relatório.
Na terceira fase foram desenvolvidos contactos com os diversos responsáveis pelas comissões de protecção de crianças e jovens na Região Autónoma da Madeira, solicitando-se, por fim, a colaboração do Tribunal de Família e Menores da Comarca do Funchal, bem como dos serviços do Ministério Público ali existentes, e ainda dos Senhores Magistrados em funções nas comarcas de Santa Cruz, Ponta do Sol, Porto Santo e São Vicente.
Na quarta fase realizou-se audição do Centro de Segurança Social da Madeira, em representação da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais.
Por último, após o tratamento de toda a informação recolhida, concluiu-se o processo com a elaboração e divulgação do presente relatório.
III
PRINCIPAIS CONCLUSÕES
1. A protecção das crianças e promoção dos seus direitos, tem sido objecto, na RAM, de diversos planos e iniciativas, salientando-se, de forma muito positiva, a implementação da Estratégia Regional para a Infância e Adolescência (ERIA), apresentada no ano de 2009, e contendo linhas estratégicas comuns para a intervenção neste domínio, incluindo a realidade do acolhimento.
2. Salienta-se ainda o papel fundamental que tem vindo a ser desempenhado pelas diversas instituições de acolhimento da RAM, em particular, pelos seus responsáveis, elementos técnicos e restantes funcionários.
3. A análise da documentação facultada pelos directores das diversas instituições que perfaziam o objecto da presente acção inspectiva permitiu concluir que, em 31 de Dezembro de 2009, se encontravam acolhidas 400 crianças e jovens na Região Autónoma da Madeira.
4. Sobressaiu, de forma notória, a percentualidade de residentes naturais do concelho do Funchal (49%, correspondente a 196 menores, para um total de 400).
5. Quanto ao género, registava-se a predominância feminina, correspondente a 56% dos acolhidos, enquanto que 44% dos residentes eram rapazes. No universo global de 400 menores, 222 crianças e jovens tinham irmãos institucionalizados.
6. Uma percentagem equivalente a 77% dos acolhidos apresentava índices de permanência superiores a 1 ano, sendo que em apenas 23% das situações as crianças e jovens tinham entrado no início de 2009.
7. Ressaltou, em termos de necessidade de intervenção, a predominância de comportamentos negligentes em qualquer das faixas etárias analisadas, por parte dos progenitores, representantes legais do menor ou detentores da guarda de facto.
8. As infra-estruturas inspeccionadas mostravam-se em bom estado de conservação interior e exterior, com excepção do caso particular identificado no Centro de Acolhimento Temporário de S. Tiago.
9. Verificou-se a existência de uma situação precária no âmbito do quadro de pessoal disponibilizado para a Fundação Aldeia do Padre Américo, urgindo a respectiva ponderação e reestruturação das finalidades prosseguidas pela instituição.
10. Foi, igualmente, possível concluir pela existência de procedimentos correctos de encaminhamentos dos menores, do seu meio natural de vida para o universo de acolhimento. Com efeito, a articulação aferida entre os diversos parceiros envolvidos denotava já um grau de uniformização de procedimentos e eficiência assinaláveis.
11. Nota ainda para os processos individuais das crianças e jovens, os quais se apresentavam, de um modo geral, bem preenchidos e estruturados. Apurou-se, por outro lado, a actual implementação de projecto de uniformização e reestruturação dos processos individuais das crianças e jovens, executado ao abrigo da Estratégia Regional para a Infância e Adolescência.
12. As instituições de acolhimento da Região Autónoma da Madeira afirmaram conhecer o projecto de vida relativamente a 77% do universo total de crianças e jovens ali inseridos, sendo que em 23% das situações se reportou o desconhecimento da existência de uma estratégia de intervenção definida.
13. Constatou-se, no entanto, que a definição do plano de intervenção individualizado para os menores nem sempre era realizada com participação dos organismos decisores, traduzindo a existência de uma diferenciação qualitativa entre o momento da entrada na instituição e a situação de permanência.
