Assuntos financeiros. Banca. Cheque apresentado a pagamento fora do prazo. Devolução. Pagamento indevido. Débito sem aviso prévio (002/A/2012)

Data: 2012-01-06
Entidade: Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos

Proc. R–2440/11 (A2) 

Assunto: Assuntos financeiros. Banca. Cheque apresentado a pagamento fora do prazo. Devolução. Pagamento indevido. Débito sem aviso prévio

Sumário: A queixa apresentada ao Provedor de Justiça por uma sociedade comercial versava sobre o procedimento adoptado pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) na sequência do depósito de um cheque numa das suas agências. Em síntese, contestou-se o facto de a CGD ter procedido à libertação dos fundos desse cheque, tornando-os disponíveis na conta de que a reclamante era titular, após o mesmo ter sido devolvido quando submetido ao sistema de compensação, pelo facto de Banco sacado ter recusado o respectivo pagamento com o motivo «fora de prazo». Nunca a CGD avisou por qualquer forma a reclamante de que o cheque em causa havia sido devolvido através do sistema de compensação bancária e, também sem qualquer aviso prévio, uma semana depois de ter sido pago o cheque, lançou um débito sobre a conta titulada pela reclamante para resgatar os fundos do mesmo. Posteriormente a esse resgate, a CGD considerou a conta da reclamante em situação de descoberto e fez constar essa informação na Central de Responsabilidades de Crédito. Os Serviços da Provedoria de Justiça promoveram diversas diligências instrutórias junto do Gabinete de Apoio ao Cliente da CGD, através das quais se procurou sensibilizar essa instituição para a gravidade do comportamento adoptado no pagamento do referido cheque e para a respectiva repercussão na esfera patrimonial e na reputação comercial da empresa lesada. Contudo, para além de se limitar a afirmar que «(…) estava em causa o pagamento de um cheque quando o mesmo não era legítimo (…)» e de confirmar a «(…) existência de uma falha operacional no tratamento da compensação interbancária de 2011/05/02 por parte da Agência Machado dos Santos – Parede (…), o Gabinete de Apoio ao Cliente da CGD acabou por concluir que “(..) a alegada responsabilidade civil da Instituição é questão passível de ser apreciada em sede judicial (…)”». 

Discordando desse entendimento, e considerando que:

a) Ao abrigo do segundo parágrafo do artigo 32.º da LUCH, a empresa reclamante detinha a legítima expectativa de poder vir a obter o pagamento do cheque, uma vez que o facto de já ter expirado o respectivo prazo para apresentação não seria impeditivo desse pagamento;

b) A partir do momento em que os fundos passaram a constar na conta como saldo disponível, a empresa reclamante presumiu, legitimamente, que o respectivo pagamento havia sido autorizado pelo BANIF quando foi à compensação, adquirindo assim o direito de fazer seus os valores depositados e usá-los como e quando entendesse;

c) Por esse motivo, quando, em 10.05.2011, e sem qualquer aviso prévio, a CGD lança um débito naquela conta para resgatar os fundos do cheque, incorreu em abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do CC, porque o fez num momento e de uma forma que excedeu, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, mais concretamente, pela tutela da confiança;

d) Os fundos do cheque foram usados para arcar com os encargos da normal actividade da empresa, designadamente para pagar a trabalhadores e a fornecedores e para saldar dívidas à Segurança Social e ao Fisco;

e) É manifesta a gravidade de cheques emitidos sem provisão, ou de transferências bancárias recusadas pelo sistema pelo mesmo motivo e de todas as demais situações decorrentes de uma conta que cai em situação de descoberto;

f) De igual modo se julgam evidentes as repercussões negativas na reputação comercial de uma empresa que, na perspectiva dos seus trabalhadores e fornecedores, não honra os seus compromissos;

g) Mais grave ainda será a inclusão da empresa reclamante na Central de Responsabilidades de Crédito, para efeitos de divulgação, através desse sistema gerido pelo Banco de Portugal, da situação de incumprimento em que, de forma absolutamente involuntária, acabou por cair.

h) São assim óbvios os danos decorrentes para a empresa reclamante dos dois actos praticados indevidamente pela CGD – disponibilização dos fundos de um cheque devolvido e lançamento de débito em conta do respectivo valor só efectuado uma semana depois e sem aviso prévio – quer ao nível patrimonial, quer ao nível da sua reputação e da gestão da sua actividade comercial (danos morais). Recomendou o Provedor de Justiça:

A) Que a CGD assuma a responsabilidade civil decorrente da indevida disponibilização dos fundos do cheque e do débito em conta que se seguiu sem qualquer aviso prévio;

B) Que a CGD diligencie junto do Banco de Portugal pela reconstituição do registo que deveria estar disponível na Central de Responsabilidades de Crédito em nome da empresa reclamante caso o incidente relacionado com a devolução do cheque não tivesse ocorrido.    

Fontes:

– Artigos 29.º, §1.º e 32.º, §2.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque;

– Artigos 334.º, 762.º, n.º 2 e 799.º do Código Civil;

– Artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 18/2007, de 22.01; 

– Ponto 20 da Instrução n.º 3/2009, de 16.02, do Banco de Portugal.  

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Sequência: Acatada