Provedor de Justiça recomenda que Ministro de Estado e das Finanças dê orientações para que a CGA retome a atribuição de subsídio vitalício e para que seja alterado o regime de pensão unificada

A) Subsídio Vitalício 


Têm vindo a ser recebidas na Provedoria de Justiça reclamações que se prendem com o facto de a Caixa Geral de Aposentações (CGA) estar a recusar a atribuição do subsídio vitalício, previsto no Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, alegando a impossibilidade legal de inscrição de novos subscritores. Esta prestação é atribuível a todos aqueles que, ao atingirem 70 anos de idade, tenham prestado pelo menos cinco anos de serviço seguidos ou interpolados para a Administração Central, Local e Regional, ou para outras pessoas colectivas de direito público, independentemente de terem sido ou não subscritores da (CGA), desde que não tenham contribuído, naquela qualidade, para outra instituição de previdência. Na Recomendação que dirigiu ao Ministro de Estado e das Finanças, Nascimento Rodrigues defende que seja emitida uma orientação interpretativa a ser seguida pela CGA no sentido de retomar a atribuição do subsídio vitalício

O subsídio em causa foi criado inicialmente pelo Decreto-Lei n.º 45/76, de 20 de Janeiro, com o intuito de acautelar o problema “da desprotecção dos trabalhadores mais idosos ao serviço do Estado e demais entidades públicas, aos quais, devido aos condicionalismos da legislação em vigor, não foi garantido o direito de se inscreverem em qualquer instituição de previdência ou, por qualquer outro motivo, não foi concedida qualquer pensão de reforma ou aposentação”. Mais tarde, este diploma veio a ser revogado e reformulado pelo Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, em termos mais adequados às situações que se pretendiam tutelar, tendo o legislador clarificado a sua intenção de proteger as pessoas por ele abrangidas, não em termos transitórios, dando meramente resposta a eventuais carências económicas, mas, antes, como reconhecimento efectivo dos períodos de tempo em que as mesmas prestaram serviço ao Estado.

A atribuição do subsídio vitalício pressupõe, como não pode deixar de ser, a inscrição prévia dos respectivos beneficiários na CGA como subscritores da mesma. Verifica-se, porém, que, na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, a CGA tem comunicado a todos os requerentes deste subsídio que foram canceladas todas as novas inscrições, uma vez que foi revogado “o artigo 1º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, e todas as normas especiais que confiram direito de inscrição na CGA” e, nessa medida, tem estado a recusar a concessão do subsídio vitalício, dada a impossibilidade legal de admissão de novos subscritores.

Ora, a confirmar-se o entendimento que tem sido transmitido verbalmente e por escrito aos reclamantes, estar-se-ia a proceder a uma revogação implícita do Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, pela Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro. Acontece que essa revogação não foi o objectivo deste último diploma, que pretendeu apenas que passassem a ser inscritos no regime geral de Segurança Social todos os novos trabalhadores da Administração Pública, garantindo-lhes, contudo, uma protecção social adequada e justa. Conclui-se que o objectivo da lei não foi, de forma alguma, o de limitar o acesso a prestações sociais, nem tão pouco o de extinguí-las.

Não é defensável que a Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro revogue tacitamente do Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, que veio consagrar o direito a um subsídio vitalício para os funcionários e agentes do Estado não subscritores da CGA, desde que preencham os demais requisitos nele estabelecidos. Trata-se de um grupo fechado de beneficiários que prestaram, pelo menos, cinco anos de serviço ao Estado, mas a quem nunca foi reconhecido o direito de inscrição na CGA, por não preencherem os requisitos exigidos para tanto pela legislação em vigor à data em que foram prestadas essas funções. Portanto, a pretendida inscrição destes funcionários na CGA constitui um acto meramente burocrático de registo com vista à concretização de um direito legalmente consagrado. Face a esta situação, o Provedor de Justiça considera que o Ministro de Estado e das Finanças deveria emitir uma orientação interpretativa a ser seguida pela CGA, enquanto serviço da administração indirecta do Estado sob a superintendência do Governo, no sentido de que não houve revogação tácita do regime do subsídio vitalício, constante do Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio.