14. Subsistiu ainda a convicção de que os menores acolhidos nas diversas instituições se mostravam algo desconhecedores dos respectivos direitos de participação quanto às decisões que lhes diziam respeito. Apenas se contabilizaram 9 situações, no decurso de 2009, em que os menores solicitaram o contacto com o Ministério Público, Tribunal, Advogado, Comissão de Protecção de Menores ou técnicos de Segurança Social.
15. Considerou-se, assim, insuficiente o acompanhamento que tem vindo a ser desencadeado ao quotidiano das instituições de acolhimento de crianças e jovens da RAM, maxime, pelas entidades que determinam a aplicação de medida de acolhimento institucional -CPCJ e tribunais -, relevando-se imperiosa a necessidade de organização de visitas regulares às diversas valências, compreendendo sempre que possível, a audição dos menores acolhidos.
16. Em matéria de educação, foi possível concluir que 89% dos acolhidos frequentava a escola, em função da respectiva faixa etária e do grau de ensino reportado. Reportou-se, de forma bastante positiva, a evolução académica proporcional ao desenvolvimento físico e psicológico das crianças e jovens acolhidos.
17. Na área da saúde, a articulação dos diversos profissionais de saúde envolvidos com as instituições de acolhimento processava-se de forma globalmente eficaz, sendo constatados mecanismos expeditos de colaboração com os centros de saúde da área residencial pertencente à instituição, bem como com os serviços hospitalares.
18. Contudo, em cerca de 29% dos casos não se encontrava atribuído médico de família às crianças e jovens acolhidos.
19. Por outro lado, os Lares e C.A.T. existentes não pareciam também preparados para receber crianças e jovens com dificuldades acrescidas, nomeadamente deficiências ou problemas de saúde graves, os quais perfaziam uma percentualidade equivalente a 27%. A admissão de crianças com problemas específicos requer a criação de condições adequadas, de que a maioria das estruturas considerava não dispor, pelo que a não existência de uma resposta apropriada, era susceptível de colocar em causa o cumprimento dos direitos de protecção destes grupos.
20. No âmbito do acompanhamento efectivo da execução da medida aplicada (v.g. acolhimento institucional), afigurou-se como muito relevante papel assumido pela Equipa Multidisciplinar de Assessoria ao Tribunal (EMAT) de Família e Menores do Funchal, resultando indispensável a colaboração e troca de informação com as equipas técnicas pertencentes às diversas casas.
21. Apesar de ainda ser aferido algum desconhecimento quanto à natureza das atribuições legalmente acometidas às EMAT, sobretudo por parte dos elementos integrantes das comissões de protecção de crianças e jovens, resulta aconselhável o alargamento da respectiva rede de intervenção a todas as restantes comarcas judiciais da Região Autónoma da Madeira.
22. Não obstante o reconhecimento da existência de Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em todos os concelhos da região, o estatuto formal das CPCJ consagrado pelo legislador mostrava-se insuficientemente implementado na prática. Para este facto concorriam o défice de sensibilização e formação dos agentes envolvidos, bem como a ausência articulação entre todos os organismos decisores.
23. Globalmente, consideraram-se adequadas as condições materiais existentes nas diferentes comissões de protecção visitadas; os espaços funcionavam, invariavelmente, em instalações proporcionadas pelos municípios, de utilização autónoma.
24. Ao nível dos recursos humanos apenas em 5 CPCJ se reportou a colaboração de elementos em regime de exclusividade, a saber, Ponta do Sol, Santa Cruz, Câmara de Lobos, São Vicente e Funchal.
25. A organização processual desenvolvida pelas comissões de protecção de crianças e jovens da RAM obedecia, em regra, a princípios bem definidos, embora nem sempre devidamente uniformizados, designadamente, quanto: i) ao procedimento e forma preferencial de contacto com os detentores do poder paternal para obtenção do respectivo consentimento; ii) aos critérios de realização de visitas domiciliárias; iii) à metodologia instrutória conduzida no âmbito de cada processo; iv) à estruturação formal dos processos.
