Relatório 2024: Problemas da atuação do Estado face a contextos de pobreza, num ano em que o tema Deficiência e Inclusão foi prioridade estratégica

O Relatório de 2024 do Provedor de Justiça, hoje entregue à Assembleia da República, segue a estrutura que vem sendo adotada nos últimos anos, com partes distintas dedicadas à apresentação de problemas transversais, a uma seleção dos temas analisados no ano, e à informação sobre a atividade do Provedor enquanto Instituição Nacional de Direitos Humanos.

Este ano, enquanto realidade grave e persistente, por um lado, e também enquanto manifestação de fragilidades estruturais na resposta e ação do Estado, é a pobreza o tema transversal apresentado.

A experiência de instrução de queixas pelo Provedor face à pobreza evidencia que combatê-la implica também um Estado que funcione de forma próxima, célere, articulada, transparente e acessível. É precisamente nesta dimensão operacional que residem muitas falhas reportadas, e que expõem como a ineficácia administrativa pode comprometer, na prática, o acesso efetivo aos direitos sociais e, nalguns casos, agravar situações de carência e exclusão.

Entre os domínios analisados no capítulo dedicado à pobreza, destacam-se problemas no acesso e atribuição de prestações especificamente criadas para lhe fazer face – por exemplo, o Rendimento Social de Inserção (RSI) e a Prestação Social para a Inclusão (PSI) –, mas também falhas a nível dos bens e serviços essenciais, como o abastecimento de água e o saneamento, que apresenta insuficiências de cobertura em várias regiões do país.

A habitação é outro setor crítico, com soluções de habitação social inadequadas e demoradas, e obstáculos consideráveis no acesso a programas de apoio, especialmente por parte de famílias em situação de carência.

Também entre os idosos a pobreza é muitas vezes agravada por falhas na implementação de medidas especificamente concebidas para a combater. O relatório destaca casos de inoperacionalidade de apoios sociais devido a entraves administrativos e falta de articulação entre serviços públicos, nomeadamente no acesso ao regime dos benefícios adicionais de saúde, destinados a beneficiários do Complemento Solidário para Idosos (CSI).

O capítulo “Análise por temas” reflete a diversidade e complexidade das preocupações apresentadas pelos cidadãos ao longo de 2024, abarcando áreas fundamentais da vida em sociedade. Desde o ambiente e ordenamento do território, com questões como a gestão de resíduos, higiene urbana, até à cidadania, onde se analisaram casos de limitações no exercício de direitos políticos e na participação cívica, em particular ao nível local.

Outros temas centrais incluem a justiça e a segurança interna, o sistema prisional, a proteção de dados, a segurança social, bem como a integração e os direitos dos cidadãos estrangeiros em Portugal, numa altura em que se completou um ano de exercício de funções (outubro de 2024) da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Questões laborais e o funcionamento da Administração Pública, nomeadamente no recrutamento e avaliação de desempenho, completam este retrato multifacetado.

A finalizar este segmento de análise por temas, surge “Deficiência & Inclusão”, em que se revisitam estudos promovidos ao longo do ano; o sistema de certificação de incapacidades, a atribuição de produtos como cadeiras de rodas e próteses são alguns dos exemplos. O tema foi estabelecido como prioridade estratégica para 2024, refletindo o compromisso do Provedor de Justiça de garantir a efetiva proteção dos direitos das pessoas com deficiência.

Perspetivando o conjunto do ano, a Provedoria de Justiça recebeu queixas de um total de 11.790 pessoas. Foram instruídos 2.582 procedimentos de queixa, tendo sido possível, nos restantes casos, uma resposta mais imediata, sem necessidade de instrução. Estes números refletem a persistência de temas já abordados, e também a repetição de queixas semelhantes por diferentes cidadãos, especialmente no que respeita à entrada e permanência de cidadãos estrangeiros.

A possibilidade de tratamento conjunto de queixas semelhantes é um dos reflexos da reforma institucional iniciada em 2021, que procurou equilibrar o tratamento de queixas individuais com uma intervenção mais sistémica e transversal, orientada para o aperfeiçoamento da ação administrativa.

Este modelo permitiu reduzir o tempo de resposta aos cidadãos, com mais de metade das solicitações a ser respondida no prazo de duas semanas, e potenciou a elaboração de relatórios temáticos sobre problemas recorrentes identificados: Relatório sobre o Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio (SAPA); Atestado Médico de Incapacidade Multiuso – Balanço e Recomendações; Relatório sobre o Atendimento nos Serviços Públicos

Temas das queixas instruídas em 2024

Relativamente à atividade do Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP), departamento da Provedoria de Justiça dedicado à prevenção de tratamentos abusivos sobre pessoas privadas da liberdade, e que, como habitualmente, é objeto de Relatório próprio, o ano de 2024 ficou marcado por uma intensificação da monitorização dos locais de detenção das forças de segurança, que foram objeto de mais de metade das 50 visitas não anunciadas.

Manteve-se, por um lado, a realização regular de visitas às instalações do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP (COMETLIS), que funciona como zona centralizada de detenções. Por outro lado, foi concluída a monitorização do dispositivo territorial da GNR, tendo os resultados das visitas efetuadas em 2023 e 2024 sido divulgados em sede de relatório temático publicado já em 2025.

No âmbito dos estabelecimentos prisionais, o MNP manteve como prioridade a visita a prisões com elevada complexidade de gestão e com uma lotação superior a 300 reclusos, onde se identificam mais fatores de risco para maus-tratos. Prosseguiu-se também o aprofundamento da análise de procedimentos de segurança e administrativos, cuja melhoria, ao contrário das condições materiais ou da falta de recursos, nem sempre está dependente de investimento público, mas de alteração de práticas. De forma particularmente preocupante, os EP de Lisboa, Monsanto e Porto continuaram a destacar-se pela persistência de riscos elevados para a integridade dos reclusos.

O ano de 2024 ficou ainda marcado pelo primeiro ciclo completo de funcionamento do novo modelo institucional de controlo de fronteiras pela PSP, após a extinção do SEF-Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tendo sido feitas oito visitas ao centro de instalação temporária (CIT) e a espaços equiparados (EECIT), o dobro das realizadas em 2023. O MNP salienta a inexistência de um registo sistematizado do período em que os cidadãos estrangeiros aguardam na área internacional do aeroporto a definição da sua situação. Permanece também por criar um procedimento sistemático de identificação de situações de especial vulnerabilidade.

A atividade do Provedor de Justiça em alguns números. Foram realizadas 101 reuniões com entidades externas, incluindo 14 com organizações da sociedade civil, e registaram-se 86 comunicações e participações em eventos públicos, como congressos, seminários e conferências. No plano da atuação institucional, foram emitidas 130 propostas de alteração normativa ou procedimental e apresentadas 5 recomendações ao abrigo do artigo 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça. A intervenção direta incluiu ainda 232 visitas a diversas entidades e equipamentos públicos.

  • Para ler o Relatório Provedor de Justiça 2024, clique aqui.
  • Para ler o Relatório MNP 2024, clique aqui.

Para ver as fotos da entrega do Relatório clique aqui.

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2025-07-17
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