O critério actualmente defendido pela CGA leva a que todos os potenciais beneficiários do subsídio vitalício fiquem impossibilitados, quando atingirem 70 anos de idade, de aceder a uma prestação social, com a natureza de pensão de aposentação, que havia sido legalmente reconhecida como contrapartida do tempo de serviço que os mesmos prestaram ao Estado. Ora, a Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, ao determinar, no seu artigo 2º, que a CGA deixa, a partir de 1 de Janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores, estabeleceu também, paralelamente, que o pessoal que inicie funções a partir dessa data e a que fosse aplicável o regime de protecção social da função pública, em matéria de aposentação, seja obrigatoriamente inscrito no regime geral da Segurança Social. Neste contexto, apenas se poderia admitir que o legislador tivesse o propósito de revogar tacitamente o regime do subsídio vitalício, como defende a CGA, se o mesmo tivesse introduzido, paralelamente, mecanismos que permitissem ver considerado e contado o tempo de serviço prestado ao Estado que aquele regime veio efectivamente reconhecer, no âmbito do regime geral de Segurança Social, o que não sucedeu.

A ser de outra forma, o artigo 9º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, interpretado no sentido preconizado pela CGA, estaria ferido de inconstitucionalidade, por violação do n.º 4, do artigo 63º da Constituição, que determina que “todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”. O legislador constitucional quis assim acautelar que todo o tempo de trabalho fosse contado para efeitos de protecção na invalidez ou velhice, não impondo quaisquer obrigações ao legislador ordinário, quanto à forma como os tempos de trabalho enquadráveis nos vários regimes de protecção social existentes deveriam ter expressão ao nível do acesso às pensões. Este normativo pretendeu salvaguardar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho, onde quer que o mesmo tenha sido prestado. Ora, a ser aceite o entendimento perfilhado pela CGA, estaríamos perante uma situação, de todo inadmissível, em que o tempo de serviço prestado ao Estado pelos potenciais beneficiários do subsídio vitalício não iria ser considerado para quaisquer efeitos, nomeadamente no que diz respeito ao nível da protecção na velhice. 


B) Pensão Unificada 


Nascimento Rodrigues chamou também a atenção ao Ministro de Estado e das Finanças para o facto de, em Abril de 2003, a CGA ter alterado o seu entendimento no que concerne à possibilidade de os ex-funcionários ultramarinos, que conseguiram refazer as suas vidas profissionais e construir uma carreira contributiva no âmbito do regime geral de Segurança Social, poderem aceder a uma pensão unificada, com reconhecimento dos períodos de tempo em que prestaram serviço ao Estado Português nas ex-províncias ultramarinas. Actualmente, este tempo conta para a aposentação ou para a pensão unificada apenas nos casos em que o ex-funcionário ultramarino veio entretanto a adquirir a qualidade de subscritor da CGA. Do ponto de vista da estrita legalidade, nada há a apontar a este novo entendimento da CGA, consagrado no Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Setembro. Não tendo os ex-funcionários ultramarinos, que prosseguiram as suas vidas no âmbito do regime privado, adquirido a qualidade de subscritores da CGA, não estão enquadrados no regime de protecção social da função pública e, nessa medida, o tempo de serviço prestado no Ultramar não lhes pode ser considerado no âmbito do regime da pensão unificada.

O certo é que a posição que durante muitos anos foi adoptada pela CGA, apesar de poder não encontrar total cobertura na lei, era razoável e justa. Restava, assim, a estas pessoas a possibilidade de beneficiarem do tempo de serviço prestado na ex-administração ultramarina no âmbito da eventual atribuição às mesmas de um subsídio vitalício, possibilidade esta que vêm agora também gorada. Verifica-se deste modo que, para os não subscritores da CGA, foram vedadas as únicas vias possíveis para poderem beneficiar do tempo de serviço que prestaram ao Estado Português: ou no âmbito da pensão unificada ou através da atribuição do subsídio vitalício.

A Recomendação pugna pela adopção de uma medida legislativa adequada e justa, eventualmente por via da alteração do regime da pensão unificada, constante do Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Setembro, que venha suprir a lacuna legal relativa ao reconhecimento efectivo, pela CGA, do tempo de serviço prestado pelos ex-funcionários do Estado Português nos antigos territórios ultramarinos que, apesar de nunca terem adquirido a qualidade de subscritores da CGA, refizeram a sua vida profissional em Portugal no âmbito do regime geral de Segurança Social.

Tendo em atenção o princípio da igualdade e o princípio da convergência dos regimes de protecção social da função pública com os regimes do sistema de Segurança Social, previsto na Lei de Bases da Segurança Social, o Provedor de Justiça considera que “o reconhecimento dos períodos contributivos dos ex-funcionários ultramarinos que prestaram serviço ao Estado Português e que efectuaram descontos para compensação de aposentação, para efeitos de protecção na velhice, parece ser um imperativo de equidade e de conformidade constitucional”.  

Nota: O texto integral da Recomendação está disponível no sítio da Provedoria de Justiça, através da seguinte ligação:http://www.provedor-jus.pt/restrito/rec_ficheiros/Rec4B07.pdf 

-0001-11-30