26. Muito embora o legislador português consagre a previsão de um regime de comunicações entre os vários agentes envolvidos e o Ministério Público (artigos 68.º e 69.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), possibilitando a este último a apreciação da legalidade e adequação das medidas adoptadas pelas comissões de protecção, mostrou-se insuficiente a articulação registada entre as CPCJ da R.A.M. e os serviços das diversas comarcas. Constatou-se a exiguidade de visitas às instalações, bem como de participação dos magistrados nas reuniões organizadas pelas comissões.
27. De resto, foi constatada a boa articulação existente entre os diversos parceiros sociais com competência em matéria de infância e juventude, destacando-se o papel assumido pelos Serviços de Segurança Social, ou, ainda, pelos Estabelecimentos de Saúde, no âmbito da sinalização de situações de perigo.
IV
SUGESTÕES FINAIS
Face ao exposto, exercendo o poder que lhe é conferido pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, o Provedor de Justiça considera ser desejável o aperfeiçoamento da regulamentação normativa e de procedimentos administrativos nos termos seguintes:
A) – a ponderação, pelo Ministro da Justiça, do alargamento e reforço de competências específicas actualmente atribuídas ao Tribunal de Família e Menores do Funchal em matéria de promoção e protecção dos direitos de crianças e jovens, para todo o círculo judicial do Funchal, centralizando e reforçando, assim, a capacidade de intervenção dos órgãos jurisdicionais ali sediados;
B) – a emanação, pelo Conselho Superior do Ministério Público, de directiva tendente à elaboração de um plano de visitas de averiguação por parte dos respectivos magistrados do M.P. na Região Autónoma da Madeira a todas as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens, bem como às instituições de acolhimento (C.A.T. e L.I.J.) da respectiva comarca;
C) – a orientação dos diversos magistrados, pelo Conselho Superior do Ministério Público, tendo em vista a participação e intervenção regular dos mesmos nas reuniões organizadas pelas comissões de protecção da comarca respectiva, maxime, em regime de comissão restrita;
D) – o aperfeiçoamento da articulação existente entre as diversas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens da RAM e os Serviços do Ministério Público integrantes do círculo judicial do Funchal, onde se englobam as comarcas do Funchal, Ponta do Sol, Santa Cruz, Porto Santo e São Vicente;
E) – a ponderação, pelo Ministro da Justiça, da reformulação da norma ínsita no n.º 1 e 2 do artigo 62º-A da LPCJP, possibilitando a reapreciação da medida nela contida decorridos 3 anos sem que a criança tenha sido adoptada;
F) – a elaboração, pela Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, de uma “Carta” no âmbito da protecção infantil, susceptível de contemplar o levantamento das necessidades de protecção a nível regional e das tipologias de populações-alvo, em plano complementar aos objectivos prosseguidos pela Estratégia Regional para a Infância e Juventude (ERIA), visando ainda a racionalização e adequação das respostas a implementar no futuro;
G) – a implementação, pela Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, de acções formativas às equipas técnicas em matéria de assistência na saúde, multideficiência, reabilitação e acompanhamento psicológico, tendo em vista a dotação e capacitação das doze instituições para a realidade do acolhimento de crianças com dificuldades acrescidas, nomeadamente deficiências ou problemas de saúde graves;
H) – a designação, por parte da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, de médico de família às crianças e jovens institucionalizados, independentemente das eventuais carências de atendimento registadas nos respectivos estabelecimentos de saúde;
I) – a atribuição, por parte da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, da possibilidade de decisão final sobre a instituição onde a criança será acolhida, aos órgãos decisores da aplicação de medida de promoção, em articulação com o Senhor Procurador Coordenador do Ministério Público na Região Autónoma da Madeira, sempre que sejam suscitadas dúvidas quanto à justeza e proporcionalidade do enquadramento institucional sugerido e tendo como objectivo o interesse da criança.
Documentos Anexos: